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Gênero novo, bases antigas: entendendo o caráter híbrido dos e-mails

Embora o e-mail possa, também, ser considerado um suporte, em nossa análise, ele será considerado exclusivamente como um gênero discursivo. Como tal, ele atende a determinadas necessidades comunicativas, apresenta caráter interativo, além de temática, estilo e estrutura composicional relativamente estáveis (BAKHTIN, 2000).

Para discutir o tema desta seção “Gênero novo bases antigas: entendendo o caráter híbrido dos e-mails”, lançamos a metáfora de Swales (2004) em que o autor trata o gênero como uma família. Sua explanação reside em ressaltar que, assim como em uma família, os membros herdam traços dos seus genitores, sejam semelhanças físicas, psicológicas, etc., os gêneros também são provenientes de “famílias” e apresentam semelhanças com seus “pais”.

Bathia (1997), de alguma forma, reforça esse argumento, ao afirmar que o caráter inovador do gênero só pode ocorrer dentro do limite de práticas sociais existentes. Portanto a inovação de um gênero é sempre proporcionada por uma mescla de características de gêneros já reconhecidos em outras esferas de comunicação. Argumento semelhante a esse está disposto, como observamos, na transmutação, apresentada por Bakhtin: um gênero secundário transmuta características de um gênero primário. Marcuschi (2004, p.31) corrobora essa ideia e ilustra a relação de parentesco existente entre alguns gêneros.

Gêneros emergentes Gêneros já existentes

1 E-mail Carta pessoal // bilhete // correio 2 Chat em aberto Conversações (em grupos abertos?) 3 Chat reservado Conversações duais(casuais) 4 Chat ICQ(agendado) Encontros pessoais(agendados?) 5 Chat em salas privadas Conversações(fechadas?) 6 Entrevistas com convidados Entrevista com pessoa convidada 7 E-mail educacional(aula por e-mail) Aulas por correspondência 8 Aula Chat(aulas virtuais) Aulas presenciais

9 Vídeo- conferência interativa Reunião de grupo / conferêcia / debate 10 Lista de discussão Circulares / série de circulares(???) 11 Endereço eletrônico Endereço postal

12 Blog Diário pessoal, anotações, agendas

É importante observar, pelo quadro, que Marcuschi (2004) trata todos os gêneros da família digital como emergentes. Além disso, vale a pena questionar até quando esses gêneros serão tratados dentro dessa categoria de emergentes. Para nós, devido à excessiva propagação e uso do gênero, ele deixou de ser emergente há algum tempo.

Considerando o mesmo quadro é possível perceber que todos os gêneros emergentes, como trata Marcuschi (2004), situados na família de gêneros digitais têm o caráter híbrido. Incursões que tratam, particularmente, do gênero e-mail como híbrido não são novidades. Elas estão já presentes nas pesquisas, por exemplo, de autores como Violi (1996), Crystal (2002), Marcuschi (2002) e Paiva (2004).

Considerando o fenômeno híbrido, retomemos, primeiramente, o estudo de Violi (1996). A autora centra sua investigação na relação entre oralidade e escrita no gênero e-mail. Em sua observação, toma o e-mail como um gênero da família epistolar. Participante dessa família, o e-mail apresenta pontos em comum com outros gêneros da mesma família, a carta seria um exemplo. A autora ressalta que os dois gêneros contam com elementos semelhantes da situação comunicativa. Ambos, no momento da elaboração do texto, não dispõem da presença do interlocutor: entre locutor e interlocutor, existe uma distância espacial que ora pode ser significativa ora não. Além disso, as trocas de mensagem não são síncronas. O texto pode ser lido segundos depois de sua confecção, no caso dos e-mails, ou, ainda, depois de dias no caso de e-mails e cartas. São essas características, conforme a autora, que situam o gênero e-mail no universo prototípico do gênero escrito.

Contudo, com base nas considerações de Violi (1996), o e-mail não é um padrão de gênero escrito. Diferentemente do que ocorre na maioria dos gêneros escritos, no gênero e-mail, a tecnologia reduz, significativamente, as barreiras temporais, tornando o tempo entre o envio e a recepção das mensagens praticamente nulo. Nesse sentido, o tempo que, também, foi utilizado para trazer semelhança com a escrita, revelar-se-á a favor da oralidade.

A rapidez proporcionada pelos recursos tecnológicos, que suportam o gênero, exige que os interlocutores confiram com frequência suas caixas de mensagens. Esse tipo de interlocutor, rápido e participativo, é o almejado para essas interações, afinal quem manda uma mensagem aguarda sua resposta o quanto antes. Esse interlocutor, em geral, mostra-se consciente apenas das barreiras espaciais e deixa transparecer, em muitos casos, que suas mensagens são integradas em um mesmo tempo. Portanto é possível afirmar, apesar de não haver sincronia, a existência de um caráter praticamente síncrono nessas mensagens.

O caráter praticamente síncrono, que possibilita interações rápidas e frequentes, seria um ponto positivo para comparar o e-mail com os gêneros da oralidade, como a conversação face a face. O uso de aspectos linguísticos semelhantes aos encontrados na fala também são apontados por Violi (1996). Ela ressalta que, nos e-mails, existe, assim como na fala, uma frequência significativa de expressões dêiticas.

Apesar de mencionar a respeito da significativa presença de coordenadas dêiticas, a autora não tece outras considerações sobre este fenômeno. Acreditamos que, embora muito frequentes nos e-mails, as características que justificam o surgimento desses dêiticos revela-se diferente em uma conversação face a face e no gênero aqui estudado, por exemplo. Apontando um dos pontos para essa diferença, encontramos, na conversação face a face, a presença dos locutores, tal fato já revela uma maior possibilidade de encontrarmos casos de dêixis ancoradas na situação de enunciação, ou seja, com uso ad oculo. Nos gêneros escritos, pela ausência do enunciatário, parecem ser mais comuns os usos anafórico e fantasma dos dêiticos.

As semelhanças com aspectos da modalidade escrita, carta, e com aspectos da modalidade oral, conversação face a face, não se limitam aos já descritos. Apoiando-nos em outros autores, como Crystal (2002) e Paiva (2004), é possível encontrar outros traços de semelhanças entre gêneros orais e escritos.

Ao partir para outros aspectos semelhantes aos gêneros orais, Crystal (2002) e Paiva (2004) consideram que o e-mail herda traços não só da conversação face a face, mas também da conversação telefônica, porém existe uma série de adaptações que permitem que o e-mail não seja confundido com os dois outros gêneros. Alguns dos aspectos elencados como distintivos são a ausência de voz e a ausência de contato de qualquer espécie entre os interlocutores no momento da interlocução. Em relação às semelhanças, é comum a utilização da linguagem coloquial, caracterizada pela informalidade e pela ausência de revisão do texto produzido. Além desse caráter, os autores ressaltam as formas convencionais que exprimem gritos, hesitações, risos e entonações mais acentuadas, etc.

Particularizando um pouco mais as semelhanças, existem características que mostram afinidade somente com o gênero oral conversação face a face. Tentando exprimir os recursos paratextuais existentes no gênero conversação face a face, os

emoticons traduzem expressões faciais e, se dispõem de animação, também podem

exprimir gestos.

Da modalidade escrita, Crystal e Paiva advogam que o e-mail também herda semelhanças com os bilhetes. Marcuschi (2002), também, ressalta essa mesma

semelhança. Silva (2003, p.24) defende o argumento e vale-se de um bilhete para mostrar as semelhanças existentes.

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Ao fazer considerações sobre o bilhete, Silva (2003) esclarece-nos que o gênero foi escrito por uma criança de 10 anos. Assim como ocorre nesse bilhete, em geral, as mensagens eletrônicas apresentam enunciados curtos, onde os sujeitos produtores/consumidores de e-mails escrevem diferentemente do padrão culto, sem a preocupação com as regras do “bom português”. Tal fato, também, reforça a semelhança com os gêneros orais. São comuns, ainda, nos dois gêneros, abreviaturas,

recursos gráficos que ocupam lugar de palavras, onomatopéias, usos de formas elípticas e frases curtas. Por último, é possível encontrar formas fixas próprias dos bilhetes e das cartas, tais como saudações, despedidas e assinatura.

Chegamos a um ponto que nos desperta curiosidade, se o bilhete foi escrito em 2001, no contexto em que a internet e seus gêneros já tinham uma força de uso expressiva, é possível perguntarmo-nos: em que medida a influência do e-mail foi utilizada para confeccionar o bilhete e não o inverso? Pois, se recuperarmos na memória outros bilhetes, inclusive de interlocutores mais velhos, vamos atentar para o fato de que, muitos desses recursos não se faziam presentes nesse gênero.

O que queremos deixar claro é que essas características dos bilhetes, apontadas por Silva (2003), são tão presentes nos e-mails que acabamos por não conseguir distinguir qual gênero, hoje, influencia a escrita do outro.

Diante do exposto, é possível afirmar que o gênero e-mail não é uma cópia dos vários gêneros mencionados, estamos diante do fenômeno da transmutação, em que as características de um gênero são tomadas emprestadas e modificadas até um certo ponto para a confecção de outro. Nesse sentido, podemos revelar que o e-mail é um gênero secundário.

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