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Fungos Filamentosos Termoresistentes em Alimentos:

Em geral, as hifas e conídios dos bolores possuem pequena resistência térmica e não são capazes de sobreviverem ao processo térmico aplicado nos derivados de frutas.

Por definição, fungos termoresistentes produzem estruturas, que os permite sobreviver à exposição à 75ºC por 30 minutos (SAMSON et al., 2000). Os ascos e ascósporos e estruturas com paredes espessas como clamidósporos, aleurosporos, esclerótios (JESENKÁ, PIECKOVÁ e BERNÁT, 1992; JESENKÁ, PIECKOVÁ e BERNÁT, 1993; JESENKÁ, BERNÁT e PIECKOVÁ, 1994; PIECKOVÁ e SAMSON, 2000), são as mais comuns formas que conferem resistência térmica aos fungos.

Os ascos são estruturas similares a sacos que contém os ascósporos. Neste órgão, a fusão de dois núcleos haplóides ocorre seguida pela meiose, e os ascósporos são produzidos livremente com o protoplasma como unidades individuais (BOOTH, 1969). Os ascósporos são normalmente produzidos em grupos de oito (HOCKING e PITT, 1984). A forma, tamanho e ornamentação dos ascósporos podem variar com o tipo, espécie, cepa do fungo e condições ambientais sob as quais os esporos são formados (TOURNAS, 1994). Os ascos podem estar presentes em grandes números

totalmente dentro de corpos maiores com paredes sólidas (cleistotécios) ou serem circundados por hifas finas e entrelaçadas (gimnostécios). Somente em Byssochlamys, os ascos nascem separadamente e livres (HOCKING e PITT, 1984).

Existem diversos relatos na literatura de casos de deterioração de alimentos associados aos bolores termoresistentes em vários países, como Inglaterra (OLLIVER e RENDLE, 1934), Austrália, Estados Unidos, Holanda (TOURNAS, 1994; PITT e HOCKING, 1984), Irlanda (McEVOY e STUART, 1970). A deterioração por bolores termoresistentes é caracterizada pelo crescimento visível do fungo, produção de odor desagradável, sabor ácido, gás, desintegração das frutas, solubilização de amido ou pectina no meio (SPLITTSTOESSER, 1991), culminando com a separação de fases no caso de sucos.

Como a maioria dos ascósporos dos bolores termoresistentes apresenta-se em um estado dormente, precisam ser ativados para germinarem e então serem enumerados. A ativação é caracterizada pelas altas taxas de respiração e na prática laboratorial o tratamento mais usualmente empregado é a aplicação de calor (TOURNAS, 1994). Na prática industrial, quando os processos de pasteurização dos sucos de frutas não conseguem eliminar os fungos termoresistentes, podem causar apenas danos subletais e por fim, funcionar como um tratamento de ativação dos ascósporos e com o meio rico em nutrientes (os próprios sucos) e condições ambientais favoráveis, segue-se a germinação, crescimento e deterioração dos produtos durante a estocagem e comercialização.

A grande preocupação com bolores termoresistentes em frutas e derivados, além de sua elevada termoresistência nos produtos ácidos, se deve ao fato de alguns

gêneros como Byssochlamys spp serem capazes de crescer sob baixas tensões de oxigênio (como as encontradas em embalagens cartonadas) (HOCKING e PITT, 1984) deteriorando o produto. Todavia é importante considerar que algumas vezes a extensão do crescimento destes fungos pode ser tão limitada que colônias ou material micelial podem não ser detectados visualmente, mesmo havendo deterioração evidente do produto (SPLISTTOESSER, 1991). Neste caso, a comprovação dos causadores da deterioração pode ser feita por meio da detecção e enumeração de bolores termoresistentes, usando metodologia apropriada. Outro ponto importante é a capacidade de algumas espécies serem capazes de produzir micotoxinas, como patulina, ácido bissoclâmico, bissotoxina A, assimetrina, variotina, fumitremorginas A e C, verrucológeno, fischerina e eupenifeldina (TOURNAS, 1994).

As espécies mais comumente isoladas e / ou associadas à deterioração de alimentos pertencem aos gêneros Byssochlamys, Neosartorya, Talaromyces, Eupenicillium (HOCKING e PITT, 2001) e Paecilomyces (PIECKOVÁ e SAMSON, 2000). Em termos práticos, o reconhecimento das espécies de fungos termoresistentes, baseia-se em quatro principais fatores: i) isolamento após um processo de aquecimento da amostra; ii) observação do crescimento da colônia e aparência em meios padrões; iii) observação de cleistotécio, gimnostécio ou ascos livres e iv) observação microscópica das estruturas conidiais (HOCKING e PITT, 1984). Cada gênero apresenta características gerais, as quais permitem sua diferenciação. Elas foram descritas a seguir de acordo com Pitt e Hocking (1999):

a) Byssochlamys: é um ascomiceto caracterizado pela ausência de cleistotécios, gimnostécios ou outros corpos envolvendo os ascos durante o

desenvolvimento. Os ascos em Byssochlamys nascem em cachos abertos, em associação com hifas finas brancas não estruturadas, não sendo, no entanto, cercados por elas;

b) Neosartorya: é um ascomiceto que produz cleistotécios com parede celular e ascósporos transparentes a brancos, não amarelados. Eles produzem vesículas pequenas e piriformes que aumentam à medida que se aproximam dos ápices. Todas as espécies conhecidas até o momento (um total de dez) são termodúricas, no entanto, a única de significância para os alimentos é N.fischeri;

c) Talaromyces: é um ascomiceto caracterizado pela produção de gimnostécio branco a amarelo em associação com um anamorfo característico de Penicillium, Paecilomyces ou Geosmithia, sendo as espécies mais comumente isoladas de alimentos ácidos tratados termicamente T.macrosporus e T.flavus;

d) Eupenecillium: é caracterizado pela produção de cleistotécios brilhantes, de paredes lisas com 100 a 500 µm de diâmetro, muito rígidos (esclerótios) em associação com um Penicillium anamorfo, sendo a maturação dos ascos contendo oito ascósporos a partir dos cleistotécios lenta. Como deterioradores de alimentos, espécies de Eupenicillium podem ser seguramente ignoradas ao menos em circunstâncias não usuais, como excessiva contaminação das matérias-primas;

e) Paecilomyces: é diferenciado de Penicillium baseando-se nas diferenças no formato das fiálides e cor dos conídios, não formando ascos. As fiálides têm pescoços os quais são caracteristicamente, longos e dobrados a partir dos eixos das fiálides. Os conídios são raramente verdes ou azuis, e são usualmente alongados,

fusiformes ou elipsoidais a cilíndricos. Somente três espécies são comumente isoladas de alimentos: P.variotii, P.lilacinus e P.fulvus.

Por representar o principal reservatório destes microrganismos, as contagens no solo podem atingir valores de até 461 colônias por 10 g (JESENKÁ, PIECKOVÁ e BERNÁT, 1992). Desta forma, as frutas que têm contato com o solo são as mais susceptíveis a contaminação por Byssochlamys e outros fungos termoresistentes. Apesar de contagens na faixa de 101 a 102/10 g terem sido reportadas por Jesenká, Piecková e Bernát (1992), Massaguer (2003) reportou contaminação na recepção das maçãs para a produção de suco de maçã de 4,0 esporos/100 g ou mL, indicando ser baixa a contaminação por estes microrganismos nas frutas antes do processamento. Apesar disso, Beuchat e Pitt (1992), consideram que uma contagem de 5 ascósporos de bolores termoresistentes por 100 g ou mL de produto, em uma etapa imediatamente anterior ao tratamento térmico indica um sério problema, o que pode levar a episódios de deterioração do suco durante a sua comercialização.

Os níveis aceitáveis de contaminação por ascósporos de bolores termoresistentes dependerão e muito do produto final, e composição do produto e condições de processamento térmico e comercialização devem ser levadas em conta (HOCKING e PITT, 1984; TOURNAS, 1994). Apesar de normalmente estarem presentes em pequenos números nas matérias-primas utilizadas para o processamento dos sucos, uma contagem maior do que 2 ascósporos por 100 mL de produto pode ser considerada inaceitável. Para evitar-se casos de deterioração por bolores termoresistentes, é comum especificar-se ausência de ascósporos para cada 100 mL de amostra analisada (HOCKING e PITT, 1984).

Apesar de sua baixa incidência nas frutas, diversas medidas têm sido estudadas visando-se evitar ou reduzir a contaminação e deterioração dos alimentos pelos bolores termoresistentes. As ações podem ser adotadas do campo ao armazenamento das frutas, para evitar a contaminação das matérias-primas pelos ascósporos, evitando-se contato com solo e poeira, que são fontes destes contaminantes (JESENKÁ, PIECKOVÁ e BERNÁT, 1992). Na indústria, a etapa de lavagem parece apresentar eficiência em pouca extensão para reduzir as contagens de ascósporos de bolores termoresistentes. De acordo com Ito, Seeger e Lee (1972) se por um lado os ascósporos de Byssochlamys tiveram seu número reduzido após a lavagem das frutas com solução de ácido peracético 4% por 1,3 minutos, por outro, foram resistentes à exposição a 200 ppm de cloro (pH 6,0) e 446 ppm de iodóforo (pH 2,2). A etapa de seleção das frutas também pode ser efetiva na redução da carga de ascósporos, pois à medida que se eliminam frutas com lesões (e que provavelmente tiveram contato com o solo), reduz-se também a carga contaminante das matérias-primas. Outra etapa que pode auxiliar na redução da contaminação por ascósporos de fungos termoresistentes é a filtração com terra diatomácea. King, Michener e Ito (1969) obtiveram redução de 99,999% de suco de uva contendo uma carga inicial de 1,4 x 106 ascos, após filtração com terra diatomácea (escala piloto). Eles ainda observaram que a proporção de esporos que passaram pelo filtro não dependeu do tamanho do inoculo e não foi marcadamente influenciada por diferentes tipos de meios de filtração, no entanto, para ter sucesso, os arranjos físicos do sistema de filtração devem ser tais que o suco filtrado seja removido da área do filtro sem que haja recontaminação com o agente auxiliar de filtração usado. Além do mais, pelo fato de não se saber se as populações de Bysochlamys ocorrem na natureza como ascos ou ascósporos, a presença destes

microrganismos em sucos que passaram pela filtração com terra diatomácea pode ser explicada pelo fato dos ascósporos serem mais difíceis de filtrar por estarem fora do tamanho de partículas consideradas removíveis.

O isolamento de bolores termoresistentes de produtos finais e os episódios de deterioração relatados, indicam que durante as condições industriais, a remoção dos ascósporos nem é sempre garantida. Assim, para inativar os ascósporos presentes nos sucos, o emprego da tecnologia de altas pressões tem sido proposto, sendo necessárias pressões de até 700 Mpa e temperatura de até 60ºC, para sensibilização dos esporos de B.nivea para posterior tratamento térmico (BUTZ et al., 1996), o que inviabiliza economicamente a aplicação desta tecnologia.

A pasteurização por si só pode não ser eficaz para reduzir a carga destes fungos em virtude da elevada resistência térmica dos seus ascósporos (TOURNAS, 1994). Fatores como diferenças entre isolados, pH, atividade de água e a presença de preservativos afetam a resistência térmica (HOCKING e PITT, 2001). A presença de ascos (e não somente de ascósporos livres) pode ser um fator a mais que deve ser levado em conta pelo fato de que nestas estruturas os ascósporos serão protegidos dos efeitos deletérios do calor, culminando com sua sobrevivência à pasteurização. Valores D entre 1 e 12 minutos à 90ºC e Z entre 6 e 7ºC tem sido reportados para B.fulva (KING, MICHENER e ITO, 1969; BAYNE e MICHENER, 1979), e podem ser considerados valores práticos. B.nivea tem resistência térmica marginalmente menor do que B.fulva, enquanto Neosartorya fischeri é no mínimo tão termoresistente quanto B.fulva, todavia seu envolvimento na deterioração dos alimentos é menos freqüente (HOCKING e PITT, 2001).

O controle da temperatura de processo deve ser considerado crítico quando alimentos passíveis de contaminação por bolores termoresistentes são processados, em virtude dos baixos valores Z apresentados pelas espécies de B.fulva / B.nivea (4- 6,1ºC) (HATCHER et al., 1979; CASELLA et al., 1990). Por exemplo, uma variação de temperatura de 88ºC para 89ºC aumentaria o tempo requerido para destruição de 104 UFC/mL esporos destes fungos de 14 minutos para 20 minutos. Já que os trocadores de calor e pasteurizadores em uso comercial normalmente podem flutuar nesta faixa de temperatura, é possível que alguns fungos termoresistentes sobrevivam a um processo térmico aparentemente satisfatório, resultando em surtos de deterioração e em riscos potenciais à saúde dos consumidores (HATCHER et al., 1979) pela produção de micotoxinas.

Se o tratamento térmico aplicado aos sucos não for capaz de promover adequada destruição do microrganismo mais termoresistente sem reduzir a qualidade do produto, medidas alternativas como o controle do crescimento pela manipulação de fatores como atividade de água, conteúdo de açúcar, pH do xarope da fruta ou concentrado, tensão de oxigênio e temperatura de estocagem, devem ser levados em conta (TOURNAS, 1994). A adição de conservantes químicos como benzoatos, sorbatos e sulfitos é considerada uma alternativa para impedir a germinação e crescimento dos ascósporos dos bolores termoresistentes. Concentrações acima de 100 µg/mL de sorbato de potássio e benzoato de sódio foram efetivas para controlar o crescimento de Talaromyces flavus em pH 3,5, enquanto em pH 5,4, o sorbato de potássio só controlou o crescimento do microrganismo em concentrações entre 300-400 µg/mL e o benzoato de sódio não foi capaz de controlar o crescimento do microrganismo em concentrações

de até 600 µg/mL (KING JR e HALBROOK, 1987). Os estudos têm demonstrado que baseando-se na concentração, o SO2 apresenta mais significante efeito no retardo do

crescimento de B.nivea, seguido pelo sorbato de potássio e benzoato de sódio (ROLAND et al., 1984). Além do pH, a eficiência dos agentes antifúngicos no controle do crescimento de Byssochlamys fulva se vê afetada pela temperatura, já que o crescimento do microrganismo não foi significativamente retardado na presença de até 25-75 µg de SO2 / mL de suco de uva à 30 e 37ºC, mas foi à 21ºC (ROLAND et al.,

1984). Roland, Beuchat e Heaton (1984) estudaram o efeito de diferentes níveis de sorbato de potássio, benzoato de sódio e dióxido de enxofre no comportamento de B.nivea em molho de maçã embalados sob diferentes tensões de oxigênio. Os autores reportaram que mesmo em atmosferas contendo entre 9,5 e 9,7% de oxigênio o crescimento do fungo não foi observado e o dióxido de enxofre foi o agente mais letal ao microrganismo, culminando com sua não detecção após 4 e 13 meses de estocagem. Concentrações de 200 e 400 ppm de benzoato de sódio e sorbato de potássio resultaram na redução das contagens de B.nivea comparando-se ao controle. Apesar dos resultados obtidos, é preciso atentar-se para o fato dos autores não terem usado suspensão de ascósporos, que são sabidamente as formas mais resistentes aos agentes químicos do que conídios, sendo também os responsáveis pela sobrevivência desses fungos à pasteurização dos sucos de frutas. O efeito diferenciado dos agentes químicos sobre os ascósporos e conídios foi comprovado por van de Riet, Botha e Pinches (1989), que estudaram o efeito do dimetildicarbonato (DMDC) sobre o crescimento vegetativo e ascósporos de duas cepas de B.fulva. Usando suco de maçã como meio de suspensão, o crescimento vegetativo foi sensível à concentrações de 25 a 75 mg / L de DMDC, enquanto nenhuma evidência de efeitos letais aos ascósporos

foram encontradas mesmo quando as maiores concentrações de DMDC foram usadas (1000 mg/L). Concentrações de até 2000 mg / L de ascopirona P (antibacteriano produzido por Anthracobia melaloma), mostrou-se ineficiente no controle de Byssochlamys fulva e B.nivea em suco de maçã inoculados (103 ascósporos / mL) e mantidos à 25ºC (THOMAS et al., 2004).

Apesar da eficiência destes agentes químicos no controle do crescimento dos bolores termoresistentes, seu uso pode esbarrar nos limites máximos permitidos pela legislação e também na tendência atual dos consumidores na busca por alimentos mais saudáveis e livres de conservantes sintéticos. Assim, como a estabilidade dos sucos de frutas usualmente se apóia mais na pasteurização do que no uso de preservativos químicos e outros métodos de controle, a melhor maneira de assegurar que os bolores termoresistentes não irão deteriorar os produtos susceptíveis é a seleção cuidadosa, manuseio e limpeza da fruta em conjunto com um minucioso procedimento de análises para detecção dos esporos destes microrganismos (HOCKING e PITT, 2001).