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Gênero e interseccionalidades

No documento Download/Open (páginas 30-32)

Adicionalmente às discussões de gênero pertinentes ao estudo proposto e das dificuldades que tais questões apresentam cotidianamente, a presente análise se limita à importância da educação de gênero como promotora do respeito ao indivíduo e das identidades de gênero de cada aluna e aluno, de forma que, efetivamente, ocorra a formação de cidadãos e cidadãs conscientes de seu papel no processo democrático.

Em decorrência da averiguação de intercorrências resultantes da não compreensão e do não reconhecimento das diversidades de gênero presentes no ambiente escolar, bem como da importância basilar da constatação de suas identidades, destarte, a motivação do presente estudo parte da perspectiva de dignidade humana essencial à vida e das ações que possam proporcionar ou não um entendimento pessoal de alinhamento entre o corpo e a identidade de gênero assumida por meio da educação escolar e que possa gerar reflexos positivos na sociedade.

Ao analisar os nomes dados às discriminações explicitadas pelo texto da CONAE 2010 como eixos de diversidade o texto predica que seu desconhecimento favorece as diferenças e aumenta a desigualdade por meio de relações assimétricas, seja de classe, étnico-raciais, de gênero, diversidade religiosa, idade, orientação sexual e cidade- campo. Gênero, assim, não configura o único fator de exclusão e discriminação na sociedade, inclusive nas instituições escolares, havendo inclusive, a possibilidade de múltiplas discriminações ocorrerem sobre um/a mesma/o aluna/o.

A respeito desta somatória e entrecruzamento de opressões, Kimberlé Crenshaw nos alerta para os ―efeitos interativos‖ das discriminações de raça e gênero, propondo a percepção de interseccionalidades de fatores que caracterizam as diferentes minorias de gênero de forma sobreposta e, consequentemente, um ajuntamento de marginalizações nos mesmos indivíduos e na convivência em sociedade. Isto porque ―frequentemente, um certo grau de invisibilidade envolve questões relativas a mulheres marginalizadas, mesmo naquelas circunstâncias em que se tem certo conhecimento sobre seus problemas ou condições de vida‖ (CRENSHAW, 2002, p. 174). Entretanto, a autora alerta que:

A discriminação interseccional é particularmente difícil de ser identificada em contextos onde forças econômicas, culturais e sociais silenciosamente moldam o pano de fundo, de forma a colocar as mulheres em uma posição onde acabam sendo afetadas por outros sistemas de subordinação. Por ser tão comum, a ponto de parecer um fato da vida, natural ou pelo menos imutável,

esse pano de fundo (estrutural) é, muitas vezes, invisível (CRENSHAW, 2002, p. 176).

A autora usa as categorias ―gênero‖ e ―raça‖ para exemplificar esse ensombramento que acontece com os diferentes fatores de discriminação. Consequentemente, uma discriminação que abarca mais de um fator, como gênero e raça, poderia ser generalizada e considerada somente ―sexista‖ mesmo que inclua o fator ―raça‖ ou considerada somente ―racista‖, mesmo que englobe o fator gênero e assim sobrepõem-se as intersecções entre os diferentes fatores de discriminação. Inegavelmente, não somente gênero e raça são componentes das discriminações interseccionais, isso porque, na escola, as diferenças, em realidade:

(...) se relacionam e se misturam na vida social, daí termos que pensar nelas como interseccionais. Ao invés de refletir separadamente sobre raça, gênero ou sexualidade, podemos ver esses eixos de diferenciação social como marcas da diferença, daquele rompimento normativo que coloca em xeque os ideais que uma sociedade cria sobre si mesma. A educação costumava ser parte da engenharia social voltada para concretizar essa imagem ideal ou modelar por mecanismos normalizadores que confundíamos como educativos, mas que agora começamos a reconhecer em seu caráter autoritário e interessado. Em outras palavras, a educação era fundamental na disseminação de um ideal hegemônico da sociedade, mas parece ter despertado para seu potencial político de transformação do ideal em algo mais democrático e afeito às experiências subalternizadas (MISKOLCI, 2013, p. 61).

Com o intuito de conceituar as interseccionalidades, Crenshaw estabelece um modelo provisório a partir de diversos eixos de poder, como raça, etnia, gênero e classe, por fim, estabelecendo um vínculo interseccional com a política, determinando que ―mulheres que insistem em defender seus direitos contra certos abusos que ocorrem dentro de suas comunidades arriscam serem vítimas de ostracismo ou de outras formas de desaprovação‖ (CRENSHAW, 2002, p. 181). A justificativa seria de traição ou embaraço de suas comunidades. Assim, a autora denuncia o mascaramento de ações discriminatórias e prejudiciais às mulheres em geral tidas e apresentadas tão somente como práticas culturais. Estas sobreposições, entretanto, não se limitam às mulheres e não se resumem às somatórias de marcadores, pois, ao mesmo tempo que estes fatores de exclusão se somam, eles se potencializam e se reforçam mutuamente. Como podemos verificar no documento oficial da CONAE 2010, as interseccionalidades podem ser verificadas nas instituições escolares, bem como de maneira geral na sociedade. De acordo com a CONAE 2010:

Ao analisar cada um dos componentes desse eixo tem-se uma noção do contexto de desigualdade historicamente construído no País. Eles dizem respeito aos sujeitos sociais concretos e não somente às temáticas sociais. São homens e mulheres com diferentes orientações sexuais, negros/as, brancos/ as, indígenas, pessoas com deficiência, superdotação, crianças, adolescentes e jovens em situação de risco, trabalhadores e trabalhadoras. São esses sujeitos que, articulados em lutas sociais, movimentos sociais, sindicatos etc. politizam o seu lugar na sociedade e denunciam o trato desigual que historicamente lhes têm sido reservado. Desvelam contextos de dominação, injustiça, discriminação e desigualdade, sobretudo na educação (CONAE, 2010, p. 125).

Como exemplo de entendimento da perspectiva interseccional, propomos a imaginação das possíveis (e diversas) discriminações que uma mulher/homem branca/o rica/o e que uma mulher/homem branca/o pobre sofrem no Brasil. Neste sentido, pensamos na relação gênero-classe. Acrescentemos agora o fator raça: imagine as possíveis discriminações que uma mulher/homem branca/o e que uma mulher/homem negra/o sofrem. E se forem estrangeiras/os? Pensando somente nas relações de gênero: imagine as discriminações que um homem ―macho‖ e um homem ―afeminado‖ recebem no ambiente de trabalho; ou ao invés das discriminações, imagine as validações e privilégios diferentes que estes mesmos homens recebem em uma empresa; ou mesmo uma mulher dócil e uma mulher ―masculina‖ (ou masculinizada). E se ela/e for negra/o? E se combinarmos estes diferentes fatores em uma mesma pessoa? É assim que os fatores de discriminação se somam, entrecruzam e multiplicam. De forma que nunca uma pessoa sofre somente um tipo de discriminação, mas uma somatória exponencial das diferentes características que compõem, em sua individualidade, uma determinada configuração de discriminação e, muitas vezes, em consequência, também de marginalização e exclusão.

No documento Download/Open (páginas 30-32)