• Nenhum resultado encontrado

Os talent shows ou programas de calouros, como eram chamados nos anos iniciais, surgiram na Rádio Cruzeiro do Sul, em 1935, idealizados pelo radialista Celso Guimarães. Porém, o gênero se solidificou nas grades de programação apenas nas décadas de 1940 e 1950. De acordo com Tinhorão (1981), durante o decorrer do tempo, os auditórios das rádios se tornaram casas de diversão e teatro das classes mais baixas, porque os programas de calouros eram vistos com esperança entre os que acreditavam possuir talentos artísticos.

Pereira (1967) afirma que grande número de negros e mulatos se inscreviam em programas de talentos das rádios do estado de São Paulo, entre 1950 e 1960. Esse movimento devia-se às limitadas oportunidades de trabalho e renda. Além de entretenimento gratuito e prazer estético, eles procuravam perspectivas de alta remuneração, prestígio, popularidade, além de engrandecer sua categoria social, como o autor supracitado se refere.

Conseguir um lugar nos quadros artísticos de uma emissora de rádio equivalia a realizar, de uma só vez, duas das mais respeitáveis necessidades humanas, ou seja, ganhar o necessário para viver e afirmar a sua personalidade, tonando-se alguém capaz de ser reconhecido no meio da multidão (TINHORÃO, 1981, p. 57-58).

Muitas vozes anônimas puderam expor seus talentos para milhares de ouvintes e obtiveram sucesso, como: Cauby Peixoto, Agnaldo Rayol, Chico Anísio, Ângela Maria e outros. Entretanto, as inúmeras tentativas de ascensão social se tornavam em verdadeiros

dramas para outros. Muitas pessoas inscreviam-se em diversos programas, durante anos para tentar realizar um sonho, que, na prática, nunca aconteceu.

“Os calouros do rádio” (TINHORÃO, 1981, p. 59), programa de Celso Guimarães, era conduzido por pessoas com intuito de dinamizar e animar. De acordo com a personalidade e sensibilidade de cada condutor, eram feitos comentários incentivadores ou ridicularizadores em relação aos candidatos.

A oportunidade de acompanhar de casa as tentativas de conquista artística de gente anônima das camadas mais humildes conferiu aos programas de calouros um interesse humano extraordinário. (...) Os ouvintes, porém, não deixavam nunca de identificar-se com esses personagens que encarnavam, no fundo seus próprios anseios frustrados de superação da rotina desumana da vida urbana (TINHORÃO, 1981, p. 60).

Segundo Tinhorão (1981), o primeiro programa de talentos carioca, apresentado por Ari Barroso, na Rádio Cruzeiro do Sul, do Rio de Janeiro, trouxe um novo elemento, um gongo tocado pela suposta figura de um carrasco. A configuração de uma espécie de tribunal em que os candidatos são julgados e condenados por suas qualidades artísticas se tornou dominante. Esse critério se estendeu aos programas de televisão nas décadas de 1960 e 1970, apresentados por Flávio Cavalcanti, Sílvio Santos e Chacrinha.

Os conflitos sociais existentes na sociedade são atenuados e encobertos através da técnica e da ciência da televisão. Ela é uma espécie de laboratório de observação de monitoramento comportamental. A técnica possibilitou a atração do espectador pela televisão, por meio da imagem em movimento, com poder e encantamento. De acordo com Siqueira (1999), algumas das técnicas utilizadas são: câmera lenta, efeitos animados, cenas escurecidas; e os talent shows podem focar em detalhes, alterar voz, filmar em diferentes planos, ter estúdios de gravação, efeitos de luzes e outros.

  Desde os primeiros anos do século XXI a televisão brasileira transmite programas do gênero reality shows, porém o grande sucesso, o Big Brother, apresentado em 45 países, estreou em 2002. O programa foi desenvolvido em 1998, na Holanda, pela empresa local especializada nesse formato, a Endemol, em parceria com a Talpa Media, de John de Mol. O programa The Voice, do gênero talent show, também do mesmo criador, possui franquias em 60 países, sendo que o maior número de telespectadores são chineses, com 120 milhões, enquanto o The Voice Kids é apresentado em 27 países (ROXBOROUGH, 2015).

  O The Voice oferece ao público a fantasia de poder escolher quem é a próxima voz para representar seu país. Essa promessa ajuda a construir a tribo de fãs (MAFFESOLI, 2005), mas também leva a decepções quando sentem que seus votos e energia despendida não foram levados em consideração (JENKINS, 2009). Os meios de audiovisuais são uma indústria de sonhos, mitos, criação de associações de emoções - essa conexão de emoções com o inconsciente incide nas crenças e comportamentos de modelo de vida.

A quantidade abundante dessa mercadoria já não satisfaz apenas ao ser assistida, é preciso procurar o reconhecimento do valor, e ele está no uso, na liberdade que ela tem de interação. A estratégia transmídia utilizada envolve maior tempo dos espectadores, gerando maior popularidade entre os engajados em apreciar o programa. Ela mantém as pessoas mais tempo envolvidas no decorrer da programação para apreciar os detalhes, a complexidade do que acontece e não é transmitido por tempo escasso na televisão (JENKINS, 2014). Induz o público a procurar cada vez mais informações a respeito dos participantes, como, por exemplo, onde estão sendo realizados os ensaios, como é o dia a dia deles, depois do término do programa como é a volta para suas cidades.

  Para Jenkins (2009), o intuito do talent show é conquistar as emoções dos telespectadores para estabelecer vínculo com a rede de televisão, e o investimento, para isso, começa na fase das inscrições para participação; posteriormente, as eliminatórias para concorrer às vagas do programa, com milhares de inscritos fazendo testes. Depois começa a transmissão e os selecionados vão ao ar, sendo que poucos viram finalistas. A cada um desses passos, os espectadores são convocados a imaginar que cada uma daquelas pessoas poderia ser ele ou um amigo próximo, aumentando, assim, as votações a cada semana.

Outra forma de manter os espectadores envolvidos com os talent shows, organizar o diálogo entre a programação e o público e estimular a interação, é a conjugação da televisão com outros meios de comunicação. De acordo com Castro (2006), por exemplo, através da Internet é possível que o público vote no seu candidato favorito, encaminhe e-mails para a assessoria de imprensa do artista e para a produção do programa, acompanhe por meio do site oficial do talent show as últimas notícias a respeito dos participantes; pelo Facebook é possível saber em tempo real as repercussões do programa, através do Twitter é viável que o espectador escreva um recado para o concorrente e essa mensagem apareça ao vivo no programa, entre outras ações nesse canal de comunicação. O telefone é comumente utilizado para que o público vote tanto para que os candidatos permaneçam, quanto para que saiam dos programas, isso ocorre através de ligações e envios de SMS.

Com mais frequência, outras plataformas de interação estão sendo agregadas aos programas televisivos para ressignificar conteúdos e tornar a relação com os públicos mais dinâmica. Para Castro (2006, p. 30, grifo do autor):

(...) a televisão mundial encontra-se em um novo momento: o da pós-televisão, uma televisão que se dirige a públicos cada vez mais diversificados, rompendo com o modelo cristalizado que a televisão generalista e aberta construiu há algum tempo. Os programas estão cada vez mais híbridos e a ficção está constantemente misturada à realidade, assim como a realidade à ficção, utilizando diferentes recursos tecnológicos como a TV aberta e a por assinatura, seja analógica ou digital, a telefonia fixa ou celular, e também a Internet. Além disso, apresenta programas transnacionais de caráter glocalizado; isto é, formatos globais adaptados às características culturais e valores de cada país.

O conceito de glocalização, de acordo com Ortiz (1994), refere-se à mundialização da cultura, interligando os homens através de cotidiano, independente de suas vontades. Dessa forma, desenvolvendo novos sentidos para espaço local e global, por meio de mesclas de conhecimentos populares e internacionais, de maior ou menor intensidade.

Segundo Montpetit (2008), a utilização de diferentes plataformas socializa o talent

show televisionado, para criação de experiências, tirando o programa da sala de estar e

levando para todos os lugares. Através dos diversos dispositivos de comunicação é possível partilhar emoções desenvolvidas a partir de uma programação com pessoas de outros lugares do mundo. Esse aspecto é social é chamado de Social TV.

A social TV é um serviço de vídeo que integra outros serviços de comunicação, como chat, voz, consciência de contexto, avaliações de pares e recomendações, de acordo com Montpetit (2010). O objetivo principal é compartilhar as experiências obtidas através da televisão com grupos de amigos espalhados por redes sociais, em tempo real, como Facebook,

Twitter, YouTube, Instagram, Snapchat. A dinamicidade dos talent shows com os públicos

eleva o programa para uma prática televisiva, unindo momentos distintos, passivo e ativo - o momento passivo do entretenimento e o momento ativo da interação.

O programa The Voice Kids Brasil se utiliza dos serviços de social TV para, além de compartilhar experiências entre os espectadores, permitir que fiquem mais próximos dos concorrentes da atração durante os dias da semana que ela não é transmitida pela televisão. Através de seus conteúdos, as demais ferramentas de comunicação são capazes de cativar e encaminhar a audiência para a televisão.