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CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.7 O EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO (ENEM)

2.7.1 Funções e objetivos do Enem

O Exame Nacional do Ensino Médio possui, desde sua origem, diferentes funções e objetivos, que sofreram alterações com o passar dos anos, divulgadas em portarias do Inep ou do MEC. Durante muito tempo o Enem se caracterizou por três funções essenciais: I – avaliação sistêmica; II – avaliação certificatória; e III – avaliação classificatória (BRASIL, 2013, p. 176). Sobre as três, discorro a seguir:

Avaliação sistêmica. Enquanto avaliação sistêmica, o Enem fornece subsídios

a políticas públicas para a educação básica. Essa função vem em cumprimento do Art. 206, inciso VII, da CF e do Art. 9º, inciso VI, da LDB, citados anteriormente;

Avaliação certificatória. É a partir desta função que a União passou a atender,

com o Enem, ao Art. 38 da LDB, que dispõe que os sistemas de ensino devem organizar exames supletivos para aferir e reconhecer conhecimentos e habilidades adquiridos. Desde 2002 era papel exercido pelo Encceja, e se tornou atribuição do Enem pela Portaria INEP nº 109, de 27 de maio de 2009. No entanto, com a Portaria nº 468, de 3 de abril de 2017, do MEC, o Enem perdeu a função certificatória do ensino médio, voltando essa atribuição a ser desempenhada pelo Encceja. Ou seja, a função de avaliação de certificação do ensino médio foi exercida pelo Encceja entre 2002 e 2009 e pelo Enem entre 2009 e 2017. A partir desse ano, voltou a ser função do Encceja.

Ao longo de todo esse período entre o Enem e o Encceja, a função certificatória se apresenta de duas formas. A primeira delas, a de certificação do ensino médio completo. O participante maior de 18 anos que não tiver terminado essa fase escolar pode solicitar o

15 Para saber mais, ver: http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/id/6700267.

certificado de conclusão em uma das instituições habilitadas pelo INEP. Isso caso alcance as notas mínimas estabelecidas para cada área de conhecimento da prova, que correspondem aos componentes curriculares do ensino médio. A outra forma, a de declaração parcial de proficiência emitida para uma ou mais áreas de conhecimento;

Avaliação classificatória. A função classificatória sofreu mudanças ao longo

dos anos, desde o surgimento do exame. Inicialmente dois objetivos confirmavam essa função, conforme citação a seguir, quando o MEC resolveu:

Art.1º - Instituir o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, como procedimento de avaliação do desempenho do aluno, tendo por objetivos:

[...]

III – fornecer subsídios às diferentes modalidades de acesso à educação superior; IV – constituir-se em modalidade de acesso a cursos profissionalizantes pós-médio. (BRASIL, 1998a)

Atualmente encontramos a função de avaliação classificatória dissolvida entre três objetivos, publicados pela Portaria 468, de 3 de abril de 2017: a) ser mecanismo para seleção de ingresso ao ensino superior, como modalidade única, alternativa ou complementar; b) ser instrumento para acesso a programas de apoio ou financiamento do ensino superior; c) ser instrumento para seleções no mundo do trabalho (ver Quadro 1).

Com a volta da função certificatória do ensino médio para o Encceja, os três outros objetivos do Enem presentes no Art. 3º da Portaria MEC 468, de 3 de abril de 2017, remetem à sua função de avaliação sistêmica. Todos os objetivos podem ser facilmente arranjados, portanto, nas duas funções que hoje tem o exame, conforme apresento no Quadro 1, a seguir.

Quadro 1 – Funções e objetivos do Enem.

Enem

Função de avaliação sistêmica

(BRASIL, 2013, p. 176)

Função de avaliação classificatória (BRASIL, 2013, p. 176)

Objetivos (Portaria MEC 468, de 3/04/2017)

I – a constituição de parâmetros para a autoavaliação do participante, com vistas à continuidade de sua formação e a sua inserção no mercado de trabalho [...]. II – a criação de referência nacional para o aperfeiçoamento dos currículos do ensino médio; [...] VI – o desenvolvimento de estudos e indicadores sobre a educação brasileira.

Objetivos (Portaria MEC 468, de 3/04/2017)

III – a utilização do Exame como mecanismo único, alternativo ou complementar para acesso à educação superior, especialmente a ofertada pelas instituições federais de educação superior;

IV – o acesso a programas governamentais de financiamento ou apoio ao estudante da educação superior;

V – a sua utilização como instrumento de seleção para ingresso nos diferentes setores do mundo do trabalho [...].

Fonte: elaborada pelo autor.

Proponho essa divisão objetivando a compreensão das diferentes funções do Enem. No entanto, não significa que tenham peso equivalente nem que ambas coexistam de forma não conflituosa. A função de avaliação sistêmica e a de avaliação classificatória podem não ser igualmente determinantes na configuração de processos relacionados ao exame (elaboração de itens; usos que o poder público, instituições de ensino superior e participantes fazem dos resultados). Segundo Krahe (2012): “No momento atual, de marcante expansão no ensino superior, o Enem exerce primordialmente o papel de exame vestibular e secundariamente o de instrumento de análise da situação da educação básica”.

Para Macedo (2012, p. 36), o Enem inicialmente rompia com a tradicional proposta de educação brasileira, caracterizada pela “escolha” de uma elite de estudantes para avançar para o ensino superior. O Exame Nacional do Ensino Médio, para o teórico, era então comprometido com todos os estudantes, ao realizar uma análise de todo um sistema, em favor de correções e melhorias. Macedo destaca ainda que a avaliação por “competências”, característica do Enem, é diferente do modelo de avaliação mais focado em conteúdos, que tradicionalmente tipifica os vestibulares. Mas o autor converge com Krahe (2012), quando afirma:

Ocorre que o novo ENEM, por razões políticas e práticas, recuperou o sentido de uma educação básica comprometida com a escola seguinte ao se tornar também um vestibular nacional, de interesse sobretudo para as universidades federais e particulares. Com isso, recuperou-se o aspecto competitivo, excludente e discriminatório que qualquer vestibular deve ter.

Para mim, o ENEM atual transformou-se em outra coisa. Essa “outra coisa” me parece válida: é útil se ter um vestibular nacional e, assim, conhecer, garantir e estimular

certos “nivelamentos”. [...] Mas, insisto, para mim, isso é outra coisa (MACEDO, 2012, p. 36).

No entanto, conforme já frisei anteriormente, a Portaria MEC 438, que instituiu o Enem em 1998, já trazia a possibilidade de o exame servir como subsídio às modalidades de acesso ao ensino superior e de ser exame de seleção para cursos profissionalizantes pós-médio. A primeira grande guinada neste sentido ocorre em 2004, quando surge o Programa Universidade para Todos.

Um marco da modificação dos objetivos do ENEM tem lugar em 2004, com a utilização do exame para a escolha de alunos que teriam direito a bolsas em instituições de educação superior (IES) privadas, através do Programa Universidade para Todos (PROUNI). Esse é um movimento expressivo de modificação em sua característica inicial: o ENEM deixa de ser uma atividade que tem por objetivo retratar a educação como um todo, identificando positividades e falhas a serem sanadas, para se tornar um instrumento de seleção dos indivíduos, com vistas a ingresso no ensino superior (KRAHE, 2012, p. 37).

Cinco anos mais tarde, em 2009, ocorrem mudanças que irão solidificar a configuração de vestibular do Enem. Como apresentado na seção 2.5, o governo federal propôs às instituições federais de ensino superior a centralização dos processos seletivos em um exame. Segundo Brasil (2009a, p. 1-2), a descentralização favorecia candidatos com maior poder aquisitivo, que tinham mais recursos para aproveitar as diferentes possibilidades de disputa. Por outro lado, o documento afirma que exames descentralizados seriam prejudiciais para instituições localizadas em “centros menores”, pois possuíam uma menor “capacidade de recrutamento”.

Para atender às propostas do MEC, o Inep organizou um novo formato de provas. A seguir, exponho brevemente as características das provas atuais do Enem.