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CAPÍTULO I: AS ARTICULAÇÕES NA PESQUISA

1.3. Fundamentação da Escolha Teórico-Metodológica

Aliando-se às preocupações teóricas e práticas, a discussão da problemática foi feita tomando-se como base o contexto em que a comunidade se insere, no sentido de analisá-lo, descrevendo o ambiente a partir da metodologia de inserção ecológica da equipe de pesquisa na comunidade e conseqüentemente, a opção pela metodologia qualitativa, pautada em técnicas e instrumentos de coleta de informações centrados em questionário, entrevista, observação, com amplo apoio das orientações antropológicas, inclusive o uso de mapas e fotografias.

1.3.1. A Opção pela Pesquisa Qualitativa

A presente pesquisa contempla propriedades contemporâneas para a realização da investigação científica, representada aqui pelo modelo ecológico de Bronfenbrenner que privilegia o estudo em ambiente natural e os participantes envolvidos em um maior número de ambientes possíveis, além de considerarem os elementos ambientais essenciais para o estudo contextualizado. Nessa perspectiva, procurou-se coletar dados de todos os sistemas dos quais as crianças freqüentadoras da escola participam. Desse modo, foram utilizados instrumentos que possibilitassem a descrição e compreensão dos sistemas de forma contextualizada.

Esses instrumentos teóricos entendem que o ambiente natural é o lócus do desenvolvimento da pesquisa, com destaque para métodos e análises que viabilizem a descrição e compreensão dos sistemas de maneira mais contextualizada possível (Bronfenbrenner, 1979/1996).

Nesse sentido, para a compreensão do contexto que esta pesquisa se propôs investigar, o delineamento da estratégia de pesquisa aqui configurada, procurou coadunar investigação quantitativa e qualitativa, mas em função das configurações contextuais em que a pesquisa foi realizada, foi dado um privilégio para essa última.

O estudo qualitativo visa uma análise mais aprofundada da realidade, pois apresenta uma descrição minuciosa desta, tornando relevante qualquer acontecimento que ocorra no campo de investigação. As pequenas ações tornam-se pistas que irão ajudar o investigador a estabelecer uma compreensão mais elucidativa sobre seu objeto de estudo. O que mais interessa para o pesquisador, nesta abordagem, é o processo que permeia um determinado fenômeno e não apenas, simplesmente, os resultados ou produtos deste. Segundo Bogdan e Biklen (1994), a pesquisa

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qualitativa envolve a coleta de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes; além disso, o estudo de caso é uma das formas que pode assumir uma pesquisa qualitativa.

Dentro de uma definição reconfigurada de pesquisa qualitativa Lincoln e Denzin (2006) dizem que esta

(...) é campo interdisciplinar, transdisciplinar e, às vezes, contradisciplinar, que atravessa as humanidades, as ciências sociais e as ciências físicas. A pesquisa qualitativa é muitas coisas ao mesmo tempo. Tem um foco multiparadigmático. Seus paraticantes são suscetíveis ao valor da abordagem de múltiplos métodos, tendo um compromisso com a perspectiva naturalística e a compreensão interpretativa da experiência humana. Ao mesmo tempo trata-se de campo inerentemente político e influenciado por múltiplas lealdades éticase políticas. (Lincoln e Denzin, 2006, p. 390).

A pesquisa qualitativa, social, etnográfica, antropológica implica “observar a conduta do eu e dos outros, entender os mecanismos dos processos sociais e compreender e explicar por que os atores e os processos são como são”, na qual o pesquisador reconhece a influência de sua presença no contexto de estudo. (Vidich & Lyman, 2006: 49).

A pesquisa qualitativa se dá principalmente na figura de estudo de caso. De acordo com Trivinõs (1987), o estudo de caso constitui a expressão importante de uma investigação qualitativa na pesquisa educacional, é uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa de modo aprofundado. No âmbito desta pesquisa, o caso reside na escola da comunidade ribeirinha do Araraiana; tomado em toda a singularidade que marca a sua peculiar identidade própria.

Em função dos aspectos contextuais em que se desenvolveu a pesquisa foram necessárias avaliações constantes das etapas metodológicas, o que possibilitou estar pensando em alguns aspectos primordiais para a concretização das ações de investigação como: melhores formas de contato com a população investigada, permanente reelaboração dos instrumentos e formas de coleta de dados mais próximas ao contexto em questão. Todas essas questões ocorreram concomitantemente com o desenrolar da pesquisa científica e serviram de base para outras investigações em contextos similares.

1.3.2. A Inserção Ecológica.

Muitos estudos têm sido realizados tomando como base teórico-metodológica o modelo bioecológico de desenvolvimento de Bronfenbrenner. Este modelo, através

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de sua proposta de interação dos seus principais componentes – processo, pessoa, contexto e tempo – constitui um referencial adequado para a realização de pesquisas sobre o desenvolvimento-no-contexto, pois permite incluir vários níveis de análise, possibilitando examinar a influência do ambiente para o desenvolvimento das pessoas.

Entretanto, segundo Bronfenbrenner (1979/1996), algumas abordagens que incluem investigações do ambiente estão longe de atingir os requisitos de um modelo ecológico de pesquisa por delimitarem o conceito de ambiente a um único ambiente imediato onde a pessoa está presente: o microssistema. Estas abordagens não consideram que os eventos fora do ambiente imediato influenciam o comportamento e desenvolvimento da pessoa dentro daquele ambiente, ou seja, não atentam para os acontecimentos que ocorrem nos diferentes e igualmente relevantes níveis de análise de contexto (micro, meso, exo e macro). Esses níveis de análise deveriam ser descritos objetivamente, além de serem consideradas as percepções dos próprios sujeitos envolvidos sobre seu ambiente.

Desse modo, o estudo teria “validade ecológica”, construto proposto por Bronfenbrenner (1979/1996), que implica na importância de considerar a maneira pela qual a situação de investigação foi percebida e interpretada pelo grupo de pesquisadores e da percepção e a interpretação que os participantes do estudo têm sobre seu próprio ambiente, a exemplo dos estudos de Cecconello & Koller, 2003; Copetti, & Krebs, 2004; De Antoni & Koller, 2004).

Na intenção de operacionalizar o modelo bioecológico, Cecconnello e Koller (2003) propõem uma metodologia para a pesquisa do desenvolvimentono- contexto: a Inserção Ecológica. Este método privilegia a inserção do pesquisador no ambiente de pesquisa com o objetivo de avaliar os processos de interação das pessoas com o contexto no qual estão se desenvolvendo. A proposta envolve a sistematização dos quatro aspectos do modelo PPCT pela equipe de pesquisa. Apresenta-se como uma alternativa àqueles estudos psicológicos que davam ênfase somente às características dos indivíduos, desconsiderando o contexto, e, portanto, não apreendendo o processo de desenvolvimento, pois, é no ambiente em que os indivíduos se encontram é que as interações e os processos proximais se realizam (entre pessoas, objetos e símbolos) (Bronfenbrenner e Morris, 1998).

Cecconello e Koller (2003) entendem que a base de toda a investigação que adota a Inserção Ecológica é possibilitada a partir de uma interação recíproca, complexa e com base regular de pesquisadores, participantes, objetos e símbolos

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presentes no contexto imediato. As pesquisas desenvolvidas no Brasil que têm por base este conceito foram desenvolvidas em contextos em que foi possível a presença contínua do investigador, pois realizaram-se, em sua maioria, em áreas urbanas de acesso facilitado (Cecconello, 2003; De Antoni, 2005; De Antoni & Koller,2000, 2001; Morais, 2005; Neiva-Silva, 2003).

Diferentemente das acima citadas, a pesquisa aqui apresentada foi desenvolvida em um contexto não urbano, de acesso dificultado pela sua localização e falta de transporte sistemático para o local, tornando-se assim uma pesquisa singular no que se refere à utilização do modelo bioecológico em um contexto naturalístico, situado na lha do Marajó (PA). Tal investimento foi facilitado pela aplicação de um inventário sociodemográfico elaborado pela equipe desta pesquisa, orientado pela metodologia da Inserção ecológica.( ver Mendes & Cols, 2008, em anexo).

A proposta apresentada por Cecconello e Koller (2003) apresenta uma ampliação do conceito de processos proximais, pois consideram que não somente as pessoas se desenvolvem naquele contexto específico, mas o pesquisador, que ao se inserir diretamente nesse contexto passa a ter o seu próprio desenvolvimento. Em alguns casos é impossível estabelecer os resultados dessa interação no contexto em estudo, mas a importância da presença da equipe de pesquisa em um contexto, de forma séria e comprometida, gera a troca de informações e energia, estabelecendo, portanto, processos proximais. As interações que se estabelecem neste processo influenciam o desenvolvimento de todos.

Entretanto, é importante salientar que existem outros métodos que também trabalham com a inserção de pesquisadores no campo de investigação. Estes se preocupam com a relação dos pesquisadores com o campo. Entre eles, destacam-se a observação participante, a pesquisa participante e a etnografia. As principais diferenças entre essas abordagens e a Inserção Ecológica é o foco no desenvolvimento humano a partir dos quatro elementos da Teoria Bioecológica.

Segundo Cecconello e Koller (2003) também se assemelha a esses outros métodos em alguns aspectos, como o necessário envolvimento com o campo e a consideração da subjetividade no contexto investigado, entretanto, diferem no tocante à base teórica, a qual indica as principais diferenças entre os métodos. A Inserção Ecológica apóia-se na Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano (TBDH), postulada por Bronfenbrenner (1979/1996), cuja repercussão se dá nos objetivos dos pesquisadores:

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Enquanto a pesquisa participante tem como objetivo devolver ao grupo aspectos identificados em seu funcionamento e estrutura, os pesquisadores ecológicos estão preocupados em compreender o processo de desenvolvimento das pessoas. Ou seja, pretendem investigar as relações (processos) que elas estabelecem durante seu crescimento pessoal ou social, no curso de sua história (tempo) em um determinado contexto. Os pesquisadores, e aí se encontra uma importante diferença, além de não serem neutros, têm seu próprio processo pessoal de desenvolvimento influenciado pelas interações que estabelecem com os participantes da pesquisa. Os pesquisadores ecológicos são pessoas em desenvolvimento (processo), fazendo parte do cenário da pesquisa (contexto), em um momento de sua história pessoal (tempo). A TBDH permite compreender os processos que se estabelecem no desenvolvimento humano enquanto a pesquisa se realiza. Uma compreensão que envolve desde o relacionamento entre duas pessoas até alterações no contexto cultural mais amplo no qual essas se encontram. É uma visão dinâmica e complexa que enfatiza e permite o acesso à instabilidade e à mudança sempre presente no desenvolvimento humano. (Cecconello e Koller (2003).

Nessa perspectiva, a caracterização do ambiente onde vivem as famílias e as investigações referentes a cada projeto desenvolvido na comunidade, só foram possíveis de serem realizadas, em decorrência da inserção ecológica, baseada, principalmente, na interação da equipe de pesquisa com as famílias. Neste sentido, a inserção ecológica realizada na comunidade avalizou a validade ecológica desta pesquisa.

No caso específico deste trabalho, a inserção ecológica ocorreu ao longo de todo o processo de pesquisa, desde o primeiro contato com as famílias, com a professora, com os alunos até as entrevistas realizadas com elas na comunidade, ao longo de três anos, conforme será explicitado no capítulo III.