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CAPÍTULO 3 MECANISMOS ENUNCIATIVOS

1 OS FUNCIONAMENTOS LINGUÍSTICOS E OS PLANOS DE ENUNCIAÇÃO

2.3 Funcionamento compacto

O funcionamento compacto traz a ponderação QLT sobre um grupo de termos. Culioli (1999) exemplifica esse funcionamento por meio do grupo de termos “ele tem uma paciência de anjo” (“Il a une patience d’ange”) que não evidencia a quantidade de “paciência” do “sujeito”, pois “paciência” não é quantificável e não há um demarcador (para este caso) que quantifique esse termo; “paciência” é qualificável graças à operação de localização de “é paciente” pelo localizador “ele”, isto é, “ele” ancora a noção “ser paciente” na ocorrência.

Desse modo, a estabilidade da ocorrência desse grupo de termos vem da qualificação de uma predicação a um determinado localizador da noção (e.g. “ele é feliz”).

A ponderação QLT sustenta-se nas seguintes características do funcionamento compacto: a formatação das ocorrências não ocorre, a menos por meio do formato espaço-

33 "plus précisément, dans le cas du dense, il semble que le sujet soit à interpréter simplement comme l’une des coordonnées spatio-temporelles (avec le lieu et le temps qui sont sous-entendus par l’énoncé) qui servent de localisateurs à l’occurrence de procès construite : il y a eu de la lecture à un instant donné t, en un lieu donné l, déterminé par rapport au sujet Pierre" (VOGÜÉ, 1989, p. 31).

temporal e do suporte encarnado – o que implica padrões qualitativos (e não-quantitativos) – e a indivisibilidade do processo.

Vejamos o modo como tais características atendem aos nomes ou aos processos.

2.3.1 Da encarnação do compacto

Os compactos se apresentam de modo a não se combinarem com demarcadores. Segundo De Vogüé (1989), isso não quer dizer que estes repelem a determinação, a formatação ou a quantificação.

No caso dos determinantes, há aqueles que são compatíveis com os compactos, sendo o(s) / a(s). A compatibilidade se dá em razão de os determinantes operarem sobre as noções sem ancorá-las e, também, não operarem nenhuma determinação. A não-determinação está no fato de haver um “localizador” que abrange o sentido de formatar o suporte sobre o qual a predicação se encarna. De Vogüé (1989, p. 8) esclarece-nos essa questão por meio de um exemplo:

[...] o caráter próprio deste determinante [o(s) / a(s)] é não ancorar a noção sobre a qual opera [...], e em especial de não operar nenhuma determinação. É naturalmente possível operar certas delimitações sobre um compacto determinado por o / a (ex: a felicidade de Paulo), mas precisamente essas delimitações não constituem uma determinação: não se trata de identificar uma parcela de felicidade pela sua localização sobre Paulo: Paulo é interpretado aí como o suporte sobre o qual a felicidade se encarna (cf. Paulo é feliz) 34.

Temos, assim, a partir da predicação “Paulo é feliz”, a operação de localização do objeto “é feliz” pelo localizador “Paulo”. A noção de “ser feliz” se encontra, pois, ancorada à formatação espaço-temporal de “Paulo”.

Ao atribuir uma predicação a um determinado suporte, estamos tratando de qualificação do enunciado. Ocorre que, no momento em que se dá a qualificação, há uma validação na relação suporte-predicação e, portanto, sua estabilização.

34 "[...] le propre de ce déterminat est de ne pas ancrer la notion sur laquelle il opère [...], et en particulier de n’opérer aucun prélèvement. Il est bien entendu possible d’opérer certaines délimitations sur un compact déterminé par le (ex : le bonheur de Paul), mais précisément ces délimitations ne constituent pas un prélèvement : il ne s’agit pas d’identifier une parcelle de bonheur par sa localisation sur Paul ; Paul est là interprété comme le support sur lequel le bonheur s’incarne (cf Paul est heurex)" (VOGÜÉ, 1989, p. 8).

Poderíamos pensar sobre tipo de quantificação em partitivos como “um pouco de / muito de felicidade”, porém não remetem a quantidades e sim a graus de intensidade. Além disso, tais partitivos em relação à predicação apresentam caráter mais qualitativo que quantitativo, e não determinam nenhum formato a esta.

2.3.2 Da necessidade de um suporte

Os nomes compactos necessitam de um suporte para significarem estados. Por isso, tratamos os processos pela constituição de predicado em ser + adjetivo.

Ao invés de pensarmos esse protótipo sobre categorias de sujeito - verbo de ligação - predicativo do sujeito, como os pressupostos teóricos tradicionais, tratamo-lo a partir de uma concepção enunciativa que traz o lugar de um suporte espaço-temporal dado e uma propriedade a ser predicada sobre este.

No exemplo dado por De Vogüé (1989) em “Pierre foi sábio” (“Pierre a été sage”), não temos o sujeito “Pierre” – verbo “ser” que liga o sujeito ao predicado – “sábio” complemento do sujeito como uma ocorrência de sabedoria. Temos a propriedade “sábio” que predica e se encarna no suporte espaço-temporal “Pierre” que, por sua vez, localiza a predicação.

Então, uma vez que os nomes compactos se encarnam pela mediação de um suporte, podemos dizer que tais processos são indivisíveis.

3. OS PLANOS DE ENUNCIAÇÃO

A enunciação encontra na atividade de linguagem realizada pelo sujeito uma relação com os enunciados. Estes, ao serem produzidos, apresentam marcas léxico- gramaticais que justamente vão de encontro com a enunciação. Essa relação entre enunciação e enunciados caracteriza os planos de enunciação.

Assim, os planos de enunciação dispõem de uma organização léxico-gramatical dos enunciados de modo que haja certa estabilização no discurso. Este, por sua vez, estende seus domínios para uma determinada intenção significativa.

Nossa preocupação gira em torno do modo como os sujeitos realizam os arranjos léxico-gramaticais nos enunciados, a partir do jogo intersubjetivo, e o processo de estabilização destes. Isso vai além de apenas observar tipologias de estruturas e examiná-las

de acordo com uma pré-determinação de estas pertencerem a um determinado plano enunciativo.

O enfoque dado sobre os planos de enunciação em Benveniste (1995) traz uma perspectiva enunciativa ao reconhecer os enunciados como processos dinâmicos, porém ele se limita a rotulá-los como categorias verbais estáticas. Culioli (1999) amplia o enfoque de Benveniste (1995) para uma proposta de os planos de enunciação atender a determinados funcionamentos linguísticos. De Vogüé (1989) retoma estes funcionamentos e abre a discussão dos planos enunciativos.

Observaremos, a seguir, as reflexões de Benveniste (1995) e de De Vogüé (1989) acerca dos planos enunciativos, e para esta última, a relação que tais planos estabelecem com o funcionamento linguístico.