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A televisão é um dos símbolos da democracia da sociedade de massa, nela são investidas esperanças que ela não será capaz de satisfazer. Através dela são exibidos programas que permitem que os espectadores tenham a sensação de que é possível ter, de forma instantânea, os estilos de vida ali representados. Não são promovidos apenas produtos e serviços, mas a cultura em que aquele produto é valorizado, como, por exemplo, o programa

Casamento à Moda Antiga, veiculado pelo canal SBT, baseado no formato norte-americano Married by America. Neste reality show o objetivo é unir homens e mulheres que desejam se

casar e formar uma família.

A televisão reorganizou a maneira com que as pessoas lidam com o tempo, ela funciona como um espécie de relógio auxiliando a estruturar as atividades diárias de acordo com as programações. Detentora de poder por doar momentos de alegria e renovar perspectivas através de imagens, a televisão se apropria da cultura em que está inserida por meio da grade de programação (CASHMORE, 1998).

Nas 24 horas por dia ela disponibiliza acontecimentos, tramas provocantes e está preparada para instigar o espectador. De acordo com Kottak (2008), através da televisão é possível desenvolver referências, entrar em contato com diferentes culturas e formar impressões próprias sobre diversos assuntos; além de estimular a curiosidade, aumentar a capacidade de comunicação e acelerar a participação em sistemas socioculturais.

Esse meio de comunicação audiovisual expõe modelos culturais de acordo com o lugar e momento que a programação é desenvolvida; levando em consideração que as empresas norte-americanas desse segmento apossaram-se da produção e distribuição de programas para

muitos países - os Estados Unidos, de certa forma, exportam cultura através da televisão. Para Cashmore (1998, p. 232), “isso é feito pelo entretenimento. Enquanto outros se ocupam com a elevação cultural ou com o enriquecimento didático, a natureza comercial da TV americana assegurou-lhe uma ambição cultural mais estreita”.

Muitas vezes, os programas de televisão não discutem assuntos polêmicos, são escolhidos temas despretensiosos e leves, mas constituem padrões para as audiências sem que seja percebido por elas. São estereótipos e clichês originando uma fórmula, representando a realidade porque se utiliza de referências comuns a quem assiste. De acordo com Cashmore (1998), as pessoas, ao assistirem televisão, firmam uma espécie de pacto para produzir significados de maneira que o que está sendo transmitido pareça de bom senso e natural.

A televisão brasileira desenvolveu um sistema de códigos que possibilita aos brasileiros se reconhecerem como pertencentes ao país, integrando expectativas, desejos, além de transmitir originalidade. A partir dos anos 1970, ela proveu aos cidadãos a auto-imagem de brasilidade, auxiliando na organização da sociedade pela integração social almejada pela ditadura militar, introduzindo as pessoas no universo da autoridade da informação visual, “dinâmica pragmática e publicitária da população” e a incandescência da “sociedade do espetáculo” (BUCCI, 1997, p. 19). A eminência tecnológica, agregada à população iletrada que dependia dessa tecnologia para ter ciência dos acontecimentos políticos, fez a televisão ser imperiosa naquele momento no país.

Em uma sociedade, a importância que é admitida à televisão é diretamente proporcional aos índices de subdesenvolvimento e analfabetismo. Para Bucci (1997, p. 15), “se compararmos o Brasil com os países europeus, veremos que aqui não apenas a TV é um hábito mais cultivado e uma referência mais constante, como o poder do veículo (e de cada uma das grandes redes) é incomparavelmente superior”. De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia, desenvolvida em 2016 pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, 63% dos brasileiros optam por se informar através da televisão, desses, 77% a assistem todos os dias, em uma média de 3h35min por dia. Esse estudo também evidenciou que 82% dos brasileiros preferem canais abertos a canais por assinatura.

No Brasil, existem seis redes de canais abertos em atividade: Globo, SBT, Record TV, Bandeirantes, RedeTV! e TV Cultura. Conforme Borgerth (2003), a TV Globo foi fundada em 1961 pelo jornalista e empresário Roberto Marinho, com subsídio de capital estrangeiro da empresa associada Time-Life. A partir da década de 1970, com modernos sistemas de comunicação de massa, passou a ter um grande número de audiência, conseguindo conquistar

e absorver cerca de dois terços das verbas privadas de publicidade destinadas à televisão. Segundo o site da Rede Globo, atualmente, a Rede conta com 118 filiadas no Brasil, chegando a 5.490 municípios.

O SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) surgiu em 1981 com a assinatura da concessão do Canal 4 por Silvio Santos, assumindo, ainda, quatro canais locais formando o Sistema. De acordo com Silva (2000), um dos principais diferenciais é a denominação da organização, chamando-se Sistema, e não Rede.

Rede subentende uma programação rígida, imposta do centro para fora, obrigando as

emissoras afiliadas a transmitir a mesma programação gerada pela matriz, ignorando as conveniências e as peculiaridades regionais. Já sistema é um conjunto de emissoras, espalhadas pelo território nacional, que não se limitam a repetir uma programação imposta. O sistema respeita as aspirações e as potencialidades regionais, artísticas e de comercialização e, assim, as emissoras afiliadas dispões de algumas horas de programação própria diariamente (SILVA, 2000, p. 106).

A Rede Record TV é a mais antiga do país, fundada em 1953. A Rede possui um total de 108 emissoras espalhadas por todos os estados, possibilitando maior agilidade e difusão dos acontecimentos no Brasil, além de valorização da regionalização e dos costumes, de acordo com o Site da Record TV. Ela também disponibiliza ao público o site Emissoras, para que, a qualquer momento, os telespectadores possam se informar sobre as programações, eventos, notícias de última hora.

Em 1967, a TV Bandeirantes iniciou a operar, porém, foi em 1976, com a aquisição da TV Vila Velha e da TV Guanabara, que se deu a Rede Bandeirantes. Foi a pioneira em realização de debates políticos transmitidos pela televisão - em 1982, para eleições do governo do estado de São Paulo, e em 1989, para Presidência da República (SITE GRUPO BANDEIRANTES).

Marcelo de Carvalho e Almicare Dallevo são os fundadores da RedeTV!. Ambos adquiriram a concessão da extinta TV Manchete e a transformaram, em 1999, na Rede, que hoje possui nove emissoras afiliadas e outras cinco próprias. De acordo com Folha Online (2009), atualmente, a grade de programação da Rede é direcionada, na sua maioria, para programas de entretenimento, como talk shows, programas esportivos e humorísticos.

A TV Cultura, idealizada pelo ex-governador de São Paulo Roberto de Abreu Sodré, teve início em 1969, destacando-se pela programação com aspectos culturais e educativos.

Segundo Galvão e Galvão (1989), a missão da TV Cultura é atingir, principalmente, os telespectadores intelectualmente menos privilegiados para visar o desenvolvimento dos públicos e aprimorar culturalmente a população.

Inseridos nas grades de programação dessas redes de canais abertos, Souza (2015) identificou, através de pesquisa realizada entre os anos 1994 e 2003, 31 formatos de programas, aplicados em 37 gêneros e distribuídos em cinco categorias.

Para compreender os gêneros dos programas, é preciso entender o desenvolvimento da televisão sob distintos aspectos, principalmente o tecnológico7. Os recursos para produção

exigem áudio, efeitos especiais, equipamentos, técnicas adequadas, inclusive o canal é uma determinante. Toda pesquisa realizada a esse respeito também deve observar acontecimentos não habituais que possam interferir nas grades das emissoras.

McQuail (2003) define gêneros midiáticos como categorias de produtos culturais que auxiliam os meios de massa a produzir seus programas em harmonia com as expectativas das audiências. Os gêneros devem conter identidade reconhecida pelos produtores e consumidores; essa identidade deve estar relacionada com a função (informação, entretenimento etc.), forma (duração, ritmo, estrutura etc.) e conteúdo; a identidade deve ser preservada através do tempo convencionado e formas culturais preservadas; e determinado gênero deve seguir uma narrativa ou sequência de ações.

Os gêneros são constituídos por formatos que dizem respeito a suas possibilidades e limitações. Para McQuail (2003), os formatos são roteiros para lidar com determinados temas dentro de um gênero - são características gerais, aspectos, elementos de produção como: planos de câmera, edição, figurino, horários, diálogos, periodicidade.

No Brasil, a classificação dos gêneros não acompanha um padrão internacional, ela é flexível de acordo com os interesses de cada rede. Souza (2015) sugere que as definições das emissoras têm como objetivo atrair telespectadores e não enquadrar-se nos regimes. No país, há três categorias de maior abrangência: entretenimento, informativo e educativo. Há uma classificação informal de acordo com os objetivos do programa, que possibilita essa divisão, o que também não impede a inter-relação entre as esferas.

  O conceito de entretenimento é relativamente recente (séculos XIX e XX), surgiu em decorrência da consolidação do capitalismo na fase pós-industrial, em que esse setor cresceu                                                                                                                

7 Alguns pontos deste subcapítulo foram retirados do artigo desenvolvido pela autora intitulado “Televisão

Brasileira: Entretenimento do Espetáculo ao Mito”, publicado nos Anais do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 5 a 9 de setembro de 2016.

mais do que outras indústrias. Ele é uma vantagem competitiva na economia do consumo por estar diretamente ligado no momento da decisão de compra (TRIGO, 2003). O entretenimento é o divertido, irracional, fácil, sensacional, previsível, subversivo; por isso utilizado pelas emissoras e solicitado pelos telespectadores.

Malcher (2009) afirma que o conceito de entretenimento é bastante ligado ao universo popular, envolvendo uma carga pejorativa, tendo em vista que o considerado popular é geralmente caracterizado como menor. Um dos dogmas da cultura era a necessidade de esforço para compreender a arte, enquanto que, para o entretenimento, não era exigido nada, apenas aguçar sentidos e emoções.

De acordo com Watts (1990, p. 20):

O entretenimento é necessário para toda e qualquer ideia de produção, sem exceções. Todo programa deve entreter, senão não haverá audiência. Entreter não significa somente vamos sorrir e cantar. Pode ser interessar, surpreender, divertir, chorar, estimular ou desafiar a audiência, mas despertando sua vontade de assistir. Isso é entretenimento.

Esse perfil, então, consolidou-se na programação brasileira e na expectativa da audiência, além das diversas funções sociais da televisão, como manutenção do equilíbrio, informação etc. A razão pelo prazer é um dos traços da sociedade contemporânea, retrato da busca pelo encantamento, e esse meio de comunicação de massa pode estimular o divertimento fácil (FRANÇA, 2009).

Silva (2012) assegura que as tecnologias - neste caso, a televisão - são instrumentos de aproximação entre as pessoas, habitando a mente com sensações fundamentais, impondo símbolos em uma sociedade do espetáculo. As imagens, partilhadas e reverenciadas, sentimentos e afetos perpassam pelo imaginário e formam o laço social do país. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia transformaram as possibilidades de cultura, artes e entretenimento (TRIGO, 2003), mesclando, cada vez mais, esses aspectos com esporte, educação, moda - uma das características da fase pós-moderna, em que o mundo virtual congregou segmentos.

As previsões da década de 1970, de que a informatização iria possibilitar maior tempo ao lazer para os trabalhadores, não passou de uma ilusão; podendo estar conectado ao trabalho todo o tempo e em qualquer lugar, o ócio se tornou escasso. No pouco tempo livre que lhes resta, a busca pelo divertimento é intensa para fazer valer aquele momento. Assistir televisão

garante, virtualmente, a satisfação simulada do desejo do tempo livre (TRIGO, 2003). De acordo com pesquisa realizada pelo IBGE, o total de domicílios sem antena parabólica e TV por assinatura passou de 28,5%, em 2013, para 19,7%, em 2015. O investimento em televisores de tela fina aumentou 7,6%, em 2015, em comparação com o ano de 2014. Esses dados indicam que os brasileiros se mostram interessados em investir nas contrapartidas que esse meio de comunicação pode proporcionar.

O pilar de sustentação do espetáculo está no campo da economia, assim como as redes de televisão. Autores das sociedades pós-industrial indicaram insaciedade por algo que os encantasse, então, as emissoras, pretendendo angariar telespectadores, optaram por colocar um pouco de brilho em diversos pontos da grade de programação. Assim, ambas partes estariam satisfeitas. Debord (1997, p. 40, grifo do autor) afirma:

A vedete do espetáculo, a representação espetacular do homem vivo, ao concentrar em si a imagem de um papel possível, concentra pois essa banalidade. A condição de vedete é a especialização do vivido aparente, o objeto de identificação com a vida aparente sem profundidade, que deve compensar o estilhaçamento das especializações produtivas de fato vividas (…).

As emoções são cada vez mais vividas de forma coletiva, “o espetáculo abarca o mundo. Até mesmo eventos não programados transformam-se em entretenimento e reproduzem-se exponencialmente” (TRIGO, 2003, p. 22). No dia 13 de novembro de 2015 notícias e imagens de pessoas mortas e feridas dominaram os canais televisivos de todo o mundo. O maior ataque terrorista da história de Paris mobilizou diferentes meios de comunicação que procuravam transmitir dados de agências e fontes diversas. Dessa forma, o espetáculo televisionado permitiu unir o mundo em uma vibração, uma espécie de comunhão. Segundo Siqueira (1999), esse fenômeno pode ser considerado como um transe coletivo, em que os participantes se encontram conectados pela corrente, porém separados espacialmente.

Qual é o caráter da televisão? Reunir indivíduos e públicos que tudo tende a separar e oferecer-lhes a possibilidade de participar individualmente de uma atividade coletiva. É a aliança bem particular entre o indivíduo e a comunidade que faz dessa técnica uma atividade constitutiva da sociedade contemporânea (WOLTON, 1996, p. 15).

Esse estar junto pode ser visto no programa The Voice, que já apresentou cinco temporadas no canal Globo, e no programa Ídolos, que era transmitido pelo SBT e,

posteriormente, pela rede Record, exemplos de reality shows de competições de cantores. Pessoas que têm o sonho de seguirem carreira musical se inscrevem e passam por seletivas até serem escolhidas para participarem do programa. Enfim, o momento em que aparecem na televisão, sendo treinadas por artistas conhecidos e duelando entre si. O público é convidado, em algumas etapas, a participar através de votações para escolher os cantores que gostaria que ganhasse. É um ritual que agrega valor para as emissoras, para os programas e que une os telespectadores, além de lidar com os desejos dos participantes que investem para estar ali. Como explica Trigo (2003, p, 165), “a indústria do entretenimento é uma representação da trama delicada e intrincada da vida. Encarar a vida como um brinquedo ou um jogo é parte integrante dessa indústria”.

Silva (2012) explica que as tecnologias que lidam com o imaginário apelam para a sedução. Na pós-modernidade, elas forjam o afeto e dominam as pessoas por adesão, pelo consentimento, como um contrato revogável a qualquer instante. Nesse contrato, são assimilados valores e discursos efêmeros - o retorno por essa adesão é o prazer imediato.

Por usar dessa estratégia para angariar o maior número possível de segmentos de audiência, esse meio de comunicação lida com discursos textuais e imagéticos em diferentes tipos de programas. Por fazer parte de um sistema em que a sua missão é mediar e informar, o uso de tantas estratégias para prender a atenção dos telespectadores pode interferir na originalidade da mensagem. Siqueira (1999, p. 53) aponta o paradoxo deste sistema:

(…) se, por um lado, a mediação dos meios de comunicação de massa promove o conhecimento e a aproximação do grande público com a ciência, tendendo a facilitar sua compreensão, por outro lado, a faz em forma de espetáculo, como “ficção científica”, diminuindo a credibilidade do conhecimento divulgado.

Debord (1997), em sua 14ª Tese, afirma que no espetáculo o que importa é a economia, o resultado é irrelevante. Nesse ponto em específico, em que o jornalismo científico prioriza o entretenimento, tornar aquele profissional referência em determinado assunto apesar dele não dominar, em detrimento de audiência, pode ser um ícone do espetáculo jornalístico na televisão. O programa Bem Estar, produzido pela Rede Globo, tem caráter jornalístico e trata de assuntos relacionados à saúde. Apesar de levar diariamente profissionais da área como convidados, as figuras de referência são os apresentadores que são jornalistas e também desenvolvem a respeito dos temas selecionados.

Debord (1997, p. 173) esclarece que:

(…) o sentido final do espetáculo integrado é o fato de ele se ter integrado na própria realidade à medida que falava dela e de tê-la reconstruído ao falar sobre ela. Agora essa realidade não aparece diante dele como coisa estranha. Quando o espetacular era concentrado, a maior parte da sociedade periférica lhe escapava; quando era difuso, uma pequena parte; hoje, nada lhe escapa. O espetáculo confundiu-se com toda a realidade, ao irradiá-lo (DEBORD, 2997, p. 173).

O espetáculo mesclado com a realidade permeia todos os gêneros de programas de televisão, porém, nos shows de talentos, é vivido tanto pelos participantes quanto pelos telespectadores essa homogeneidade, tornando-se difícil distinguir o que é parte do espetáculo e o que é real. Além desses aspectos levantados, a televisão, como um meio de comunicação, apresenta formas narrativas para conduzir os programas, que permitem o desenvolvimento da história contada, assim como a compreensão por parte dos telespectadores. Interessa, portanto, saber como os programas se constituem para, posteriormente, poder entender como o The

3 O TALENT SHOW: THE VOICE KIDS BRASIL

Este capítulo apresenta a história do gênero talent show, desde a sua criação, no rádio, passando para a televisão, com as respectivas especificidades. Também se ressalta a importância das categorias sociais para esta categoria de programa, baseado em Tinhorão (1981). O desenvolvimento da técnica e novas plataformas também são abordados pelas teorias de Jenkins (2009, 2014) e Castro (2006), através do aspecto Social TV de Montpetit (2008, 2010). A análise do programa The Voice Kids Brasil deu-se através das teorias do cinema de Bordwell e Thompson (1995) e conceitos de narrativa televisiva de Mittel (2015). Já os personagens foram analisados por meio da teoria literária de Candido (1968).