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Função Social e Limitações ao Direito de Propriedade.

Em primeiro lugar analisaremos as limitações ao direito de propriedade.

As limitações legais78 ao direito de propriedade encontram-se expressas em leis especiais, em regulamentos administrativos, assim como no Código Civil, existindo um vasto rol que se impõe de forma coativa aos particulares.

76 Sobre a teoria de Léon Duguit consultar a obra de Carlos Alberto Dabus Maluf. Limitações ao direito de

propriedade: de acordo com o Código Civil de 2002 e com o Estatuto da Cidade. 2.ed. rev., atual. e ampl.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 76-79.

77 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.88-95.

78 “As limitações atingem, principalmente, o complexo imobiliário de bens, tanto na área urbana, como na rural, mediante a instituição de balizas ao respectivo exercício de direitos, na extensão considerada adequada pelo legislador e em razão do interesse social, embora, muitas vezes, com novos sacrifícios aos interesses individuais (como na hipótese de uso público de bem particular, em comparação com a Carta anterior”. (BITTAR, Carlos Alberto (coord.). A propriedade e os direitos reais na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1981, p.03).

Por um lado a Constituição de 1998 reconheceu o direito de propriedade assegurando sua proteção, de outro, reforçou a relativização deste direito, que ao longo do tempo, deixou de apresentar os contornos característicos do absolutismo da propriedade romana. Seguindo a tendência dos modernos ordenamentos jurídicos contemplou a função social da propriedade.

Assim a Constituição Federal de 1988 garantiu o direito de propriedade nos termos do art. 5º, inciso XXII, sem colocá-lo num patamar intangível, pois prevê hipóteses de intervenção do Poder Público na propriedade privada. Citamos como exemplo o instituto da desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização.

O direito de propriedade, segundo Carlos Alberto Dabus Maluf deixa o caráter absoluto e intangível conhecido pelos romanos e se sujeita “a numerosas limitações, impostas pelo interesse público e privado, inclusive pelos princípios da justiça e do bem comum”79.

Como vimos o direito de propriedade80 não mais se reveste do caráter absoluto e intangível, de que outrora se impregnava. Está ele sujeito, na atualidade, a numerosas limitações, impostas no interesse público e privado, inclusive nos princípios da justiça e do bem comum.

Quanto à natureza jurídica das limitações ao direito de propriedade citamos Carlos Alberto Dabus Maluf que as descreve como adaptações da propriedade privada às finalidades públicas. Tais restrições não importam diminuição do patrimônio de quem as suporta, nem aumento do patrimônio de quem com elas aproveita81.

Passemos a analisar a função social82 da propriedade.

79 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade: de acordo com o Código Civil de 2002 e com o Estatuto da Cidade. 2ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.15.

80 “A maior dificuldade da definição está, por um lado, na vasta compreensão que em si tem o domínio, capaz de abraçar as mais variadas faculdades do uso e da disposição da coisa submetida ao senhorio, e, por outro lado, na possibilidade que tem de se comprimir e reduzir no seu conteúdo até quase desaparecer como poder do dono ou senhor, sem que no entanto a compressão leve à destruição total do vínculo de pertença da à pessoa”. (RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil: direitos de família. direitos reais e posse. 6.ed. trad. de Ary dos Santos. São Paulo: Saraiva, 1973, v.II, p.300).

81 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade: de acordo com o Código Civil de 2002 e com o Estatuto da Cidade, 2005, p. 244.

82 Ugo Natoli como premissa para discorrer sobre a função social da propriedade demonstra a importância desse instituto: “Intanto conviene ricordare che la prima delle qualificazioni, alle quali si è accennato, è, com’è noto, quella della realità: in quanto diritto soggettivo, la proprietà è un diritto reale, e anzi, si può aggiungere, il diritto reale base, quello que nella categoria dei diritti reali ‘occupa il primo posto’

Quanto à função social da propriedade, Carlos Alberto Bittar comenta: “Com efeito, não se pode conceber que a assertiva constitucional, constante num dos pontos primordiais do texto de uma Carta Magna, fruto de incansáveis tentativas de conciliação das forças da sociedade, mantenha-se como simples figura de retórica”83.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho nos oferece o sentido de propriedade, segundo a jurisprudência, concebido no texto constitucional e não aquele do Código Civil. Esclarece o autor ser um direito de conteúdo econômico, direito patrimonial e que no art. 5º, XXIV, a Constituição Federal consagra o direito fundamental de não ser alguém despojado de direitos de seu patrimônio, sem justa indenização84.

José Afonso da Silva conceitua as limitações ao direito de propriedade como condicionamentos que atingem as características tradicionais desse direito, como absoluto, exclusivo e perpétuo. O citado autor entende que a função social da propriedade modifica o regime da propriedade, condicionando-a como um todo e menciona a lição de Pedro Escribano Collado - a função social introduziu na esfera interna do direito de propriedade um interesse estranho e por vezes não coincidente com o do proprietário - segundo José Afonso da Silva, “um princípio ordenador da propriedade privada, fundamento da atribuição desse direito e da sua garantia mesma, incidindo sobre seu conteúdo”85.

A função social da propriedade segundo Eros Roberto Grau abrange “comportamentos positivos” e não apenas as situações impostas pelo exercício do poder de polícia. Assim segundo o citado autor, “o que mais releva enfatizar, entretanto, é o fato de que o princípio da função social da propriedade impõe ao proprietário – ou a quem detém o poder de controle, na empresa – o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem”. Para Eros Roberto Grau a maior

(BARASSI), non solo perchè – a raglione o a torto per il momento non interessa – è considerato sempre e in ogni circonstanza il più iportante e quello, pure sul semplice piano economico, di maggior valore; ma anche perchè esso rappresenta Il pressuposto indispensabile ed il centro sul quale poggiano e dal quale si enuncleano tutti gli altri diritti reali”. (NATOLI, Ugo. La Proprietà. 2.ed. Milano: Dott. A. Giufreè, 1980, p.13).

83 BITTAR, Carlos Alberto (coord.). A propriedade e os direitos reais na constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1991, p.36.

84 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 30 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p.304.

85 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001, p.282 e 284-86.

expressão desse princípio está no art.182, §2º, que trata da política urbana e no art.184 que trata da reforma agrária como instrumentos de integração da ordem econômica86.

Para Miguel Reale, o uso da propriedade, apenas por capricho, não tem legitimidade, devendo estar condicionado a uma finalidade social, se não existe um resultado de ordem moral ou de ordem econômica, não se justifica o uso da propriedade que cause dano a outrem87. Décio Luiz José Rodrigues sustenta que a propriedade representa uma necessidade econômica para a sociedade civilizada e que se impõe ao legislador e ao jurista, portanto, deve ser regulada pelo “jus positum”, considerando-se sua função social como necessária ao progresso social, a que a Constituição de 1988 se ajustou88. Jose Luis de los Mozos ao analisar as limitações ao direito de propriedade, em sentido estrito, entende que se confundem com as denominadas servidões legais, já que a limitação que impõe é puramente parcial, mas em sentido geral tem um caráter diferente, não tanto porque não afetam a aspectos particulares do conteúdo do direito de propriedade, senão porque se referem ao destino do objeto sobre o qual recai esse direito89.

É a moderna concepção do direito de propriedade com a sua função social bem determinada, geradora de riquezas e trabalho, apta a contribuir para o bem geral. É a propriedade dos novos tempos, a eliminar a propriedade estéril e improdutiva. Várias disposições constitucionais e infraconstitucionais restringem o seu exercício, assim mostra- se vasto o campo das restrições.

Dentre as limitações legais ao direito de propriedade, no presente trabalho, elegeu-se a propriedade fiduciária de bem móvel regulamentada nos termos dos artigos 1361 a 1368 do CC e a propriedade fiduciária de bem imóvel disciplinada pela Lei n. 9.514/97 como objetos centrais do desenvolvimento do estudo, ora proposto. Cabe trazer a lição de Moreira Alves que define a propriedade fiduciária como a garantia real criada em nosso direito, como uma nova modalidade de propriedade limitada pelo escopo de garantia90.

86 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p.245 e 247.

87 REALE, Miguel. O projeto de Código Civil: situação atual e seus problemas fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1986, p.14.

88 RODRIGUES. Décio Luiz José. Dos modos de aquisição da propriedade imóvel. In: A propriedade e os

direitos reais na Constituição de 1988. Carlos Alberto Bittar (coord.). São Paulo: Saraiva, 1981, p.49-50.

89 MOZOS, Jose Luis de los. El derecho de propriedad: crisis y retorno a la tradicion juridica. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado. EDERSA, 1993, p.268-69.

90 ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. 2.ed. rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p.113.

CAPÍTULO II. ASPECTOS GERAIS DA FIDÚCIA LEGAL NO