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FUNÇÕES DO DEPARTAMENT0 ESTADUAL DO TRABALHO Fiscalização da caderneta e dos livros de fazenda;

No documento TESE DE DOUTORAMENTO IVETE SOBRAL DOS SANTOS (páginas 104-124)

político sobre o económico?

FUNÇÕES DO DEPARTAMENT0 ESTADUAL DO TRABALHO Fiscalização da caderneta e dos livros de fazenda;

- Multas;

- Assistência judicial ao locador;

- Intermediário para a resolução de conflitos entre o fazendeiro e o trabalhador.

F: a partir da cópia da cláusula do contrato de trabalho para os trabalhadores agrícolas no despacho do Ministério do Interior de 26 de junho de 1937. In DGARQ - MAI, maço 505, PVDE (Norte), Emigração – companhia Itaquerê, 1939, Lv 2 PV/P nº5.

94 Pretendendo oferecer regalias com estes contratos, ao assegurar a gratuidade da passagem e a segurança da colocação do trabalhador no mercado de trabalho, Luiz Romero exige em contrapartida das autoridades portuguesas: a organização administrativa da emigração realizada exclusivamente pelas autoridades oficiais de ambos os países, envolvendo os governadores civis, as administrações do concelho e um agente de emigração oficial brasileiro nomeado pela Companhia Itaquerê. Ao ser reconhecido legalmente pelas autoridades portuguesas, o agente de emigração garante o desempenho das suas funções na legalidade face às outras agências de passagens e passaportes. A inscrição provisória de famílias seria organizada pelos governadores civis e pelas administrações do concelho, após publicação, através de editais, das oportunidades de saída para o Brasil. O comissariado geral do governo do Estado de São Paulo tomaria conhecimento dos inscritos com a receção da lista provisória. Após a realização da inspeção sanitária em locais previamente determinados pelas autoridades brasileiras, com a colaboração das autoridades portuguesas, os indivíduos aceites obtêm a autorização para a organização da documentação e do embarque.

A colaboração e a influência do Tenente Castro Silva serão determinantes para convencer o ministro do Interior Mário Pais de Sousa e sobretudo Salazar a principiar a organização desta emigração, argumentando como pontos fortes o contingente de emigrantes requisitado, o tipo de contrato de trabalho e as condições de viagem. Além de garantir uma viagem gratuita, evitando a especulação dos preços dos bilhetes e a exploração dos emigrantes pelas companhias de navegação, o emigrante ia prestar serviço para um fazendeiro e teria acesso à propriedade agrícola, assegurando, para o governo português, um alívio do desemprego rural com a saída ordenada de um contingente razoável de indivíduos:

“Em face das condições em que se apresenta a emigração por intermédio da Companhia Itaquerê, tenho a honra de informar que esta me parece muito mais vantajosa do que a emigração que normalmente se faz para o Brasil. Julgo também que, mesmo no caso de este contingente vir a aumentar o número do contingente anual de emigrantes, desse facto não resulta desvantagem para o País, e até pelo contrário, visto que o desemprego ainda subsiste – embora em pequeno grau – e este em parte deve certamente atribuir-se à diminuição da emigração que há bastantes anos se acentuou.”254

254 Documento enviado pela Companhia Itaquerê, representante geral da Europa para o Ministério do

Interior, 26 de outubro de 1936. In DGARQ - MAI, Maço 505, PVDE (Norte), Emigração – companhia Itaquere, 1939, Lv 2 PV/P nº5.

95 O Tenente Castro Silva valoriza em especial o método de organização do processo emigratório sugerido pelas autoridades brasileiras, implicando a colaboração estreita entre as duas autoridades e afastando a intervenção das agências de passagens e passaportes, o que também servirá para reduzir as práticas ilegais no negócio da emigração espontânea255:

“Desde há muito tenho a convicção de que os indivíduos com o proposto de emigrar, devem inscrever-se nas Administrações de Concelho e Governos Civis e obterem os documentos de chamada e de locação de serviços por intermédio de organismos oficiais, a fim de se evitarem as negociatas e procedimentos á margem da lei, tão frequentes e prejudiciais sob numerosos aspetos. Aos agentes de passagens e passaportes ficaria reservada a missão que o seu próprio nome indica: tratar de passagens e passaportes. Nesta ordem de ideias, concordo em princípio com as sugestões apresentadas pela companhia.”256

O método de recrutamento sugerido pelas autoridades brasileiras servirá de base à PVDE para legitimar a sua colaboração como intermediário entre o Comissariado da Secretaria da Agricultura na Europa, representante brasileiro responsável pelo recrutamento de mão-de-obra agrícola nos países europeus, e as autoridades oficiais locais, nomeadamente no envio da lista dos candidatos provisoriamente aceites, e na regularização da atividade do agente oficial de emigração.

Embora Salazar não se oponha à organização da emigração subsidiada, com o despacho de 24 de dezembro de 1936257, delega no ministro do Interior a responsabilidade de analisar as caraterísticas desta emigração, focando as modalidades de execução dos contratos, e ordena que seja preferencialmente realizado o recrutamento na ilha da Madeira sob pretexto das difíceis condições económicas conhecidas por esta população. Ao querer privilegiar o recrutamento na ilha, Salazar procura usar a emigração subsidiada para aliviar a situação do desemprego. Contudo, não será o ministro do Interior, mas sim a PVDE, a estudar a viabilidade da organização

255 PVDE – Informação, 25 de junho de 1937. Segundo o Tenente Castro Silva, a emigração espontânea é

organizada de forma desordenada, sendo o principal responsável pelas práticas ilegais identificadas neste tipo de emigração. In DGARQ - MAI, maço 505, PVDE (Norte), Emigração – companhia Itaquere, 1939, Lv 2 PV/P nº5.

256 PVDE/Serviços de Emigração António do Castro Silva - Informação sobre a exposição da Companhia

Itaquere, de 12 de outubro de 1936. In DGARQ - MAI, Maço 505, PVDE (Norte), Emigração – companhia Itaquere, 1939, Lv 2 PV/P nº5.

257 Despacho da Presidência do Conselho Oliveira Salazar, Gabinete do presidente para o chefe do

Gabinete do Ministério do Interior, 24 de dezembro de 1936. In DGARQ - MAI, Maço 505, PVDE (Norte), Emigração – companhia Itaquere, 1939, Lv 2 PV/P nº5.

96 desta emigração, sem solicitar o parecer do Ministério dos Negócios Estrangeiros e dos serviços consulares.

Nesse estudo, apesar de realçar as dificuldades de fiscalização do contrato de trabalho pelas autoridades portuguesas - uma vez que o contrato é celebrado somente à chegada das famílias na Comarca da Capital de cada Estado federal – e a falta de precisão para a organização do repatriamento, a PVDE continua a apoiar esta emigração. A polícia demonstra, todavia, uma insensibilidade perante a relação de dependência que o contrato estabelece entre o trabalhador e o fazendeiro e a obrigação do trabalhador manter a atividade de agricultor durante o tempo mínimo de um ano. Se o contrato prevê o acesso à terra, o trabalhador deve sujeitar-se a um conjunto de tarefas nas terras do fazendeiro, sendo algumas delas não remuneradas.

Por outro lado, o contrato não fixa os salários nem esclarece sobre as condições de acesso à assistência médica e à proteção social em caso de acidente de trabalho, de invalidez, ou de maternidade, nem sobre as entidades promotoras desta assistência. De facto, e isso se verificando também com trabalhadores brasileiros até meados dos anos 50, os fazendeiros ofereciam um mínimo de condições (casas de morada, escolas, um baixo salário, uma terra para o cultivo de produtos agrícolas para o autoconsumo assim como alguns animais) para atrair e manter o trabalhador e a sua família na periferia das plantações. Asseguravam assim uma mão-de-obra agrícola permanente e barata, com o mínimo de conforto, para a realização das tarefas agrícolas nas grandes plantações, alimentando uma relação de dependência e de submissão do trabalhador perante os fazendeiros258.

A consulta da PVDE aos serviços consulares para o conhecimento da situação dos trabalhadores agrícolas que saíram de Portugal pela via da emigração subsidiada realizar-se-á somente em 1938, com a suspensão da emigração subsidiada decidida pelo ministro do Interior. Embora se reconheça a existência de um tratamento diferenciado dos trabalhadores pelos fazendeiros, conforme a sua dedicação no desempenho das tarefas que lhes são incumbidas, o consulado de Portugal em São Paulo por exemplo apontará vários inconvenientes, como a falta de inscrição consular dos imigrantes, as dificuldades de acesso a uma assistência material e moral devido à grande distância

258 Sobre as formas de sociabilidade características do mundo rural brasileiro desde final do século XIX

até meados dos anos 50, ver Garcia, Afrânio; Palmeira, Moacir. “Rastros de Casas Grandes e de Senzalas: Transformações Sociais no Mundo Rural Brasileiro”. In Sachs, Ignacy; Wilheim, Jorge; Pinheiro, Paulo Sérgio (org.). Brasil. Um século de transformações. São Paulo: Companhia das Letras, (2ª ed.), 2001, pp.40-77.

97 geográfica entre o local de residência das famílias agrícolas e as infraestruturas hospitalares, mas também as deficiências na assistência oferecidas pelas associações portuguesas:

“Há muita ficção na beneficência portuguesa, cujas casas não têm pavilhões adequados para os doentes infeciosos, ficando estes sujeitos às raras vagas nos hospitais nacionais e os loucos recolhidos nas cadeias. Os tuberculosos lutam com a falta de assistência e, tanto assim é, que este Consulado os têm subsidiado diariamente por verbas saídas da Caixa Portuguesa de Repatriação até conseguir-se um lugar em qualquer sanatório nacional.”259

No seguimento desta consulta, as sugestões da PVDE visarão principalmente estreitar a vigilância das autoridades portuguesas sobre a organização do processo emigratório para assegurar os interesses socioeconómicos e comerciais do Estado português nesta emigração, sem exigir uma negociação das cláusulas dos contratos de trabalho em colaboração com o secretário de Estado das Corporações, competências essas que aliás a polícia não possuía para levá-las a cabo. As recomendações da PVDE focar-se-ão então em quatro linhas diretivas que determinarão a posição do ministro do Interior:

1. organizar o recrutamento nos distritos onde há mais desemprego rural; 2. realizar a fiscalização do embarque e a assistência no navio pela PVDE;

3. solicitar preferencialmente navios portugueses para o transporte dos emigrantes; 4. dispensar a intervenção de agentes de passagens e passaportes ou agentes de emigração.

A 26 de junho de 1937, a emigração subsidiada será autorizada pelo ministro do Interior, determinando as condições da sua realização a partir das propostas brasileiras e das recomendações da PVDE260, ainda antes das medidas varguistas que facilitam a entrada de portugueses261. Iniciar-se-á, a partir desta data, o recrutamento das famílias portuguesas, assim como serão tomadas várias iniciativas para facilitar a organização do processo emigratório e para aliviar os encargos dos emigrantes no pagamento dos documentos necessários para emigrar. Por exemplo, a PVDE aceita, em novembro de 1937 e sob proposta da Companhia Itaquerê, que seja facilitada a junção dos

259 Resposta do cônsul Geral de Portugal em São Paulo, Júlio Augusto Borges dos Santos, para o ministro

dos Negócios Estrangeiros ao questionário enviado pela PVDE em 4 de março de 1939, Proc 53/1939, 12 de abril de 1939. In DGARQ - MAI, maço 505, PVDE (Norte), Emigração – Companhia Itaquere, 1939, Lv 2 PV/P nº5.

260 Despacho do Ministério do Interior, 26 de junho de 1937: emigração subsidiada para o Estado de S

Paulo. In DGARQ - MAI, maço 505, PVDE (Norte), Emigração – Companhia Itaquere, 1939, Lv 2 PV/P nº5.

98 documentos pelo agente oficial de emigração de maneira a diminuir os encargos do emigrante262.

Tabela 3 - Comparação entre a Companhia Itaquerê e as agências de passagens e passaportes dos valores dos documentos pedidos para a organização do processo

emigratório para o Brasil, março de 1938

Designação dos documentos Custo na Delegação da Companhia Itaquerê

(em escudos)

Custo nas Agências (em escudos)

Certidão de idade (BI) 2,50 15

BI c/imprenso 7,50 22,50

Registo criminal (duplicado) 55,40 78

Certificado policial 18,50

Licença militar – Requerimento e

expediente 7,50 37,50

Certidão de casamento 27,50

Fotos 12 12

Atestado de residência 18,50

Atestado de boa conduta 34,30

Atestado de profissão 12,50 34,30 Atestado de sanidade 23,70 24,20 Repatriação 20 20 Atestado oftalmológico 15 20 Atestado de vacina 10 20 Atestado de saúde 10 20 Atestado de assistência 18,50 Termo de identificação 32,50 Passaporte 202,50 204,50

Papel selado, selos, etc 5 37,50

TOTAL 383,60 $ 695,30 $

F: ofício da PVDE para o ministro do Interior: “Emigração subsidiada para S Paulo: Serviços – Assistência e Documentação”, nº 2891, 16 de março de 1938, p.5. In DGARQ – MAI, maço 505, PVDE (Porto), Emigração – Companhia Itaquere, 1939, Lv 2 PV/P nº5.

De julho de 1937 a janeiro de 1938 ir-se-á realizar uma ampla divulgação das oportunidades de trabalho na agricultura brasileira através dos editais divulgados pelos meios oficiais assim como pelos padres. Apesar das estatísticas oficiais não permitirem ter uma apreciação geral do fenómeno, foi estima um total de 87 000263 indivíduos interessados em sair por esta via, sem restringir o alistamento à zona do Norte.

262 A título de exemplo, o Itamaraty, em outubro de 1937, decretou que o visto ia ser gratuito e que a

Companhia Itaquerê iria pagar as despesas de viagem de comboio do Porto para Lisboa, a fim de realizar o embarque para o Brasil. Ver a carta enviada pela Companhia Itaquerê de São Paulo – Secção da Emigração para o Ministério do Interior, 15 de outubro de 1937. In DGARQ - MAI, maço 486, PVDE (Lisboa), “Proposta da Companhia Itaquerê de São Paulo – Brasil” sobre apoio aos emigrantes, 1937 out- nov., nº PT Lv 1 – PV/L nº57, nº P 359-1.

263 Relatório de Henrique de Vasconcelos Dória, Anexo 4 ao ofício nº236, proc. Nº53, 12 de abril de

1939. In DGARQ - MAI, maço 505, PVDE (Porto), Emigração – Companhia Itaquere, 1939, Lº2 PV/P nº5.

99 Organigrama 4 - Alistamento realizado em setembro, outubro e novembro de 1937

F: emigração subsidiada para São Paulo. Serviços – Assistência e documentação. In Ofício da PVDE para o ministro do Interior, nº2891, 16 de março de 1938. In DGARQ - MAI, maço 505, 1939, PVDE (Porto), Emigração – Companhia Itaquere, Lº2 PV/P nº5. Tabela 4 - Famílias prontas para o embarque nos navios Monte Sarmiento (3 de

fevereiro de 1938), Cap Norte (9 de fevereiro de 1938) e Monte Rosa (16 de fevereiro de 1938)

DISTRITOS E LOCALIDADES TOTAL

Aveiro

Anadia 1

Braga

Barcelos, Braga, Celorico de Basto, Fafe, Póvoa de Lanhoso, Vila Verde, Vieira do

Minho 52

Bragança

Bragança, Guimarães, Celorico de Basto, Mirandela, Famalicão, Vieira do Minho,

Macedo de Cavaleiros 15

Coimbra

Lousada, Montemor-o-Velho 1

Leiria

Amarante, Bombarral, Gondomar, Paredes,

Pombal 2

Porto

Baião, Felgueiras, Marco, Monção, Paredes 28

Viana do Castelo

Ponte de Barca, Ponte de Lima, Valpaços,

Viana do Castelo 16

Vila Real

Régua, Resende, Santa Marta 5

Viseu

Cinfães, Monção, Resende 22

TOTAL famílias 142

TOTAL indivíduos 1059

100 Tabela 5 - Aceitação de famílias que se documentaram por sua iniciativa com

exame médico no ato da sua apresentação

Braga 6 Fafe 9 Vila Verde 4 Guimarães 1 Viana do Castelo 5 Penaguião 3 Resende 8 Celorico de Basto 4 Pombal 1 Amarante 9 Macedo de Cavaleiros 4 Cinfães 2 Total famílias 56 Total indivíduos 419 TOTAL dos aceites

(indivíduos) 5718 Indivíduos embarcados em 3, 9 e 16 de fevereiro 1059 Aceites, aguardando embarque 4659 F: idem.

Apesar do interesse da população rural nesta emigração, a sua organização será no entanto travada a partir de janeiro de 1938. A publicação de dois artigos no Jornal de

Notícias a 26 e 27 de janeiro de 1938 - “Crime de Lesa-patria!” e “Um inferno que Dante não sonhou” – vai perturbar o recrutamento das famílias emigrantes, ao provocar uma campanha de difamação que enfatiza os inconvenientes desta emigração, a começar pelas más condições de alojamento dos emigrantes antes do embarque:

“No antigo colégio do Porto, revivemos um passado mortificante de vinte anos [a saída de trabalhadores contratados para França e/ou Inglaterra durante a Primeira Guerra Mundial]. O edifício dum desconforto que transe, fica na rua Falcão. Acolhe perto de 300 pessoas. São famílias inteiras, de numerosa prole, seduzidas, conquistadas, pela magia duma palavra nova e estranha – Itaquerê. Quem pronunciou, quem levou às suas recônditas aldeias essa palavra de tão aliciante sedução? Ingeniosos, sinceros, mal o sabem explicar. E venderam tudo o que tinham, o pouco que tinham – para seguir aventureiramente por esses mares fora. Vai tudo, mulheres, filhos.”

A Companhia Itaquerê irá reagir a estas notícias ao pedir a intervenção da PVDE que pressionará o diretor do jornal para que seja publicada264 a “verdadeira” situação

264 A 29 de janeiro, o diretor do Jornal de Notícias será convocado para comparecer na PVDE no sentido

de ser exercida pressão no diretor para alterar as informações publicadas no jornal. Recusando-se a fazê- lo em nome da liberdade de imprensa, alega que estas mudanças só podem ser realizadas pelo autor dos artigos. O jornalista, após convocação da PVDE, irá também recusar alterar os dados sobre o caso. Ver a

101 dos emigrantes no antigo Colégio do Porto265. A 29 de janeiro, O Século continua a campanha, apontando doravante as deficiências dos contratos de trabalho – em particular na natureza da relação com o fazendeiro, o salário e as condições das instalações de acolhimento antes do embarque – e o sacrifício financeiro pedido às famílias para assegurar a emigração. Alegando ser uma grande perda para Portugal a saída completa de 10 mil famílias recrutadas, que provocaria a perda de ligação com o país de origem e a consequente diminuição das remessas, será também referido a perda de um contingente “valioso” de indivíduos para as colónias portuguesas onde teriam melhores condições266.

À medida que se vai divulgando e opinando sobre as condições da emigração subsidiada, a secção corporativa dos agentes de passagens e passaportes ligados à Associação dos Comerciantes do Porto irá também manifestar o seu descontentamento ao denunciar a sua exclusão na organização administrativa da emigração subsidiada uma vez que as agências possuem as habilitações legais para desempenhar este papel267. Perante este descontentamento, a PVDE terá uma postura rígida, ao responsabilizá-las pela campanha de difamação contra a emigração subsidiada e ao defender o sistema de organização administrativa da emigração subsidiada que garante, segundo ela, a proteção dos indivíduos a um custo diminuído contra as explorações dos intermediários privados.268 O caso atinge tais proporções que a Direcção-Geral da Censura é solicitada para realizar um inquérito que averiguasse o grau de gravidade das alegações feitas na imprensa e o impacto sobre a imagem do Estado na sociedade portuguesa, recusando “estes Serviços pronunciarem-se especialmente sob a forma como decorreram as operações imediatamente concernentes ao ato emigratório, cuja fiscalização compete a organismo próprio.”269

carta do Jornal de Notícias para o diretor dos Serviços de Censura, Porto, 8 de fevereiro de 1938. In DGARQ - MAI, maço 505, PVDE (Porto), Emigração – Companhia Itaquere, 1939, Lº2 PV/P nº5.

265 Carta do agente de emigração subsidiado por São Paulo Ablindo Gonçalves de Sá para a

PVDE/Secção Internacional zona Norte-Porto, 27 de janeiro de 1938. In DGARQ - MAI, maço 505, PVDE (Porto), Emigração – Companhia Itaquere, 1939, Lº2 PV/P nº5.

266 “O Estado de S. Paulo encarregou uma agência de recrutar em Portugal 10 000 famílias de

trabalhadores rurais “. O Século, 29 de janeiro de 1938. In DGARQ - MAI, maço 505, PVDE (Norte), Emigração – companhia Itaquere, 1939, Lv 2 PV/P nº5.

267 Carta da Associação dos comerciantes do Porto para o ministro do Interior, Porto, nº 6621, 3 de

fevereiro de 1938. In DGARQ - MAI, maço 505, PVDE (Porto), Emigração – Companhia Iaquerê, 1939, Lº 2PV/P nº5.

268 Informação da PVDE – Serviços de Emigração, 7 de fevereiro de 1938. In DGARQ - MAI, maço 505,

PVDE (Porto), Emigração – Companhia Iaquerê, 1939, Lº 2PV/P nº5.

269 Ofício do secretário da Direção-Geral da Censura-Ministério do Interior Major Alvaro Salvação

Barreto para o chefe do Gabinete do Ministério do Interior, nº 138, 12 de fevereiro de 1938. In DGARQ - MAI, maço 505, PVDE (Porto), Emigração – Companhia Iaquerê, 1939, Lº 2PV/P nº5.

102 O grau de envolvimento provocado pela emigração subsidiada e a intervenção da PVDE para apagar a campanha de difamação e para resolver o problema do alojamento serão considerados, pela Direção-Geral, como inconvenientes, desajustados e uma ofensa para com o governo português, acabando por provocar a antipatia da opinião pública270 e por manchar a imagem do Estado:

“Pensa, por último, que em casos como este, em que a análise desapaixonada das cláusulas do contrato mostra não estar devidamente garantido o futuro dos emigrantes, nem regulada por forma conveniente, como se viu, o período que decorre desde o aliciamento até ao embarque, muito conviria, para prestígio do Estado, rodear de todas as cautelas o processo de emigração, mandando fazer o estudo que indique as correções e alterações a introduzir não só no que está feito, se possível, como principalmente no que puder ainda receber o benefício de uma intervenção salutar.”271

Face a estas conclusões, o ministro do Interior Mário Pais de Sousa decide suspender temporariamente a emigração subsidiada a 12 de fevereiro de 1938272, provocando o descontentamento da Companhia Itaquerê e inviabilizando a saída de emigrantes prontos para o embarque273. Após várias tentativas de dissuasão levada pela PVDE e pela Companhia, esta última decide suspender definitivamente o contrato que a ligava às autoridades portuguesas a 3 de agosto de 1938, alegando obstáculos na organização da emigração, a campanha de descrédito contra a companhia, a falta de intervenção eficaz das autoridades portuguesas para aplicar a censura e os prejuízos morais e materiais provocados pela suspensão274.

Ao analisarmos as modalidades da emigração subsidiada, conseguimos evidenciar o papel da emigração como solução de escape face ao problema do desemprego. De facto, ela é considerada como uma oportunidade para aliviar, dentro de condicionantes determinados por ambas as autoridades, a situação do desemprego rural destacada no Boletim do Comissariado do Desemprego, sobretudo a partir de 1937-

270 Idem. 271 Idem.

272 Despacho do ministro do Interior para o diretor da PVDE, 12 de fevereiro de 1938, s.n. In DGARQ -

MAI, maço 505, PVDE (Porto), Emigração – Companhia Itaquere, 1939, Lº2 PV/P nº5.

273 Ver por exemplo a carta enviada pelo Governo Civil do Porto para o ministro do Interior, nº1/2, 19 de

No documento TESE DE DOUTORAMENTO IVETE SOBRAL DOS SANTOS (páginas 104-124)

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