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A ideia de transferir o potencial construtivo no Brasil tem marco jurídico em 1976, trazendo consigo grandes contribuições para a história do Direito Urbanístico Brasileiro. Antes do Estatuto da Cidade, a chamada Carta de Embu, de 12 de dezembro de 1976, no item 2.1, estabelecia a previsão do instituto da transferência do direito de construir em que:

[...] o proprietário de imóvel sujeito a limitações administrativas, que impeçam a plena utilização do coeficiente único de edificação, poderá alienar a parcela não utilizável do direito de construir [...] (GRAU, 1977, p. 55).

Seu texto é simples, mas preciso.

A referida Carta foi fruto de um intenso debate na cidade de Embu, município de São Paulo, em um congresso sobre Solo Criado, como também objeto de debates entre técnicos do Centro de Estudos em Administração Municipal – CEPAM -, órgão vinculado à Secretaria Municipal de São Paulo.

Verificamos, dessa maneira, que já se tinha um pensamento para garantir a todos os proprietários de terrenos urbanos o direito de construir uma área proporcional à área do

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terreno, para que o interessado possa construir onerosamente, além dessa área, o direito de construção ao excedente (ROLNIK, 2002. P. 200-201).

Outra interpretação dessa Carta fundamenta-se na necessidade de considerar o direito de construir como um instituto separado do direito de propriedade7. A Carta de Embu não é o único fundamento a considerar essa separação. Iniciam-se os argumentos com as seguintes perguntas: Há possibilidade de abrir um loteamento sem autorização do poder público? É possível transformar uma fazenda em loteamento urbano sem a anuência do poder público? É possível construir um prédio sem licenciamento do poder público? Certamente a resposta será não, pois a propriedade é separada do direito de uso.

O exercício desse direito de construir, atrelado à noção de solo criado, não era indefinido, uma vez que pelo disposto nos itens 2.1 e 2.2 da Carta de Embu, fica claro que esse direito estava conectado às limitações administrativas, de servidões, tombamentos e desapropriação. Diferentemente das limitações civilistas e urbanísticas. É possível visualizar a tríade relação que essas limitações guardam na Transferência do Direito de Construir, gerando diversos efeitos na equiparação de valores, na sobrecarga do adensamento ou na falta de planejamento das áreas receptoras do potencial construtivo.

Posteriormente à publicação da Carta de Embu, alguns planos diretores no Brasil surgiram, anteriores ao Estatuto da Cidade. Em Curitiba, a Lei nº 6.337, de 28 de setembro de 1982 (PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA, 1982), denominada de Lei do Solo Criado, estabeleceu incentivo construtivo para a preservação de imóveis de valor cultural, histórico ou arquitetônico, onde se permitia a comercialização do direito de construir, mediante compromisso de preservação do patrimônio histórico das Unidades de Interesse de Preservação e com a autorização para a construção acima dos limites da legislação no próprio terreno da unidade histórica ou em regiões específicas.

Em Salvador, a Lei nº 3.805, de 1987, instituiu a transferência do direito de construir:

[...] para fins de preservação de áreas de interesse do patrimônio histórico, artístico, paisagístico e ecológico, implantação de infraestrutura urbana, equipamentos urbanos ou comunitários, ou utilização pelo próprio Município, regularização de situação fundiária e formação de estoque de terrenos pelo Município (PREFEITURA MUNICIPAL DE SALVADOR, 1987).

7 Para uma determinada corrente como Jose Afonso da Silva entende que a questão não é pacífica. Há ainda o

entendimento de que limitações administrativas incidem sobre o direito de propriedade em todos os seus atributos. Ver no tópico referente „solo criado e o direito de propriedade‟ deste capítulo.

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Em São Paulo, Lei nº 9.725, de 02 de julho de 1984, também estabelecia a aplicação da Transferência do Direito de Construir, assim dispondo:

[...] o potencial construtivo dos imóveis de caráter histórico ou de excepcional valor artístico, cultural ou paisagístico, preservados por lei municipal, poderá ser transferido, por seus proprietários, mediante instrumento público, obedecidas as disposições desta lei (PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 1984).

A Cidade do Natal também trouxe consigo um marco legal através da Lei Complementar nº 07, de 05 de agosto de 1994, a qual trazia em seu bojo legislativo que:

O potencial construtivo do imóvel contido na Zona de Proteção Ambiental, assim como do imóvel impedido por esta lei de utilizar a densidade ou coeficiente de aproveitamento básico poderá ser transferido, por instrumento público, mediante prévia autorização do Executivo, para imóvel situado em Zona Adensável, onde haja disponibilidade de estoque (PREFEITURA MUNICIPAL DE NATAL, 1994).

Os exemplos citados por meio dos planos urbanísticos, por outro lado, revelavam que em cada município eram estabelecidas regras próprias que conferiram enorme diversidade às formas de aplicação do instrumento pelos municípios.

A partir da vigência do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), o Plano Diretor tornou-se obrigatório, conforme o artigo 41, para cidades:

I – com mais de vinte mil habitantes;

II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;

III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal;

IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;

V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

VI - incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos (BRASIL, 2001).

A transferência do direito de construir vem sendo incluída como instrumento de ordenação e controle do uso do solo urbano, a fim de concretizar a política urbana do município. No entanto, o instrumento urbanístico previsto na legislação federal do Estatuto da Cidade segue sendo desenvolvido de formas diversas, por falta de orientação geral mais definida.

Mais recentemente, o Plano Diretor Estratégico de São Paulo, Lei 16.050, de 31 de julho de 2014, após um intenso debate, inovou em todo seu conteúdo, com destaque ao instrumento da Transferência do Direito de Construir, que, entre os artigos 122 e 133, traz consigo novidades, as quais, até então, a maioria dos planos diretores municipais brasileiros

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não prevê, como a transferência total e/ou parcial do coeficiente de aproveitamento, cuja possibilidade está adstrita aos casos em que o potencial construtivo passível de transferência ultrapasse 50.000 metros quadrados8.

Além disso, inclui hipóteses incidentes à execução de melhoramentos viários para a implantação de corredores de ônibus, implantação de parques planejados, três formas de cálculos quando não há doação de imóvel cedente, casos de doação de imóveis ou desapropriação amigável e TDC com ou sem doação (PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 2014).

Com essas premissas, notamos que gradativamente o instrumento tem ganhado relevância, principalmente por ter aspectos muito práticos, mas é mal executado ou mal planejado em muitas cidades brasileiras. Os pensamentos que vêm a seguir conduzir-nos-ão a um maior entendimento.