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CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DOS DADOS

4.1 DOCUMENTOS ORIENTADORES DA EDUCAÇÃO: DCNEM E PCNEM

4.1.1 Interdisciplinaridade

Segundo Brasil (1998d, p. 29), a interdisciplinaridade requer: “organizar os conteúdos de ensino em estudos ou áreas interdisciplinares e projetos que melhor abriguem a visão orgânica do conhecimento e o diálogo permanente entre as diferentes áreas do saber”.

Quando a LDB destaca as diretrizes curriculares específicas do Ensino Médio, ela se preocupa em apontar para um planejamento e desenvolvimento do currículo de forma orgânica, superando a organização por disciplinas estanques e revigorando a integração e articulação dos conhecimentos, num processo permanente de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Essa proposta de organicidade está contida no Art.36, segundo o qual o currículo do Ensino Médio “destacará a

educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania” (BRASIL, 2000a, p. 17).

22 As Diretrizes que substituíram as DCNEM de 1998 não atualizaram a base nacional comum dos currículos.

Como o monitoramento da educação deve ser construído a partir dessa base e como o Enem não tem sua Matriz modificada desde 2009, em minha pesquisa utilizo as DCNEM vigentes de 1998 a 2012.

Importa, antes de prosseguir, enfatizar que o Art. 5º, inciso I das DCNEM dá às linguagens o status de elemento essencial para o desenvolvimento nas outras áreas. Esse dispositivo enfatiza que para cumprir as finalidades do ensino médio as escolas deverão considerar em seu currículo “que as linguagens são indispensáveis para a constituição de conhecimentos e competências”. Isso revela, portanto, o caráter interdisciplinar dessa área com as outras do currículo. É pelas linguagens “que os conteúdos curriculares se constituem em conhecimentos" (BRASIL, 1998d, p. 31).

As DCNEM esclarecem em cinco incisos do Art. 8º outras questões que a escola deverá levar em conta em relação à interdisciplinaridade. A seguir, comento cada parte do artigo.

Art. 8º Na observância da Interdisciplinaridade as escolas terão presente que:

O art. 8º das DCNEM é todo dedicado à interdisciplinaridade e está composto por cinco incisos. Devido à natureza das DCNEM (ser Resolução do CNE), a interdisciplinaridade foi instituída como norma a ser seguida pela educação brasileira, ainda que talvez seja uma das mais difíceis tarefas a ser colocada em prática.

I – a Interdisciplinaridade, nas suas mais variadas formas, partirá do princípio de que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de negação, de complementação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos;

Esse inciso carrega duas informações essenciais: 1) a interdisciplinaridade possui diferentes configurações, pois, conforme afirma o Parecer CNE/CEB nº 15/98 (BRASIL, 1998d, p. 37), existem “inúmeras possibilidades de interação entre disciplinas e entre as áreas”; 2) ela se faz necessária, pois um conhecimento naturalmente está conectado a outros conhecimentos.

II – o ensino deve ir além da descrição e procurar constituir nos alunos a capacidade de analisar, explicar, prever e intervir, objetivos que são mais facilmente alcançáveis se as disciplinas, integradas em áreas de conhecimento, puderem contribuir, cada uma com sua especificidade, para o estudo comum de problemas concretos, ou para o desenvolvimento de projetos de investigação e/ou de ação;

Este inciso possui três elementos centrais:

1) o estudo de problemas concretos e desenvolvimento de projetos;

3) a integração das disciplinas.

O fim de todas as atividades presentes no inciso é desenvolver as capacidades de análise, explicação, previsão e intervenção, para superar a simples descrição do fato observado. O dispositivo apresenta um modo mais fácil de desenvolvê-las. Procuro, então, novamente reunir os elementos do inciso, mas sob outra ordem: “se as disciplinas, integradas em áreas de conhecimento, puderem contribuir, cada uma com sua especificidade, para o estudo comum de problemas concretos, ou para o desenvolvimento de projetos de investigação e/ou de ação” é mais fácil aprender a “analisar, explicar, prever e intervir”. Assim, vê-se que o desenvolvimento das competências cognitivas é facilitado quando há a integração das disciplinas, estando estas dedicadas a um mesmo problema concreto ou a um projeto.

Essa compreensão também está apoiada em Brasil (1998d, p. 30), que destaca a relação que a interdisciplinaridade tem com projetos e estudos concretos. O documento esclarece que a interdisciplinaridade pressupõe “um eixo integrador” que, por exemplo, “pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção”. Nessa tarefa, surgem necessidades de explicação, compreensão, intervenção, mudança, previsão, processos que exigem competências cognitivas e conhecimentos diversos. A escola, professores e estudantes, para o atendimento dessas necessidades, acabam por envolver diferentes disciplinas.

III - as disciplinas escolares são recortes das áreas de conhecimentos que representam, carregam sempre um grau de arbitrariedade e não esgotam isoladamente a realidade dos fatos físicos e sociais, devendo buscar entre si interações que permitam aos alunos a compreensão mais ampla da realidade;

Para explicar por que as disciplinas escolares são “recortes das áreas de conhecimento”, Brasil (1998d, p. 29) cita Chervel (1990), para quem as disciplinas são “uma seleção de conhecimentos […] ordenados e organizados para serem apresentados ao aluno, recorrendo, como apoio a essa apresentação, a um conjunto de procedimentos didáticos e metodológicos e de avaliação”. O inciso III do presente Art. 8º afirma ainda que a divisão em disciplinas é arbitrária. Ou seja, a teoria não consegue justificar satisfatoriamente a fragmentação. Essa dificuldade teórica se deve em parte ao fato de que um conhecimento não pertence a uma disciplina, mas perpassa muitas delas.

Outra característica das disciplinas escolares evidencia a arbitrariedade. Elas são transitórias, ou seja, uma disciplina existe em um período e pode posteriormente desaparecer ou ser mesclada a outra, em um momento diferente (CHERVEL, 1990, apud BRASIL, 1998d,

p. 32). Essa transitoriedade “mostra como é, epistemologicamente frágil a [...] demarcação rígida” e “argumenta em favor de uma postura mais flexível e integradora” das disciplinas (BRASIL, 1998d, p. 32).

As Diretrizes Curriculares não definiram as disciplinas a serem trabalhadas nas escolas, ficando essa tarefa, naquele momento, a critério dos estabelecimentos de ensino, respeitadas as instruções do Art. 10, § 2º. Em resumo: o inciso III, do Art. 8º das DCNEM, portanto, aceita a tradicional prática escolar da divisão por disciplinas, mas fica determinado que se busquem interações entre elas para uma maior compreensão da realidade.

IV - a aprendizagem é decisiva para o desenvolvimento dos alunos, e por esta razão as disciplinas devem ser didaticamente solidárias para atingir esse objetivo, de modo que disciplinas diferentes estimulem competências comuns, e cada disciplina contribua para a constituição de diferentes capacidades, sendo indispensável buscar a complementaridade entre as disciplinas a fim de facilitar aos alunos um desenvolvimento intelectual, social e afetivo mais completo e integrado;

V - a característica do ensino escolar, tal como indicada no inciso anterior, amplia significativamente a responsabilidade da escola para a constituição de identidades que integram conhecimentos, competências e valores que permitam o exercício pleno da cidadania e a inserção flexível no mundo do trabalho.

A formação com qualidade é a preocupação primeira das DCNEM. O documento estabelece aqui nesse inciso IV que as diferentes disciplinas sejam solidárias entre si, pois, revela o dispositivo, a complementaridade entre elas facilita o desenvolvimento dos estudantes nos níveis intelectual, social e afetivo. O inciso V enfatiza que à escola cabe a responsabilidade de formar identidades que saibam integrar “conhecimentos, competências e valores” e assim exercer plenamente sua cidadania e inserir-se no mundo do trabalho.

Até agora apresentei a perspectiva das DCNEM quanto à interdisciplinaridade. Os PCNEM, por sua parte, são convergentes com as Diretrizes e ampliam a discussão. Afirmam que as áreas do conhecimento “estão perfeitamente interligadas e inter-relacionadas” e que desassociá-las cria “contextos altamente artificiais geradores de desinteresse” (BRASIL, 2000b, p. 25-30).

Os PCNEM, a fim de mostrar formas possíveis de interdisciplinaridade entre as disciplinas da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, apresentam alguns temas como

exemplo: “a questão das sociedades letradas”, a “constituição do campo artístico”, as “novas tecnologias” e “o estudo da inter-relação produção/percepção” (BRASIL, 2000b, p. 7).