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A modelação numérica de fluidos, também conhecida por dinâmica dos fluidos computacional (em inglês designada por Computational Fluid Dynamics – CFD), é definida como o conjunto de metodologias que permitem a simulação de problemas que envolvem o escoamento de fluidos, recorrendo a equações diferenciais parciais como modo de descrição dos fenómenos físicos subjacentes. Os constantes avanços tecnológicos e computacionais possibilitam o surgimento de computadores com cada vez mais capacidade de processamento e armazenamento de dados, sendo que atualmente os modelos CFD têm um extenso campo de aplicação na resolução de problemas complexos da engenharia e física. No entanto persiste a questão sobre a validade destes modelos reproduzirem corretamente a realidade, pelo que se torna necessário a sua validação por comparação com valores medidos em protótipo ou em modelo reduzido (apesar da existência dos inerentes erros de medição).

Existem diversos software comerciais de CFD atualmente disponíveis em que os princípios em que se baseiam têm como suporte as equações fundamentais da mecânica dos fluidos. Embora estas equações possam ser escritas em diferentes formulações matemáticas, a base dos modelos CFD passa pela descrição do comportamento de um fluido recorrendo aos princípios da conservação da mecânica dos meios contínuos, nomeadamente para fluidos incompressíveis:

 Princípio de conservação da massa.

 Princípio de conservação da quantidade de movimento.

Neste documento não serão apresentados estes princípios e equações de conservação. É possível consultar uma exaustiva revisão bibliográfica a respeito da definição das equações que se obtêm da aplicação dos princípios físicos enunciados e a sua manipulação para a obtenção das equações diferenciais que regem a dinâmica de fluidos (e.g. Versteeg e Malalasekera, 1995; Hirsch, 2007; Jiyuan et al., 2008; Oliveira e Lopes, 2015). Trata-se de uma temática também discutida em trabalhos que precedem a presente dissertação e que envolvem igualmente o estudo numérico em bacias de dissipação de energia, descarregadores de cheias ou, mais concretamente, do escoamento deslizante sobre turbilhões em descarregadores em degraus (e.g., Carvalho e Amador, 2009; Carvalho e Martins, 2009; Meireles, 2011; Silva, 2013; Faria, 2014; Lúcio, 2015; Lopes et al., 2016; Pereira, 2016).

4.1.1 Caraterização da turbulência

A partir de ensaios experimentais Osborne Reynolds, em 1883, demonstrou a existência de dois regimes de escoamento: laminar e turbulento. Poder-se-á dizer que um escoamento tem lugar em regime laminar quando este é caraterizado por trajetórias bem definidas das partículas fluidas, enquanto no escoamento turbulento essas trajetórias são extremamente irregulares e a velocidade varia constantemente em grandeza e direção para um dado ponto do fluido. Na dinâmica de fluidos, os escoamentos turbulentos representam a maioria das situações de interesse e os escoamentos laminares a exceção, pois são necessárias pequenas dimensões e viscosidades elevadas para se obterem escoamentos laminares (Tennekes e Lumley, 2010; Quintela, 2011).

Um escoamento em regime laminar é descrito pelas equações de energia, continuidade e quantidade de movimento e, nos casos mais simples, estas são passíveis de serem resolvidas analiticamente. Para escoamentos mais complexos – como é o caso dos escoamentos turbulentos – existe a necessidade de recorrer à introdução de equações para a sua modelação computacional (Jiyuan et al., 2008).

A descrição do escoamento turbulento em todos os pontos do espaço e instantes do tempo não é exequível, pelo que apenas se podem enumerar algumas das caraterísticas dos escoamentos turbulentos e que são descritas em seguida.

Irregularidade

Implica que o escoamento é aleatório, isto é, não é determinístico, levando a uma abordagem estatística dos problemas de turbulência (valor médio, desvio-padrão, correlações espaciais e/ou temporais).

Difusividade

A difusividade da turbulência traduz-se numa elevada capacidade de mistura de massa, quantidade de movimento, energia e calor (Tennekes e Lumley, 2010).

Números de Reynolds elevados

O número de Reynolds pode ser interpretado como sendo proporcional à razão entre as forças de inércia (𝐹𝑖𝑛é𝑟𝑐𝑖𝑎) e as de viscosidade (𝐹𝑣𝑖𝑠𝑐𝑜𝑠𝑎), dado por:

𝑅𝑒 =𝐹𝑖𝑛é𝑟𝑐𝑖𝑎 𝐹𝑣𝑖𝑠𝑐𝑜𝑠𝑎

=𝑈𝐷

𝜈 (4.1)

onde 𝑈 e 𝐷 designam, respetivamente, uma velocidade média e um comprimento caraterístico do escoamento e 𝜈 denota a viscosidade cinemática do fluido em causa.

forças de inércia suficientemente grandes para amplificar as flutuações turbulentas, ocorrendo a passagem de escoamento laminar para turbulento (Silva, 2010; Tennekes e Lumley, 2010). Flutuações tridimensionais de vorticidade

Escoamentos turbulentos são tridimensionais e rotacionais, caraterizando-se pela presença de estruturas coerentes de fluido com dimensões variadas, distribuição irregular no espaço e sem periodicidade, designadas por vórtices ou turbilhões (eddies), seguindo o escoamento com movimentos que tipificam um comportamento aparentemente caótico (Jiyuan et al., 2008; Tennekes e Lumley, 2010; Quintela, 2011; Oliveira e Lopes, 2015). Em escoamentos bidimensionais a produção de vorticidade não é adequadamente representada, em resultado do mecanismo de estiramento dos vórtices, ou seja, o escoamento turbulento varia aleatoriamente nas três direções do espaço e no tempo.

Dissipação

A turbulência é essencialmente dissipativa, ou seja, é necessário fornecer energia aos escoamentos turbulentos para que a turbulência se mantenha e de modo a compensar as perdas viscosas (Tennekes e Lumley, 2010; Quintela, 2011). Ao se produzir a turbulência, a energia do escoamento transita para a energia cinética dos turbilhões de maiores dimensões e estes, por sua vez, vão-se subdividindo noutros de dimensões ainda menores, através de um processo complexo que pode ser modelado pelo mecanismo de estiramento de vórtices (Quintela, 2011; Oliveira e Lopes, 2015). A dissipação viscosa de energia faz-se para os turbilhões de menores dimensões dos escoamentos turbulentos.

Meio contínuo

A escoamentos turbulentos aplica-se um modelo de meio contínuo, uma vez que mesmo as mais pequenas escalas para este tipo de escoamento são muito maiores que qualquer escala de comprimento molecular (Tennekes e Lumley, 2010).

Para além das caraterísticas acima mencionadas, outra propriedade importante dos escoamentos turbulentos é a sua vasta gama de escalas de comprimento. A análise espectral assiste na compreensão desta propriedade, caraterizando a distribuição de energia de flutuação de um escoamento em regime turbulento pelas diferentes frequências de oscilação inerentes às diversas escalas dos turbilhões (Oliveira e Lopes, 2015), sendo um exemplo de espectro de energia a Figura 4.1, que apresenta a gama de escalas de comprimento em escoamentos turbulentos no domínio das frequências e do número de onda, 𝜅. Um turbilhão pode ser caraterizado pelo seu número de onda, i.e. um turbilhão de número de onda 𝜅pode ser definido como uma perturbação que contém energia na vizinhança 𝜅.

Como já se referiu nesta secção, a turbulência envolve a presença de turbilhões caraterizados por diferentes escalas de comprimento, aos quais correspondem oscilações de velocidade que se estendem por toda uma gama de comprimentos de onda, desde um mínimo determinado

pelas forças inerentes aos efeitos de dissipação viscosa (turbilhões de menor dimensão, sendo esta dimensão conhecida por escala de Kolmogorov) até um máximo delimitado pelas condições de fronteira do escoamento (turbilhões de maiores dimensões e aos quais correspondem baixas frequências de flutuação, i.e., maiores comprimentos de onda). Na zona intermédia atua um mecanismo de inércia que promove a transferência energética, através do mecanismo de estiramento de vórtices, das grandes para as pequenas escalas, habitualmente designada por sub-região inercial.

Figura 4.1 - Repartição de energia no domínio da frequência ou número de onda (adaptado de Eça, 2015a).

4.1.2 Modelos de resolução numérica da turbulência

O caráter irregular e aparentemente aleatório da turbulência faz deste regime de escoamento um fenómeno complexo e de difícil resolução, pelo que os modelos de turbulência ganham especial relevância na medida em que permitem resolver o sistema de equações que rege o campo cinemático médio de um escoamento turbulento, estabelecendo expressões para as tensões de Reynolds. Atualmente definem-se três métodos de simulação computacional:

 Simulação numérica direta (DNS – Direct Numerical Simulation): neste método resolvem-se todas as escalas do campo turbulento, dispensando a utilização de modelos de turbulência. No entanto, devido às elevadas exigências computacionais e limitações temporais, a utilização prática das DNS é restringida a simulações de escoamentos com

Região dissipativa Sub-região inercial Zonas de significativa transferência de energia Turbilhões de maiores dimensões log 𝐸 (𝜅 ) log (𝜅)

 Simulação das grandes escalas (LES – Large Eddy Simulation): este modelo tem como principal objetivo a simulação do comportamento dos grandes turbilhões e para as pequenas escalas utilizam-se modelos de escalas sub-malha (subgrid scale) (Jiyuan et

al., 2008).

 Simulações baseadas nas Equações Médias de Reynolds (RANS – Reynolds

Averaged Navier-Stokes): trata-se do modelo matemático mais utilizado em que uma

variação instantânea é decomposta num termo médio (no tempo) e numa flutuação. Por permitirem obter soluções para as propriedades médias, os modelos RANS são menos exigentes computacionalmente do que as DNS e os modelos LES (ver Figura 4.2).

Figura 4.2 - Grau de modelação e custo computacional de modelos de turbulência (adaptado de Rezende, 2009).

A presente dissertação contempla uma breve descrição das formulações matemáticas e numéricas relativas a simulações baseadas nas Equações Médias de Reynolds (RANS). No Anexo A encontra-se disponível informação complementar relativa a esta temática.

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