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Conforme discutido no capítulo 2, só se pode falar em desenvolvimento de uma região se houver a participação de todos os estratos da sociedade nos frutos auferidos pelo crescimento econômico, levando à melhoria da qualidade de vida do conjunto da população. Para conseguir esta eqüidade, o desenvolvimento regional integrado e sustentável vislumbra o equilíbrio entre os três setores da atividade econômica, ao mesmo tempo em que se preocupa em ser desconectado espacialmente e em incluir territórios e populações.

Em geral, nos países mais pobres há bastante concentração de renda e de políticas públicas, além de desequilíbrio inter-regional. Esta situação se dá também no Ceará. Por conta destas disparidades é desejável adotar no estado modelos que levem ao desenvolvimento regional integrado e sustentável. Dentre as estratégias que podem ser utilizadas para se chegar a este tipo de desenvolvimento, em geral e particularmente no Ceará, três podem ser combinadas. A primeira é basear o desenvolvimento nas potencialidades locais. A segunda é promover ações com inter-relações cooperativas integradas entre as diversas instituições que participam de uma cadeia, sejam elas

públicas ou privadas. A terceira é tornar estas ações difusas pelos territórios, sempre dando prioridade à organização e à gestão integradas de toda uma cadeia.

No caso do Ceará, ele é o responsável pela maior produção de castanha de caju do país. A cultura está tradicionalmente presente em diversas regiões do estado, fazendo com que haja nestes lugares um know-how local. Embora sejam detectados vícios e ineficiências nas práticas atuais dos atores que participam do agronegócio caju, ainda assim eles detêm conhecimentos que podem ser utilizados como vantagem competitiva. Políticas visando à integração das ações nestas diversas localidades alcançadas por investimentos na cajucultura auxiliariam no desenvolvimento do estado. Isto porque são construídas várias facilidades que têm aproveitamento mais amplo, ou seja, que podem ser utilizadas por outros ramos de atividades, tais como sistemas viários, de energia, de água e de comunicações. Assim, aquelas vias estratégicas podem convergir dando-se atenção especial à cajucultura. Por isso, explorar as potencialidades e conhecimentos das regiões produtoras e daquelas propícias a que se estruturem diferentes cadeias solidárias é um caminho facilitado para se alcançar resultados favoráveis na perseguição ao objetivo de promover o desenvolvimento no Ceará.

Relativamente à ACC, convivem no cenário estadual grandes empresas de processamento de castanha de caju, que detêm quase a totalidade do mercado externo, e um grande número de pequenos produtores, que apropriam muito pouco da renda gerada pela cadeia. Estes se encontram dispersos e adotam práticas comerciais ineficientes, que se deterioram cada vez mais. A crescente fragilidade deste grupo nas suas relações de comércio com outros atores, sejam atravessadores ou indústrias, não sugere melhoramento deste quadro. Um modelo que permitisse a estes produtores um melhor aproveitamento econômico de seu trabalho representaria um avanço na qualidade de vida destas populações. A situação enfrentada por estes atores é propícia à adoção dos princípios da Economia Solidária, posto que esta se organiza em torno, e a partir, das necessidades humanas, ao mesmo tempo em que privilegia relações cooperativas e justas entre aqueles que participam dos empreendimentos regidos por seus preceitos.

A organização destes agentes econômicos sob formas comunitárias de propriedade e gestão representaria passo inicial para o aperfeiçoamento da cadeia da

amêndoa da castanha de caju no estado. Não apenas aqueles que participam do setor primário da cadeia seriam alvo de ações visando à autogestão. Os elos suprimento, beneficiamento e comercialização do produto final podem ser operados por empreendimentos solidários, permitindo que todos os participantes tenham uma visão integral da cadeia, aumentando o comprometimento de todos e suscitando o senso de importância e responsabilidade de cada ator.

Entretanto, inicialmente os poderes públicos devem reconhecer na Economia Solidária e no Comércio Justo instrumentos capazes de contribuir para o processo de desenvolvimento e de construir a conceituação econômica para cadeias produtivas, entre elas a da ACC. O poder público deve criar as condições de formatação dos diversos empreendimentos. Contando com o apoio de organizações da sociedade civil, cabe ao Estado oferecer suporte através de capacitação técnica, facilitação de crédito, entre outros, de maneira a dotar as comunidades de condições para se autogerirem.

As cooperativas, elencadas entre as formações organizacionais solidárias, parecem adequadas à situação da cadeia da ACC no estado. A criação de entidades associativas de produção agrícola, de beneficiamento da castanha e de comercialização/exportação de amêndoas poderia gerar recursos que seriam internalizados por esta cadeia solidária. Neste ponto também a ação estatal é importante para garantir os princípios cooperativos e os direitos deles advindos. O crescimento das atividades, chegando a incluir o trato de outros subprodutos do caju, como o LCC e o próprio pedúnculo, poderia levar à formação de clusters, como forma de ampliar a oferta de postos de trabalho e de aproveitar comercialmente produtos que são atualmente desperdiçados.

Além da vantagem competitiva criada pelo controle de todos os elos da cadeia, no caso de se ter empreendimentos solidários em cada segmento, este tipo de organização atrai para si um nicho de mercado crescente para a exportação do seu produto, através do Comércio Justo. A identificação da ACC como manuseada integralmente por cooperados e aplicando ideais valorizados por este tipo de comércio pode conquistar novos mercados, principalmente na Europa. A exportação para estes países, relacionando-se com consumidores que apreciam os preceitos solidários na comercialização, poderia garantir melhores preços de venda, resultando em ganhos

maiores para cada elo da cadeia, comparativamente ao que é conseguido atualmente, pelo fato de que neste tipo de comércio busca-se garantir aos atores um preço justo pelo seu trabalho. Todos aqueles princípios gerais que regem as práticas de Comércio Justo são contemplados neste modelo de organização para a cadeia da ACC no estado (ver item 2.2.2).

Tendo a estrutura de organização formatada, a utilização de uma ferramenta de gestão como o SCM para gerenciar a cadeia da amêndoa da castanha de caju no Ceará apresenta a vantagem de vislumbrar aspectos mais complexos do que o simples fluxo de produtos. O escopo ampliado do SCM favorece a formatação de ações e políticas públicas, pois, além de considerar os agentes internos e seus papéis, contempla também a atuação dos agentes envolvidos com atividades facilitadoras, entre elas organizações de crédito, de capacitação e de financiamento. É adequado também para integrar os setores da atividade econômica, uma das pré-condições necessárias ao desenvolvimento. Assim, ele pode contribuir fornecendo subsídios para que uma região se dote de instrumentos que favoreçam o desenvolvimento, objetivo pelo qual deve primar o poder público.

A partir desta concepção teórica, passa-se à construção de um modelo de organização e gestão visando ao aperfeiçoamento da cadeia da ACC no Ceará, levando em consideração os estudos e políticas atualmente implementados pelos poderes públicos.