• Nenhum resultado encontrado

PARTE III: REVENDO O CAMINHAR DOS PROFESSORES ITINERANTES: OS

4.1 O PERFIL DOS PROFESSSORES ITINERANTES

4.1.1 Gênero e tempo de atuação

Esse caminhar envolveu dez profissionais que atuaram e que atuam como professores itinerantes. Entre estes, alguns perpassaram as mudanças paradigmáticas ocorridas na Educação Especial: da integração à inclusão. Para melhor conhecermos nossos participantes, faremos essa análise com referência ao quadro 1 (PERFIL DOS PARTICIPANTES).

Com referência ao gênero, consideramos que a predominância de docentes do sexo feminino está relacionada à história da educação de uma forma geral, ou seja, à condição da feminilização da docência nos anos iniciais, ocorrida no século XX, tendo sido desencadeada por fatores socioeconômicos e culturais.

Com o processo de urbanização e a industrialização, no país, foram impostas novas demandas nas relações de trabalho, de produção e de consumo em massa. Isto fomentou outras possibilidades de inserção no mercado de trabalho, abrindo espaço para a mulher atuar funcionalmente como docente, ora visto que

[...] os homens abandonavam as salas de aula. A feminilização do magistério ganhava espaço. Era a possibilidade que a mulher dispunha de se engajar no mundo do trabalho. Tal possibilidade não subverteria as funções femininas: ser mãe, esposa e dona-de-casa. Eram funções cumulativas (MORAIS; SILVA, 2009, p. 270).

As possibilidades de acesso feminino à docência, portanto, vieram atreladas à condição do exercício profissional, articulado com a manutenção das atividades do lar e da família. Dessa maneira, não implicava que a mulher se distanciasse do seu universo “doméstico”. E, exercesse também a função docente simultaneamente considerada apropriada à sensibilidade feminina, como destacado no discurso oficial45, do relator Francisco Pinto de Abreu, para justificar investimento na formação de professores, no referido período, em nosso estado.

De tal modo, a possibilidade da população ascender ao mundo das letras, quando o acesso à escola começou a ser decorrente das exigências do contexto econômico e político, em detrimento do direito que já vinha sendo reivindicado pelo mundo afora, também trouxe à mulher, na condição de normalista ou de leiga, a oportunidade de ingressar na docência nos anos elementares do ensino.

Na composição da demanda escolar discente estavam inseridas as pessoas com as mais diversas singularidades, que eram comumente marginalizadas do processo escolar, como a massa de trabalhadores, as crianças, as pessoas com deficiência, entre outras. Assim, foi se constituindo a predominância feminina no universo educacional nos anos iniciais, inclusive na Educação Especial, nas mesmas condições sociais e econômicas que atingiram a educação, de forma geral.

Tal predominância feminina na Educação Especial foi observada em outras pesquisas, como a de Pelosi (2008), revelando que, após o segundo ano de implantação do serviço de professores itinerantes na rede escolar do Rio de Janeiro, em 1998, o grupo era tipicamente feminino. Ocorreu uma alteração mínima neste quadro em 2005, com a presença de apenas um professor, em relação a 28 professoras itinerantes.

Esse dado igualmente se repete nas pesquisas de Martins (1993); Pletsch (2005); Rocha e Almeida (2008); Redig (2010). Essa última envolveu, de forma mais ampla, professores especialistas das salas de recursos, classes especiais e itinerantes, no caso 17 participantes, todos do sexo feminino. Por sua vez, Melo (2010) traz em sua pesquisa, entre outros participantes, um grupo de 24 professoras itinerantes.

45 A título de ilustração, citamos esse recorte do Relatório Anual (1906), acerca da educação

do RN, no qual Francisco Pinto de Abreu expressa o desejo de reabrir a Escola Normal de Natal e salienta a importância da inserção da mulher nessa instituição, uma vez que possuía “dotes especiais para a delicada profissão de ensinar” (RIO GRANDE DO NORTE, 1906 apud MORAIS; SILVA, 2009, p. 12).

Observamos que existe certa continuidade nessa predominância do universo feminino na Educação Especial, especificamente no tocante à função de professora itinerante, realidade que é extensiva a outras pesquisas, como demonstrado. Mas tal constituição, em nossa percepção, contém os vieses históricos da educação geral, que vieram com o advento do ingresso feminino no magistério para os anos iniciais, do acesso da população menos favorecida à educação formal.

No que confere ao atributo pessoal da “sensibilidade” para o exercício da docência – conforme já destacado – encontra similaridade nas características do professor com a atuação na infância. Neste sentido, Vieira (2008) faz referência à feminilização da função de educar crianças, como convertida em um símbolo de desvalorização social, por ter se cristalizado no imaginário social a representação de que essa atividade tinha como requisitos a sensibilidade e a paciência.

Concepção histórica relacionada à infância, como tempo de cuidados dissociado do ensino, aspecto que instituía no professor infantil a figura de mero cuidador, papel apropriado à figura feminina, que vem sendo ressignificado ao longo da história.

Tal relação com a Educação Especial advém das concepções acerca das diferenças, com mais evidência em relação à deficiência, demarcada culturalmente por uma concepção assistencialista, caritativa, na qual o cuidar prevalecia no protecionismo às pessoas com deficiência, que eram sempre vistas como pessoas necessitadas de cuidados. Representação que é assumida, ainda hoje, por alguns profissionais ligados à atuação com as pessoas com necessidades educacionais especiais. Isto, como já advertia Amaral (1994, p. 25), tem sua origem em

[...] nossa cultura, pois, muitas vezes os trabalhos efetuados junto a integrantes de grupos minoritários ou estigmatizados revestem-se de uma “aura” (ranço inegável da já discutida visão eivada de paternalismo e assistencialismo), aura essa que, num certo sentido envaidece o profissional. Mas que por outro lado pode vir a ser pesado fardo no exercício de suas funções.

Tal representação, que, ancorada socialmente, imprimiu nos profissionais que atuavam com o alunado com necessidades educacionais especiais a exigência de ter como atributo pessoal a “sensibilidade”, inclusive no que dizia respeito ao professor itinerante. Esse atributo é apresentado como uma das características da

personalidade, dentre outras, para compor o perfil do profissional para o exercício docente na Educação Especial (RAPPAPORT; MACNARY, 1979 apud FONSECA, 1987).

Albuquerque (2009) faz referência a essa particularidade, revelando que para constituição do grupo de professores itinerantes, na rede escolar onde empreendeu sua pesquisa, havia a necessidade de que, na prática, o professor demonstrasse interesse pela área, e “sensibilidade” para lidar com pessoas com necessidades especiais. Pletsch (2005), igualmente, se refere a essa singularidade de professores itinerantes para compor o serviço, como uma avalição meramente subjetiva, trazendo que

[...] para a equipe de Educação Especial, 7ª CRE46, ligada a IHA, mais importante do que a formação profissional, o futuro professor itinerante deve mostrar interesse, uma certa experiência e sensibilidade para lidar com as pessoas com necessidades educacionais especiais (PLETSCH, 2005, p 56).

É inegável a forte marca cultural presente na história dos profissionais da educação, entre outros, os professores que optaram pela área da Educação Especial. Essa caracterização de sensibilidade, mesmo não sendo um atributo exclusivo da mulher, no imaginário social tal particularidade lhes é incutida. Isto vem influenciando na constituição do grupo de professores itinerantes, em detrimento da sua formação profissional, como apontado na fala apresentada.

Porém, corroboramos com Arroyo (2004, p. 30), quando afirma que “[...] ser professor ou professora é carregar uma imagem socialmente construída. Carregar o outro que resultou de tudo”.

Diante de tal imbricamento que constitui a identidade do ser professor, relacionada às representações instituídas acerca da demanda para a qual nos direcionamos, é interessante atentarmos para a predominância da mulher em determinados segmentos da educação, não é meramente casual. Existem questões

46

O Instituto Helena Antipoff possui dez equipes formadas por agentes de Educação Especial, que são profissionais encarregados pelos programas, condução e acompanhamento do encaminhamento dos alunos com necessidades educacionais especiais. Cada Coordenadoria Regional de Educação (CRE) possui uma equipe que articula com o Instituto Helena Antipoff (PELOSI, 2009).

nessa constituição de diversas ordens culturais, históricas, sociais, econômicas e políticas.

Tal identidade traz impressa a representação do grupo no qual o professor atua. Assim sendo, se atuasse na Educação Infantil ou na Educação de Jovens e Adultos seria o professor dessa demanda impregnado dos vieses e das expectativas culturais e sociais acerca desse alunado.

Portanto, a identidade do professor, enquanto homem ou mulher, na Educação Especial, está impregnada de concepções historicamente preconcebidas. Carvalho (2000, p. 23) vem nos lembrar

[...] que a história da educação especial está pontilhada ou por explícitos mecanismos de rejeições concretizadas nas diversas formas de exclusão, ou sentimentos de amor ao próximo, sob as formas de altruísmo, de humanitarismo e de solidariedade, movidos pela piedade, geralmente.

Nesse sentido, a identidade do professor especializado, independente do gênero, está atrelada à identidade do outro, dos alunos com NEE – entre os quais estão os que apresentam deficiência – ou seja, das concepções e das representações que circulam socialmente acerca desses educandos.

Convém atentarmos, porém, para a singularidade da presença feminina, que vem se segmentando no exercício da docência especializada, que traz o viés do acesso da pessoa com necessidade educacional especial ao nível básico de ensino, no caso, o ensino fundamental atual.

Gradativamente, a esse alunado tem sido oportunizado dar continuidade a escolarização e avançar a níveis mais elevados, possibilitando a um número maior de profissionais atuarem com as pessoas que apresentam necessidades educacionais diversas.

Em relação ao tempo de atuação, as vozes anunciaram que os professores itinerantes têm um período de permanência no Serviço de Itinerância bastante prolongado, ora visto que 5 (cinco) dos profissionais pesquisados atuaram por mais de 15 anos, entre as décadas 1970 - 1980. A partir da década de 1990, 4 (quatro) professores possuíam uma média, entre 7 a 11 anos de atuação no referido serviço, até o momento da pesquisa, em 2011. Do grupo, 2 (dois) dos professores (PI.4 e

PI.8) saíram da docência itinerante e foram inseridos em outra atividade, mantendo - se, porém, a sua atuação no campo da Educação Especial.

Em relação ao tempo de permanência na área, é possível vermos que esses professores acumulam experiências, revelando que têm um longo caminhar edificado. De tal forma, têm habilidades e competências oriundas de saberes e fazeres construídos durante o exercício da função, por um período de tempo que lhes possibilitaram personalizar as suas especificidades.

Nesse sentido, Tardif (2010) nos diz que os professores acumulam sua experiência fundamental no início de sua carreira (de 01 a 05 anos). Uma vez mergulhados na prática, essa experiência fundamental tende a se transformar nos “macetes da profissão”, constituindo uma maneira pessoal de ensinar.

Dessa forma, a atuação desses professores tem impressa, na sua identidade, competências relacionadas às peculiaridades do seu fazer que a personaliza, no jeito privado de exercer sua prática e na especialidade do saber construído relacionado à demanda.

De tal modo que o “[...] reconhecimento social desses profissionais acompanha o reconhecimento social do campo em que trabalham, dos sujeitos com que trabalham, ou dos valores a que sua ação se vincula” (TARDIF, 2010, p. 32).

Nesse sentido, é preciso atentarmos para o imbricamento que existe no papel do professor especializado, pois o lugar que este ocupa está impregnado das concepções que circulam acerca do aluno com NEE, dos modelos postos e mobilizados, assim como na posição da área de atuação, no caso a Educação Especial, na educação em geral.

Essas nuances e mais algumas não detalhadas como barreiras atitudinais são impressas igualmente na identidade do professor itinerante, a partir da relação com o aluno considerado “especial”, entrelaçando o caráter de valor e reconhecimento destes, intrinsecamente. Desta forma, o espaço do professor especializado na configuração educacional vai se constituindo na relação que outros educadores têm com este alunado, como aprendiz ou não.

4.2 ASPECTOS DA FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DO PROFESSOR

Documentos relacionados