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2. Princípio jurídico geral

2.3. Princípio da supremacia do interesse público

2.3.1 Fundamentos que sustentam os prazos processuais especiais assegurados à

São três os principais fundamentos para as prerrogativas asseguradas à Administração Pública:

a) A impossibilidade de os advogados públicos escolherem processos, recebendo-os por distribuição e sem qualquer limite quantitativo;

b) A indisponibilidade do interesse público;

c) Facilitação da defesa, considerada a supremacia dos interesses públicos face aos particulares

A Administração Pública, ao contratar mão-de-obra, ainda que na forma de terceirização, precisa assumir os riscos de eventuais demandas e tem condições de dispor de todas as informações relativas aos contratos firmados, dadas as estruturas organizacionais modernas que lhe são disponibilizadas. A assistência e representação da Administração Pública em Juízo, atualmente, se concentram em órgãos muito bem compostos, tanto quantitativa, quanto qualitativamente. Os profissionais são selecionados por concursos públicos de alta complexidade, demonstrando plena capacitação para o cargo; detêm infraestrutura e recursos materiais e pessoais que possibilitam a defesa dos interesses da Administração Pública; contam com estrutura organizacional que lhes permite distribuir as defesas por matérias e campos do Direito, distribuindo sua representação e assistência jurídicas entre diversos órgãos, que se dividem em áreas especializadas, facilitando a produção de defesa e de provas. Na verdade, portanto, embora os advogados não possam escolher as ações nas quais atuarão, têm a possibilidade de serem lotados nas áreas especializadas, o que lhes facilita a análise das matérias objeto das ações judiciais e o caminho a ser adotado para as defesas, sendo certo que, considerada a limitação da competência da Justiça do Trabalho, que não se estende aos contratos de trabalho de natureza administrativa (aí incluídos os trabalhadores regidos pelo regime jurídico único), a matéria discutida normalmente se refere à questão da terceirização de mão-de-obra e suas implicações legais e jurídicas. Isto é, matéria de direito que não depende da reunião de provas documental ou oral.

Por último, no que diz respeito à ilimitação de demandas, essa não é característica peculiar da Administração Pública. Todas as pessoas, jurídicas ou físicas, não têm como controlar o número de ações trabalhistas nas quais serão demandadas, mas considera-se que essa questão integra o risco do negócio do empregador. No momento em que ele passa a integrar o sistema de produção e contrata trabalhadores – ainda que indiretamente – tem

conhecimento de que pode ser questionado a respeito dos procedimentos adotados.

Ressalte-se que não se pretende cercear a defesa da Administração Pública, mas tão- somente a observância de idênticas regras processuais impostas aos particulares. Portanto, não se está a desconsiderar o aspecto relativo à indisponibilidade do interesse público. Respeitada a tese de que aos representantes e assistentes jurídicos da Administração Pública não é permitida a disposição do interesse público, observar prazos processuais semelhantes aos garantidos aos empregadores privados não afronta essa disposição.

A despeito das controvérsias a respeito da indisponibilidade do interesse público que, por sua vez, também termina por alongar o andamento das ações judiciais trabalhistas, a Administração Pública, quando demandada na Justiça do Trabalho, não realiza acordos ou transações judiciais, ainda que, de fato, reconheça a procedência do pedido deduzido em Juízo. Sabe-se que os acordos firmados na Justiça do Trabalho são, na maioria das vezes, muito mais “baratos” aos empregadores privados que as sentenças. Mas à Administração Pública é vedado firmar acordos, em razão da indisponibilidade do interesse público. Portanto, a referida indisponibilidade resta plenamente preservada, em nada se relacionando com os prazos processuais especiais.

Ademais, o princípio da dignidade da pessoa humana, dada sua condição de princípio fundamental, fez revelar a constituição de um Estado Democrático de Direito, onde se privilegiam os direitos fundamentais do indivíduo. Eles são a razão da existência do Estado. Refuta-se o governo das leis, independentemente de quem as fez (supremacy of law), em busca de um governo amarrado à conduta ética, moral, eficiente, eficaz, com responsabilidade, motivada no interesse do indivíduo detentor dos direitos fundamentais positivados na Constituição de 1988. O interesse privado está, inclusive, inserido no interesse do Estado, que visa a alcançar o bem-estar comum. A atuação do Estado é legitimada pelo direcionamento ao interesse do indivíduo, em consonância com os princípios insertos na Carta Magna de 1988.

Por fim, quanto ao fundamento que se refere à supremacia do interesse público, sente- se uma relativização, face à nova realidade do Estado do bem-estar individual, em que o interesse privado tem tanta importância e relevância quanto o interesse público. O Estado somente existe para satisfazer as necessidades do indivíduo. Os interesses privados e públicos assumem um caráter de indissociabilidade, em que dificilmente se pode extrair um para fazer prevalecer o outro. O bem-estar individual é a essência do bem comum e a razão de existir do

Estado. Exigem-se novas escolhas administrativas, que não podem coexistir com todos os paradigmas conservadores de nosso Direito Administrativo.

Se não há superioridade na relação entre interesse público e interesse privado, não se justifica a prerrogativa de prazos processuais diferenciados à Administração Pública, impondo-se tratamento isonômico entre as partes envolvidas numa disputa judicial.

Além disso, a questão relativa à indissociabilidade dos interesses públicos e privados não pode ser compatível com a idéia de supremacia de um em detrimento do outro. Os interesses se complementam e se inter-relacionam. O interesse público tem sua existência dependente do interesse privado, quando se cuida de Estado Democrático de Direito.

Afastados os fundamentos que embasam a justificativa para o tradicional princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e considerado o fundamento da Constituição de 1988, no que se refere à dignidade da pessoa humana, referida prerrogativa não se coaduna com a nova realidade administrativa.