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3 PERCURSO METODOLÓGICO

3.1 Fundamentos Ontológicos e Epistemológicos

Esta é uma pesquisa qualitativa, fundamentada na fenomenologia heideggeriana ou fenomenologia hermenêutica que visa: i) compreender a essência da situação social escolhida em face do referencial teórico levantado; ii) preencher as possíveis lacunas presentes na teoria existente (CRESWELL, 1998; MILES E HUBERMAN, 1994; PATTON,1990).

Preconizada por Martin Heidegger (1889-1976), a fenomenologia hermenêutica admite que o pesquisador se articule ao objeto de pesquisa, sem bracketing (distanciamento sujeito-objeto), ou rompimento epistemológico. Assim como em outras fenomenologias, na heideggeriana a existência humana é interpretativa e à hermenêutica cabe a busca pela essência do objeto e a preocupação em compreender e interpretar os produtos da mente humana, que constroem o mundo social e cultural. Assim, é a inclusão do ponto de vista do pesquisador que permite a apreensão do objeto (RAY, 1994), diante da premissa que as realidades são construídas a partir de experiências pessoais, sendo um indivíduo e seu mundo indissociáveis.

Esta orientação posicionou a pesquisadora não somente como observadora do fenômeno, em sua prática profissional, mas antes e durante a pesquisa como agente de interpretação de falas, gestos e expressões dos entrevistados, imprimindo aos fundamentos epistemológicos um viés etnográfico.

A fim de respeitar a subjetividade e a interação social dos indivíduos, optamos por conjugar, por meio da análise do discurso, práticas discursivas e a produção de sentido (SPINK, 2010), sob a abordagem do construcionismo social, eis que sob a perspectiva construcionista, a realidade é vista como construída pelos sujeitos a partir de suas relações sociais, de suas relações com o mundo externo, e:

O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas, na dinâmica das relações sociais, historicamente datadas e culturalmente localizadas, constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta (SPINK E MEDRADO, 2004, p. 41) .

Assim, pesquisadores que empregam a epistemologia e ontologia socioconstrucionista voltam a sua análise para a compreensão do sentido das ações e práticas sociais (GERGEN & THATCHENKERY, 2004). Para privilegiar o estudo do sentido que os agentes atribuem à sua própria prática social, os construcionistas propõem a interpretação das especificidades dos fenômenos, por meio da adoção da análise das práticas discursivas tanto para a sua apreensão e interpretação, como para a sua descrição e compreensão (CZARNIAWSKA, 1995; 2004).

Segundo Gergen (1985) e Spink (2004, 2010), o construcionismo é um enfoque que se propõe ao desafio de enxergar além da díade tradicional sujeito-objeto, focando na apreensão dos processos pelos quais as pessoas descrevem, explicam e compreendem tanto o mundo em que vivem como a sua própria ação (BRITO, et al., 2010). Burr (1995) explica que, de acordo com a perspectiva construcionista, o conhecimento não pode ser tomado como certo, pois existe uma perspectiva histórica contextual que torna as categorias de compreensão situacionais, eis que o mundo é conhecido pelo observador por meio da experiência humana, que é significativamente influenciada pela linguagem e as categorias de linguagem utilizadas para classificar as coisas emergem da interação social dentro de um grupo de pessoas em um determinado tempo e em um determinado lugar.

O construcionismo social é fortemente influenciado em sua origem pela tradição interacionista. O Interacionismo Simbólico é um termo que foi cunhado Herbert Blumer (1900- 1987), que, para auxiliar o entendimento da perspectiva interacionista, resume as teses centrais do interacionismo simbólico em três premissas básicas, a saber:

1) os seres humanos agem em relação às coisas, tendo como base o significado que elas, as coisas, têm para eles, as pessoas. Dito de outra forma, as ações individuais podem até ser influenciadas pelas interações nas quais estamos envolvidos, mas elas são, também, resultado de nossa própria definição e interpretação da realidade; 2) o significado das “coisas” resulta da interação social entre os seres humanos. A construção e a interpretação simbólica da realidade se dão por meio das interações entre os indivíduos, em contraposição a uma imagem do ser humano como um ser passivo e determinado; 3) os significados não são aceitos e aplicados automaticamente, mas estão sujeitos a um processo de interpretação, no qual são aplicados ou alterados como meios para a orientar ou construir a ação dos atores no processo de interação social (BLUMER, 1969, p.2-5).

De acordo com Cristóvão (2008) a investigação das ações humanas numa perspectiva dialógica e histórica, deve se pautar em dimensões sociais, discursivas e constitutivas. O que significa dizer que o que as pessoas dizem (discurso) a respeito da realidade é constitutivo e

constituinte de suas ações, em um movimento que pode ser congruente ou não, i.e., discurso e práxis podem coexistir em movimentos congruentes ou em movimentos ambíguos ou contraditórios.

A Análise do discurso (AD) não pode ser considerada como um simples método de análise de dados. Para Phillips e Jorgensen (2002), a AD envolve o compromisso ontológico e epistemológico do pesquisador com o papel da linguagem na construção social da realidade, que possibilita ao pesquisador esboçar “um retrato complexo e holístico da situação, analisando narrativas e depoimentos dos atores sociais, conduzindo seu estudo em um ambiente real” (CARVALHO e VERGARA 2002, p.86). Linda Putnam & Gail Fairhust (2001) definem a AD como sendo o estudo de palavras e expressões: tanto a forma quanto o uso no contexto, além dos significados ou interpretações de práticas discursivas. O papel da linguagem na criação e nas mudanças de nossas identidades, de nossas realidades sociais, enfim de nossos mundos, não é meramente o de um meio de refleti-los de forma neutra, mas sim um papel ativo.

Segundo a perspectiva de Jorgensen& Phillips (2002), a AD parte do princípio de que indivíduos acessam a realidade por meio da linguagem, eis que criam representações coadjuvantes à construção da realidade.

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