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3. PRINCÍPIOS TEÓRICOS

3.1 FUNDAMENTOS DE SEMIÓTICA

Não pretendemos nos aprofundar neste capítulo nos estudos realizados sobre a teoria semiótica de linha francesa em sua totalidade, mas abordar os conceitos que servirão de sustentação para a análise do corpus desta tese. A escolha desta teoria, dentre outras, se deu porque se encontrou nela o caminho mais adequado para a análise proposta, uma vez ser possível analisar o texto nos seus aspectos internos e externos e também por reconhecer outras formas de sentido realizadas por meio de variadas formas de expressão.

O estudo da semiótica de linha francesa tem como objeto de estudo o texto, no qual procura-se explicar o que “o texto diz e como ele faz para dizer o que diz”, definindo-o como objeto de significação, por sua estruturação, fazendo dele um “todo de sentido”, e como objeto da comunicação que se estabelece entre um destinador e um destinatário (BARROS, 2011, p. 7).

Na perspectiva da Semiótica, esse objeto de estudo, o texto, pode-se apresentar em diversas manifestações: verbal, pictórica, gestual, etc. Portanto, o texto, objeto da semiótica, pode ser tanto um texto linguístico oral ou escrito, quanto um texto visual, olfativo ou gestual, ou ainda um texto em que sincretizam diferentes expressões, como nos quadrinhos, nos filmes ou nas canções populares.

Durante muitos anos a Linguística ocupou-se em estudar e pesquisar a língua e a linguagem, tendo como objeto deste estudo a frase, concebendo-a como unidade linguística. Assim houve a necessidade de estudos que fossem além da frase, por isso instituiu-se o texto como objeto de estudo de partida, o qual seria formado por um conjunto de frases organizadas num todo de sentido, considerando-se também, para a constituição desse todo, o contexto social e histórico de produção desse texto. Portanto, só se poderá analisar a frase, levando-se em consideração o texto em que ela está inserida.

Segundo a Semiótica, um texto é necessariamente constituído por dois planos: um plano de conteúdo e um plano de expressão4. Simplificadamente, o conteúdo é aquilo que o texto diz, sendo a expressão a “linguagem” usada para dizer o que ele diz. Analisar um texto em seu plano de conteúdo, na perspectiva semiótica, significa analisá-lo em três níveis: o fundamental, o

4 Nesse sentido, entende-se o texto como um signo, conforme concepção de Ferdinand de Saussure, que

narrativo, o discursivo. Esses três níveis constituem o que se chama, na Semiótica, de percurso gerativo de sentido. Cada um desses níveis é estruturado por uma semântica e por uma sintaxe. No nível fundamental analisa-se o texto em função de uma categoria semântica básica demarcada por dois termos de significação oposta. Assim, um certo texto poderá se resumir, em seu nível fundamental, à categoria semântica delimitada pela oposição entre vida e morte, ou, em termos gerais, entre um termo A e um termo B, tendo um desses termos valor eufórico (positivo) e o outro valor disfórico (negativo). Do ponto de vista da sintaxe do nível fundamental, estabelece-se um percurso lógico no texto, assim estruturado: a afirmação de A > negação de A > afirmação de B.

No nível narrativo analisa-se o texto do ponto de vista da relação entre dois actantes: o sujeito e o objeto. Em outras palavras, há uma atualização do nível fundamental no nível narrativo, no qual os termos que se opõem naquele constituem objetos valores que são assumidos por sujeitos no nível narrativo. Essas relações são estabelecidas por dois tipos de enunciados: o enunciado de estado que determina a relação de junção ou disjunção do sujeito com o objeto valor em questão, isto é, o sujeito em posse do objeto de desejo está em conjunção com ele; ao contrário, o sujeito desejando o objeto e não estando em posse dele, está em disjunção com este; e o enunciado de fazer que se caracteriza pela transformação, ou seja, pela passagem de um enunciado de estado A para um enunciado de estado B. Concretamente, por exemplo, um sujeito em disjunção com o objeto valor liberdade pode passar para um sujeito em conjunção com esse valor. Ou vice-versa, o sujeito pode passar de um estado de conjunção para um estado de disjunção. Essa passagem ou transformação é que vai definir o conceito de

narratividade no discurso.

Toda narrativa padrão (na perspectiva dessa passagem de um estado para outro) implica uma estruturação numa sequência canônica das seguintes fases: a manipulação, a competência, a performance e a sanção.

A manipulação consiste na ação de um sujeito sobre outro, sendo o primeiro o sujeito manipulador e o outro o sujeito manipulado. A manipulação consiste em o primeiro levar o segundo a querer fazer ou a dever fazer algo. A manipulação pode ocorrer de diferentes formas, sendo as principais: a tentação (quando o manipulador age sobre o manipulado acenando-lhe com alguma vantagem); a intimidação (quando o manipulador age sobre o manipulado por meio de uma ameaça); a sedução (quando o manipulador age sobre o manipulado por meio de uma valorização positiva deste); e a provocação (quando o manipulador age sobre o manipulado por meio de uma desvalorização deste).

A competência é atinente ao sujeito que vai realizar a passagem de um estado para outro. Para tanto esse sujeito precisa saber fazer e poder fazer. Nesse sentido, o sujeito é competente quando têm domínio dessas habilidades.

A performance consiste na realização da transformação, ou seja, na passagem de um estado de privação para um estado de posse ou na passagem em sentido contrário.

A sanção consiste na constatação da performance, verificando-se como ela se realizou. Nesta fase, dependendo do tipo de texto, ocorre uma premiação ou um castigo.

Essas fases não vêm necessariamente explícitas nos textos. Muitas vezes, alguma delas vêm implícitas, mas sempre logicamente pressupostas. Como foi dito, essa é a sequência canônica e, portanto, essas fases podem aparecer em outra sequência. E em nem todos os textos todas essas fases se realizam, ainda que por pressuposição. Em muitos textos somente uma delas merece realmente relevância. Toda essa descrição que fizemos até aqui da estrutura narrativa corresponde à sintaxe narrativa. Ou seja, esta consiste em todos esses processos envolvidos na passagem de um estado para outro.

A semântica narrativa vai tratar dos valores inscritos nos objetos, com os quais o sujeito do fazer entra em conjunção ou disjunção com eles. Existem dois tipos de objetos: os objetos modais e os objetos de valor. Os primeiros são aqueles que habilitam o sujeito a realizar a performance, isto é, são os objetos que assumem o valor do querer, do poder, do saber e do dever fazer; os últimos são os objetos - tomados como objetos-valor - em razão dos quais o sujeito realiza a performance. Portanto, o sujeito não busca entrar em conjunção com o objeto em si, concreto, mas com o valor que nele está inscrito na narrativa.

No nível discursivo, o terceiro nível do percurso gerativo de sentido, os elementos constituintes da estrutura invariante e abstrata do nível narrativo se revestem de formas que lhes dão configuração concreta. Diz-se que uma estrutura narrativa é invariante, na medida em que ela, no nível discursivo, pode se realizar em diferentes variações concretas, dependendo dos diferentes tipos e gêneros de texto. Assim como os dois níveis anteriores, também este tem uma semântica e uma sintaxe: a primeira trata da concretização dos elementos abstratos da estrutura narrativa invariante em temas e figuras; a segunda envolve as diferentes dimensões da enunciação, da qual trataremos adiante.

Esses três níveis que resumidamente apresentamos constituem o plano de conteúdo de um texto, que é uma instância imanente do discurso. Mas, como dissemos, para que haja um texto, esse plano precisa necessariamente de um plano de expressão para ser manifesto. É nessa manifestação que surge o texto.

Até aqui nos ocupamos em entender o texto como objeto de significação. Resta, agora, como dissemos no início, entendê-lo como objeto de comunicação. Nesse sentido, sabemos que um texto (no sentido da expressão verbal) é construído por quem o escreve ou fala, quando por meio dele esse sujeito (que escreve ou fala) quer interagir com um outro sujeito. Em outras palavras, é por meio de textos – falados ou escritos - que as pessoas se comunicam, ou seja, é por meio de textos que se realiza a enunciação, que, em termos simplificados, é o uso da língua para viabilizar a interação entre os indivíduos em suas práticas sociais (BAKHTIN, 2010). E é da enunciação como instância produtora do enunciado, isto é, do texto que trataremos no tópico a seguir.

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