Durante o processo de análise realizado até o momento, observou-se que “PG” sempre
prevalecia em quantidade significativa em relação aos assaltos ao turno, quando comparado aos
colegas de autoconfrontação. Como dito anteriormente, “PG”, no momento em que a
autoconfrontação ocorreu, ocupava o cargo de Coordenação de Curso, tendo assim, uma
posição hierarquicamente mais elevada à de “PA”. Percebeu-se, durante o processo de
transcrição dos dados e posteriormente com a análise realizada para encontrar as funções
linguístico-psicológicas do assalto ao turno na situação de autoconfrontação cruzada, que “PG”,
em muitos momentos, possivelmente em função da relação de poder, mantinha o controle sobre
“PA”, isso sendo evidenciado pelos gráficos em que “PG” predomina com os assaltos ao turno.
Durante as análises observou-se que a relação de assimetria entre “PG” e “PA” pode ter
influenciado no resultado de assaltos ao turno, pois notavelmente “PG” predominou no diálogo.
É preciso levar em consideração que a assimetria sempre existirá no diálogo, pois ela é
constitutiva dos mesmos, o que é possível fazer é tentar minimizar essas variáveis, porém sem
garantia alguma. No caso deste estudo, por mais que o processo fosse realizado com dois
docentes, não haveria garantia de que a relação fosse de simetria, com isso, nota-se que é a
influência do externo à autoconfrontação refletindo em seu interior. Para ilustrar essa questão,
será apresentado um excerto da autoconfrontação 1 em que foi percebido essa relação de
assimetria e ‘imposição’ de “PG”. Segue o exemplo:
175 I2: PG:
PA: PG:
isso e aí se... se você puder comentar alguma coisa
é::... olha para mim é::... é tranquilo comentar porque é um assunto que eu tenho um:: um conhecimento::
[ sim
180 185 PA: PG: PA: PG: PA:
são temas assim que se [
são temas que:: que eu conheço né [ ( )
então eu trabalhei com manutenção... na na iniciativa privada... e:: entrei na:: universida::de quando entramos em tecnólogo eu passei a dar técnicas preditivas... e para trabalhar com técnicas preditivas eu tenho que entender o que sa/ o que é a:: e um texto da preditiva e a preventiva:: né os tipos de manutenção que tu está comentando ali... é::... me parece que tu estava fazendo uma estava revisando né com ( )
[
uma revisão
No recorte apresentado, estava iniciando-se a discussão do trecho de aula de “PA”, vê-
se de forma geral a ocorrência de quatro assaltos ao turno no exemplo apresentado. Esse
exemplo foi extraído do grupo tópico 2, composto pelos tópicos: 7, 8, 9, 10, 11 e 12. Nesses
tópicos os docentes e intervenientes estavam iniciando o diálogo a respeito do trecho de aula
de “PA”, o diálogo não estava ainda acalorado, se comentava em relação à teoria passada por
“PA” aos alunos e alguns comentários iniciais. No recorte que foi apresentado notou-se que
“PG” inicia o diálogo sobre a aula do colega afirmando que tem tranquilidade em comentar,
pois tem um “conhecimento do assunto”, ao que “PA” assalta seu turno confirmando a fala do
colega (linha:175), esse assalto pode ser caracterizado como assalto fossilizado com deixa, pois
“PA” se aproveitou de uma deixa (prolongamento da vogal ‘o’) de “PG” para realizá-lo. “PG”
continua sua fala dizendo que tem um conhecimento de “BOM para razoável do assunto” (linha:
176), ao final de sua fala “PA” inicia seu turno de fala e é interrompido por “PG” que assalta
seu turno, para novamente reafirmar que conhece o assunto. Na linha 181 observa-se que “PA”
realiza um assalto, porém a sua fala fica incompreensível. “PG” assume o turno de fala (linha:
182) e comenta em relação à sua experiência com a matéria de “PA”. Percebe-se, durante o
recorte, algumas tentativas de “PA” para se manter e para conseguir espaço no diálogo, essas
tentativas foram marcadas com os assaltos ao turno. Em relação ao “PG” distingue-se a relação
de poder envolvida, quando o mesmo fala que tem conhecimento para falar do trecho de aula
do colega, que tem um conhecimento “BOM” do que havia sido tratado. É possível notar a
entonação enfática usada por “PG” na palavra bom, como uma reafirmação do que diz. Essa
relação de poder, em alguns exemplos, pode ser entendida como uma relação de intimidação de
“PG” para “PA”, onde “PA” acaba ficando ‘sufocado’ (desaparecendo) no diálogo com colega.
Como exemplo dessa minimização de “PA” tem-se o assalto ao turno na linha 181, no qual a
fala de “PA” fica incompreensível, acaba sendo abafada.
Bem sabe-se que a autoconfrontação não se caracteriza como uma entrevista comum,
ela é um método clínico, onde ocorrem momentos de transformação do sujeito, mudanças de
ponto de vista e também se caracteriza como uma oportunidade para inúmeras descobertas. Para
que o desenvolvimento ocorra, o participante deve estar aberto à essas possíveis mudanças,
revisando os momentos de trabalho e sua postura nos mesmos. Quando os sujeitos participantes
da autoconfrontação não se expõem, os mesmos não dão oportunidade ao desenvolvimento,
essa não exposição pode ser um mecanismo de defesa do sujeito. Em relação aos mecanismos
de defesa, Brenner (1975, p. 77), destaca que “situado entre o id e o meio ambiente, e
constantemente controlado pelo superego, o ego encontra-se em posição bastante difícil. Isso
às vezes lhe provoca angústia, e esta mobiliza o processo defensivo”. Ainda em relação aos
mecanismos de defesa, Brenner (1975, p. 77) afirma que “o ego constrói barreiras que lhe
permitem rechaçar certos impulsos ou solucionar os conflitos originados pela oposição das
exigências de cada uma das instâncias psíquicas”. Esse mecanismo de defesa pode ser percebido
no exemplo mostrado anteriormente, no qual “PG” mantém a relação de poder, podendo ser um
mecanismo de defesa contra uma abertura maior, funcionando para manter sua imagem.
Identifica-se que durante toda a sessão de autoconfrontação, “PG” manteve-se com uma postura
defensiva e que “PA” tentava se reafirmar no diálogo.
Para uma compreensão mais aprofundada dessa relação de “PG” e “PA” no momento
da autoconfrontação, a seguir será apresentado outro recorte da autoconfrontação 1:
305 310 315 320 325 PG: PA: PG: PA: PG: PA: PG: PA: PG:
por isso que essa parte de gestão ela:: e a vanta/ a vantagem aqui é que a gente trabalha no mesmo período no tecnólogo então os alunos as vezes fazem as fofocas né?... [ ah é [
a tua a tua semestre passado a turma do Ivã que eu gostava muito daquela turma...
[ sim [
e eles reclamavam assim bastante do PA mas reclamavam no bom sentido... bah o PA passou isso passou aquilo né eu já adoto uma estratégia diferente eu:: como eu sei que tem professores que passam muitos trabalhos né e atividades né... e a minha disciplina ela é já por si só muito prática assim parte tecnicamente falando então eu já não passo... assim até para dar uma contrabalançada porque se todos os professores tiverem a mesma estratégia né passarem trabalhos para casa lá para o turno da noite aí não dá né PA?
sim
e andaram até reclamando uma época para os professores [
não eu até fiz uma revisão em relação a isso né hoje minha postura é diferente né?
[ [ é é
“PG” inicia o recorte falando sobre as vantagens de se trabalhar no mesmo período, pois
dessa forma o mesmo sabe das ‘fofocas’ dos alunos em relação aos professores. “PA” concorda
com a afirmação do colega (linha:308) e seu turno é assaltado por “PG” (linha: 310) que pede
ao “PA” se a turma em que trabalhava era a turma do ‘Ivã’, pois gostava muito da turma. “PA”
concorda (linha: 313) e “PG” assalta novamente seu turno (linha: 315) e relata que os alunos
reclamavam bastante do “PA”, ‘mas no bom sentido’, por passar vários trabalhos, “PG” ainda
destaca que adota uma postura diferente à de “PA”, como sabe que vários professores, incluindo
“PA”, passam trabalhos para os alunos, ele não utiliza a mesma estratégia, fala ‘ai não dá né
“PA”’. “PA” concorda com “PG” e novamente assume o turno de fala falando que os alunos
reclamaram dos professores, no momento dessa fala “PA” assalta o turno de “PG” (linha: 325)
e relata que fez uma revisão em relação a isso e hoje adota uma postura diferente. Através do
exemplo, percebe-se novamente uma relação de coordenador de curso e professor, onde “PG”
acaba por se impor, talvez solicitando de “PA” uma resposta em relação à sua postura em sala
de aula.
Observa-se que “PG”, durante as sessões de autoconfrontação cruzada, tenta manter a
relação construída fora do ambiente da autoconfrontação, é importante destacar aqui a teoria
das faces de Goffman (1980, p. 77), onde o mesmo define a face “o valor social positivo que
uma pessoa efetivamente reclama para si mesma através daquilo que os outros presumem ser a
linha por ela tomada durante um contato específico”. Goffman (1985, p. 11) ainda afirma que
um indivíduo quando chega na presença de outros, estes procuram informações ao seu respeito,
ou trazem as informações que já possuem, segundo ele “a informação a respeito do indivíduo
serve para definir a situação, tornando os outros capazes de conhecer antecipadamente o que
ele esperará deles e o que dele podem esperar”.
A partir da definição das faces proposta por Goffman (1980), Brown e Levinson (1987)
criaram a teoria da polidez. A polidez pode ser definida, em um sentido amplo, como todos os
aspectos do discurso que são regidos por regras, com a intenção de preservar o caráter
harmonioso da relação interpessoal (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006). A teoria da polidez
propõe uma dualidade para a noção de face, a face positiva e a face negativa. Para Marcotulio
(2008, p. 64):
A face negativa está relacionada ao território, à preservação pessoal e ao direito de não sofrer perturbação. Estão em jogo, assim, a liberdade de ação e a liberdade de não sofrer imposição. A face positiva consiste na própria imagem e personalidade, desejada pelos interactantes. Em outras palavras, é a maneira pela qual um indivíduo quer ser visto e aceito socialmente.