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FUNDAMENTAÇÕES TEÓRICAS

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AGRICULTURA SUSTENTÁVEL

FUNDAMENTAÇÕES TEÓRICAS

Os debates sobre o termo desenvolvimento, vinculados tão so- mente à ideia de crescimento econômico, ou de progresso, foram acirrados após a Segunda Guerra Mundial e findaram em discussões em eventos e congressos até por volta dos anos 1980. No cerne des- ses debates, revelava-se a lógica predatória do sistema capitalista, na qual a natureza era vista como fonte infinita de recursos dos proces- sos produtivos, como no caso de sistemas agrícolas.

Durante esse período, os sistemas agrícolas de economia globa- lizada apresentaram um ciclo expansivo de grande alcance, no qual os conhecimentos científicos e tecnológicos avançavam de maneira expressiva e, mais do que nunca, passaram a ser empregados nos processos produtivos (SANTOS, 1997). Essa expansão adentrou pelas mais diversas esferas geográficas, adaptando-se conforme as caracte- rísticas ambientais e culturais legitimando a forma de agricultura cien- tificada, necessitando da demanda de bens científicos e de assistência técnica, onde os produtos seguem padrões de consumo e mercadoló- gicos, rigor sistêmico técnico e científico, sendo essas condições que delimitam a forma de produção de como: plantar, colher, armazenar, empacotar, transportar e comercializar.

Ainda sobre esse período, o desenvolvimento era entendido me- ramente como crescimento econômico: as ideias básicas do capitalis- mo norteavam essa ótica e também delegavam à natureza funções de servir à produção agrícola e de absorver resíduos desta, os quais eram dispostos no solo, na água, no ar e na cobertura vegetal. Perce- be-se, assim, que as questões ambientais, sobre os recursos naturais, não eram levadas em conta em detrimento do desenvolvimento. To- mando por base as palavras de Thomas et al. (2002), o crescimento econômico era centrado na ideia de crescimento atrelado pelo Pro- duto Interno Bruto (PIB) per capita, que era utilizado como uma das referências principais da noção de desenvolvimento.

No entanto, a aceitabilidade do PIB como uma medição do de- senvolvimento tem sido repudiada, em face de suas limitações como representação da equidade social. Essa visão de desenvolvimento atrelado ao PIB é tratada por Veiga (2008, p.23) como sendo a base do capital de consumo global. Para ele, a questão talvez surja do equilí- brio que, concomitantemente, se estabelece entre os níveis de produ- ção – inferência de consumo – e de desenvolvimento, e que foi toman-

do grande dimensão nos países ditos em desenvolvimento. Sendo o principal entrave sobre a inviabilidade econômica da grande maioria dos países em desenvolvimento é a miséria científico-tecnológica, que tem repercutido, nas dimensões ambiental, econômica, social e insti- tucional.

Nesse contexto, o desentendimento, ou simplesmente o não consenso, sobre o conceito de desenvolvimento e sobre como este pode ser mensurado constitui-se também um dos fatores de compro- metimento da sustentabilidade da vida planetária. Para Veiga (2008), a natureza multidimensional do desenvolvimento sempre impõe li- mitações à definição e medição de indicadores de sustentabilidade.

Sobre a multidimensionalidade da natureza, Sen (2010) expõe que, para se presenciar a equidade social, o desenvolvimento deve ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pes- soas possam desfrutar. Essa compreensão contrasta com visões que restringem desenvolvimento a mero crescimento do PIB, aumento da renda per capita, industrialização de determinada área territorial, uso tecnológico e ao nível de consumo da população, esquecendo-se de outras dimensões sociais, como saúde, educação, liberdade etc.

O autor ressalta, ainda, que quase tudo “o que as pessoas con- seguem realizar é influenciado por oportunidades econômicas, liber- dades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras, como saúde adequada, educação básica, incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas” na construção de uma vida que seja capaz de sustentar-se (SEN, 2010, p.18).

Seguindo-se esse caminho, a liberdade se apresenta como meios de expandir o novo olhar e que contemplem necessidades pessoais, pois o desenvolvimento tem de estar relacionada a boas práticas como liberdades políticas, facilidade econômica, oportunidades sociais, ga- rantia de transparência e segurança protetora. A liberdade política é o processo democrático de participar e escolher representantes, fiscali- zar e criticar; a facilidade econômica é a possibilidade de usar crédito agrícola, troca e distribuição de renda; a oportunidade social é permea- da pela educação e a saúde, que evitam o analfabetismo e a morbidez; a garantia de transparência é evidenciada pela sinceridade, pela clareza nos trâmites, o que inibe a corrupção, a irresponsabilidade financeira e transações ilícitas; e, por fim, a segurança protetora é materializada pe- las disposições institucionais fixas, como benefícios para os desempre- gados – seguro desemprego –, suplementos de renda, entre outras.

Não se desconsidera que o PIB seja a medida mais usada da ati- vidade econômica, fundamentado em normas internacionais para o seu cálculo e em suas bases estatística e conceitual. Entretanto, no contexto da economia, ele mede principalmente a “produção de mer- cado – expressa em unidades de dinheiro – e, como tal, é útil, porém tem sido muitas vezes tratado como se fosse uma medida de bem-es- tar econômico” (STIGLITZ; SEN; FITUOSSI, 2009, p. 12). Ademais, con- fundir bem-estar econômico com indicadores econômicos – função relação positiva – poderá gerar níveis duvidosos de sustentabilidade, de cidadania e decisões inadequadas à gestão pública e à privada por desconsiderar o cunho sustentável12 (ROCHA; BACHA, 2000). Não se-

ria suficiente estabelecer programas de acesso a crédito rural a agri- cultura familiar, se as formas de acesso a esses programas fossem limitadas e excludentes, por razões sociais, étnicas, religiosas, políti- cas, dentre outras. A liberdade dos indivíduos deve ser mensurada di- mensionalmente mediante a capacidade de ser: resiliente, produtiva, equidade e empoderamento.

Em relação a mensuração e sistematização à luz da sustentabi- lidade, Veiga (2008) considera que, ao avaliarem-se os níveis de sus- tentabilidade, deve-se considerar que o desenvolvimento pode ser medido e comparado num estudo de caso, mediante cada um dos indicadores conforme contexto dimensional. Ou seja, em vez de um duvidoso índice sintético, que pretenda expressar em um único nú- mero a complexidade do desenvolvimento, é preferível ter um con- junto integrado de indicadores de cunho multidimensional.

Além disso, o conjunto de indicadores deve tomar dimensões re- presentativas, de cunho sistêmico, de modo a reduzir os agravos que possam vir a comprometer o desenvolvimento desejável local, como aquele atrelado ao conhecimento da relação homem-natureza no âmago econômico, social, ambiental e institucional (PRIMAVESI, 2013). Entende-se como conhecimento sistêmico a atividade pela qual o ho- mem toma consciência da realidade do meio envolvente e procura compreendê-lo e gestá-lo para desenvolver práticas sustentáveis.

Esse conhecimento pode ser empírico, na medida em que con- sidera o saber adquirido pela experiência local, e científico, quando acumulado por meio de pesquisa bibliográfica científica e entendi- 12 Entendido, neste artigo, como que articula o crescimento econômico com o so- cioambiental e a gestão do uso dos recursos naturais, nas propriedades, objetivando

mento da tecnologia utilizada. Ambos serão discutidos no tópico se- guinte, desenvolvimento sustentável e sustentabilidade.