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Fundamentos da Política Educacional para o Exército ano 2000 e o Projeto GTEME

Com as transformações mundiais ocorridas no final da década de 1980 e início de 1990, o Exército considerou ser necessário uma adequação de sua formação educacional militar. Essa necessidade foi destacada em um documento elaborado pelo Estado-Maior e pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército intitulado “A Po- lítica Educacional para o Exército Brasileiro: Ano 2000 – Fundamentos”. Os funda- mentos deveriam suprir “a necessidade de redimensionamento do perfil do militar pro- fissional, tendo em vista os desafios esperados para os primeiros anos do século XXI (BRASIL – GTEME, 1996, p. 1)”.

Podemos observar uma concepção de tempo interessante contida naquele documento: os desafios a serem enfrentados teriam uma data para ocorrer, que seria na virada do milênio, como se a passagem do ano de 2000 para o ano de 2001 representas- se um divisor de águas relacionado a eventos transformadores. Em todo caso, o ano de 2001 representou, realmente, um marco histórico pelos atentados terroristas ocorridos no coração do império hegemônico internacional, mas não se previa tal ocorrência em 1995, mesmo considerando que as ações terroristas de 11 de setembro refletiram uma realidade latente antes disso. Assim sendo, constatamos uma percepção de tempo histó- rico num sentido mais tradicional, relacionado a uma memória linear e evolucionista consoante com a ordenação positiva e progressiva do universo castrense.

O fim da Guerra Fria pela vitória dos Estados Unidos com o colapso da ex-União Soviética apresentava uma tendência na política de defesa para o Brasil e o restante da América Latina em preterir o aparelhamento de suas Forças militares, legan-

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Em LUDWIG, observamos as políticas pedagógicas efetivadas nas três Escolas de formação de oficiais brasileiros, nos anos 1990, para a adequação ao período democrático vigente, demonstrando, mesmo assim, a permanência de traços vinculados à tradição formativa dos militares, principalmente por parte do Exército, no contexto de intervenção na ordem interna do país e arraigados ao utilitarismo no ensino mi- litar em geral, nos aspectos coercitivos e controladores da pedagogia castrense, na lógica do preparo do guerreiro para o nebuloso teatro de operações de guerra (1992, passim).

do-lhes o papel de forças de polícia e entregando a esfera de defesa da América Central e Sul para o comando das forças militares norte-americanas. Isso certamente desagrada- va às Forças Armadas brasileiras em geral e particularmente ao Exército. Entretanto, o meio civil no Brasil chegou a apoiar esta conversão de suas Forças militares, baseado em uma postura pacifista que oportunizava aos Estados Unidos impor um papel de polí- cia contra o narcotráfico, por exemplo, às Forças Armadas latino-americanas em geral, segundo observamos em OLIVEIRA & SOARES:

Se não havia uma divisão no mundo, o Brasil poderia prescindir da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, destinando-se para políticas de forte conotação social os recursos antes empregados na defesa. Essa posição de pacifistas as- sociava-se, voluntariamente ou não à perspectiva norte-americana segundo a qual o Brasil (a exemplo de muitos outros países) deveria deixar sua defesa aos cuidados do Ocidente, isto é, das estruturas militares vitoriosas na Guerra Fria. (...) É como se os Estados Unidos se imaginassem cercados por um cintu- rão policial-militar formado pelas Forças Armadas dos demais países do conti- nente (com a exceção do Canadá, seguramente), cujo combate ao narcotráfico teria o sentido de levantar obstáculos ao ingresso das drogas no amplíssimo mercado norte-americano, no qual a política repressiva do governo é reconhe- cidamente frágil e pouco operante (2000, p. 107 – parênteses dos autores).

Para enfrentar os desafios da nova ordem mundial sem possibilitar pres- cindir do papel institucional essencial na esfera da política de defesa do país, o Coman- do do Estado-Maior Exército brasileiro percebeu, então, a necessidade de preparar seus recursos humanos lutando internamente para manter sua autonomia institucional, que foi possível pelo fato de os setores políticos civis e de a sociedade brasileira apresenta- rem uma apatia aos temas relacionados à defesa, e preocupou-se em compor uma Força terrestre melhor preparada para as novas tendências políticas no nível nacional e inter- nacional que se delinearam mais claramente em meados dos anos 1990. O Exército per- cebeu a necessidade de aperfeiçoar o setor educacional para que seu efetivo correspon- desse à atividade militar, inserido nessa nova ordem mundial.

Dessa maneira, o documento “Política Educacional para o Exército Bra- sileiro: ano 2000 – Fundamentos”, elencava as circunstâncias pelas quais a Força pode- ria atuar e a existência de problemas relacionados a seu enquadramento no panorama mundial e no sistema de defesa nacional no final do milênio e início do próximo. Um aspecto relevante que devemos realçar é o profissionalismo com que o Estado-Maior do então Ministério do Exército tratou as mudanças educacionais necessárias para preparar

melhor seu efetivo tanto no nível do oficialato quanto no dos graduados e praças, que correspondesse ao novo panorama de emprego da Força terrestre. Realizou contatos junto a universidades – a UNICAMP, por exemplo - para traçar diagnósticos da situação em que se encontravam as escolas militares de formação da Força, suas carências e de que maneira estas poderiam ser supridas, num prazo plausível para tal (o projeto previa sua implementação de 1996 até 2003).

O documento “Fundamentos” apresenta a questão da velocidade e da quantidade de informações e dos avanços nos diversos campos do conhecimento que atingem a todas as profissões e que forçam a mudança de comportamentos para que o homem contemporâneo possa acompanhar este acelerado desenvolvimento:

Desse modo, é necessário compreender que a rapidez com que as informações são processadas, difundidas e recuperadas cria novas necessidades individuais e organizacionais, exige novos comportamentos e estabelece uma nova realida- de em que o tempo e o espaço são “encurtados”. Essa realidade permite que o conhecimento de acontecimentos de variadas naturezas sejam difundidos para os mais diferentes públicos e partes do mundo, praticamente no mesmo mo- mento em que estão ocorrendo (BRASIL - Ministério do Exército, op. cit., p.

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Com esse “encurtamento” dos acontecimentos modificando as sociedades ficaria difícil prever e planejar ações no enfrentamento dos possíveis problemas com que o homem se depara:

Nesse novo mundo, não é possível predizer com relativo grau de certeza o que acontecerá amanhã ou depois. A volatilidade, a incerteza, a complexidade e a ambigüidade estão definindo o ambiente em que as ações se desenvolverão no futuro. (...)

Agora, a mudança é quase imprevisível, ela excede à experiência que nós tra- zemos do passado. O indivíduo tem de possuir habilidades, conhecimentos e atributos especiais para atuar produtivamente nessa realidade. Por outro lado, as organizações para continuarem a ser o fundamento básico da estabilidade, nessa era de rápidas mudanças, terão de ser mais abertas e flexíveis para se- rem efetivas e, então, sobreviverem (ibid., p. 49).

O documento deixa claro que as organizações (no caso, as militares), para se manterem em atividade deveriam flexibilizar-se e as transformações ocorreriam, primeiramente, no campo educacional proporcionado condições para efetivar as mudan- ças necessárias na conformação aos novos tempos, “alterações profundas na estrutura do

conhecimento disponível”, “novos estratégias de aprendizagem”, uma “integração de diversas áreas”, “incorporar novos conhecimentos” e possibilitar a adaptação “às novas formas integradas de organização do saber”. Além disso, observa-se uma maior impor- tância na formação humanística e na contextualização do conhecimento (ibid., p. 51 e 52).

Seu conteúdo buscava dar as diretrizes educacionais que possibilitassem uma compreensão holística do conhecimento e, para isso, eram exigidas mudanças no aspecto da infra-estrutura, o incremento tecnológico nas escolas militares do Exército dos diversos níveis e modificações nas estratégias pedagógicas, possibilitando maior tempo aos discentes para realizar pesquisas e “aprender a aprender”, gerando autonomia no conhecimento como forma de acompanhar os acontecimentos num tempo real de informações (ibid., p. 65).

Apresentou o panorama existente nas escolas militares de formação do Exército até aquele momento, que seguia os critérios de isolamento do discente em quartéis e o transformava, enquanto estivesse no curso, numa pessoa alienada dos acontecimentos, num panorama onde o “fenômeno da globalização” exigia sintonia e acesso a todas as informações e não mais a configuração desse isolamento (ibid., p 55). Esta realidade afetaria principalmente o campo militar de atuação da liderança da Força, pois

... o militar da atualidade, obrigatoriamente, deve estar apto a participar de operações altamente descentralizadas, pois largas frentes de combate, os meios disponíveis, a capacidade de reação do inimigo e o largo emprego de meios eletromagnéticos condicionam esse procedimento.

Outra habilidade precípua imposta ao militar moderno é a capacidade de deci- dir de forma rápida e em todos os escalões. É fácil constatar que essa aptidão é um corolário natural das operações descentralizadas (ibid., p. 57-58).

Assim sendo, o documento declara mudanças educacionais que foram denominadas de “atual pedagogia militar”. Na formação de oficiais, o ensino “deve pos- sibilitar, ao educando, um conjunto de conhecimentos capazes de acompanhar a evolu- ção da sociedade, das ciências, do ofício do militar ao longo de sua carreira (ibid., p. 61 e p. 62)”.

Apesar de o documento apontar a premência de mudanças organizacio- nais para se adaptarem às novas exigências, na “afirmação da identidade militar” acen-

tua que os valores e as atitudes intrínsecos à carreira militar devem ser preservados, tais como o patriotismo, a disciplina, a lealdade e a responsabilidade. Para o alcance desse objetivo, denota-se grande ênfase no ensino de História Militar geral e a ampliação do ensino de História Militar do Brasil por sua importância na divulgação e preservação desses valores:

O engrandecimento, o aperfeiçoamento, o desenvolvimento do Exército tem de ser sempre um processo de evolução em que o núcleo das motivações mais es- senciais da instituição conforme e dê sentido a qualquer tipo de transformação, em qualquer nível.

Portanto, o estudo da História Militar do Brasil tem de permanecer e ser am- pliado, permitindo que se analisem os comportamentos, os pensamentos e as vidas dos nossos modelos militares.

Naturalmente que os objetivos da matéria História Militar não devem limitar a essa finalidade, mas essa matéria deverá, também, ser estudada com esse senti- do (ibid., p. 75-76 – realces nossos).

O papel pragmático do ensino de História Militar, principalmente na abordagem da história do Brasil, é evidenciado na busca em se forjar comportamentos e constituir modelos a partir dos exemplos de personagens militares e do registro de suas realizações passadas. Outro aspecto também evidenciado é o trato da história enquanto conhecimento moralizante, no sentido de que este ensino reforçará as atitudes como patriotismo, disciplina e lealdade que se esperam da liderança da Força. Dessa maneira, a divulgação da história mantém-se de maneira positiva a utilitária, sem dúvida evitando os elementos extraídos dessa área de conhecimento que pudessem denegrir a imagem da instituição militar e que não deve ser transmitida na formação dos jovens líderes da For- ça terrestre.

Com base no documento analisado, o Departamento de Ensino do Exér- cito designou um grupo de trabalho – Grupo de Trabalho para o Estudo da Moderniza- ção do Ensino: GTEME - para determinar os fundamentos necessários à modernização do ensino e esse grupo organizou o documento “Fundamentos Para a Modernização do Ensino, 1996”. Eles proporcionaram uma reestruturação curricular e de estratégias de ensino que ocorreu a partir do ano de 1997 na AMAN. Os objetivos definidos constam do parágrafo 3:

“a. Consubstanciar o diagnóstico do Sistema de Ensino Militar da Linha Béli- ca. b. Propor ações a realizar para aperfeiçoar e modernizar o Sistema. c. Es-

tabelecer diretrizes para o prosseguimento dos trabalhos de modernização do ensino. d. Servir de base para a redação do Plano Básico do Ensino Militar da Linha Bélica (BRASIL – GTEME, op. cit., p. 1 – realces do documento).

O documento elaborado pelo GTEME realizou um diagnóstico pedagógi- co que traçou algumas problemáticas na apreensão do conhecimento, dando grande ên- fase ao ensino de História não apenas na formação dos oficiais, ministrado na AMAN, mas também em outros níveis, como nas escolas militares de ensino médio do Exército e na constatação da necessidade de se transmitir o conhecimento dessa disciplina na formação dos profissionais graduados. Por isso era necessário que mudanças ocorres- sem para atingir os propósitos definidos por aquele grupo de trabalho, cujos conteúdos pudessem ser transmitidos de forma a possibilitar ao discente a construção de um co- nhecimento mais autônomo e apenas sob a coordenação dos instrutores. Quanto ao en- sino de História Militar, os assuntos a serem tratados deveriam ser contextualizados para que se tivesse uma visão mais totalizante e menos fragmentada do conhecimento (ibid., p. 10 e p. 14).

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