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Capítulo III – “O Pijama”: A Terceira Idade para o Militar

3.3 Gênero e velhice

Nenhum dos informantes, tampouco suas esposas, participam de grupos de terceira idade como os estudados por Flávia Motta (1998). A socialização destes militares é recriada em outros âmbitos, mas de fato eles não se dessocializam, mas continuam a pertencer ao Círculo Militar e são freqüentemente convidados a participar

de “solenidades” no Quartel. David Unruch (apud Caradec,2001), aponta que o avanço da idade não é impeditivo de uma integração social num duplo movimento de “engagement et desengagements”. Apenas Coronel Romeu não freqüentava mais as atividades desenvolvidas pelo Batalhão. Preferia jogar dominó em casa83 ou nas proximidades com um grupo de vizinhos, o qual chamava de UTI, explicando em seguida, que assim chamava por que de vez em quando morre um.... Penso que não mais estava inserido no meio militar, porque já não se sentia mais pertenço ao grupo, apesar de ser conhecido pela vizinhança de Coronel Romeu.

A partir disso penso que a hegemonia masculina do militar é ressignificada no plano do mundo civil, pois é para o universo militar que ele está “fora da ativa”, tornando-se um anônimo e assim perdendo sua hegemonia masculina. Mas, por outro lado, o militar continua “sendo coronel” no universo civil. Deste modo, acredito que a velhice masculina seja vivida diferentemente dependendo do local estratégico que o homem ocupe na hierarquia masculina, pois, a velhice do militar masculina incorpora poder no universo civil, perdendo-o, proporcionalmente, no militar.

Neste sentido as identidades hegemônicas sempre se mantém hegemônicas em algum lugar. No caso dos militares, a hegemonia toma forma no trabalho, na atividade profissional, uma solução para um problema que não é o financeiro, afinal este é um dos problemas que normalmente acometem aqueles que se aposentam, que precisam adaptar seu modo de vida às novas condições econômicas. Este, no entanto, não é um problema vivido pelo oficial militar pois sua renda não é alterada, deste modo ele não sofre perdas financeiras, tampouco é modificado seu modo de vida. No caso de meus informantes, a aposentadoria traz um maior conforto financeiro pois eles têm mais uma fonte de renda.

A volta ao trabalho possui o significado da não perda da hegemonia construída nos pátios de um batalhão.

Um fato ocorrido durante meu trabalho de campo pode ilustrar esta afirmação da perda da hegemonia no universo militar e a incorporação da hegemonia no

83 A aposentadoria, concomitantemente ao avanço da idade, se traduz numa aproximação do espaço doméstico. As dificuldades físicas, aliadas ao declínio das atividades realizadas fora de sua casa, fazem com que o indivíduo valorize mais sua casa e restrinja seus movimentos exteriores à esta. Neste sentido a televisão, o rádio e os jornais, cumprem um importante papel, fazendo com que o indivíduo não se sinta a parte do mundo (Caradec, 2001:78).

universo civil. Em setembro de 2000, Coronel Romeu, na ocasião com 80 anos, teve sua casa invadida por alguns detentos em fuga de uma delegacia próxima a sua casa. Quando ele percebeu a movimentação de policiais, e as viaturas em sua rua, imediatamente foi ao jardim da casa, procurou um pedaço de madeira e saiu à procura dos foragidos. Naquele instante, um policial que entrava em seu jardim, diz ao Coronel:

Vovô, acho melhor o senhor entrar! Ao que Coronel Romeu responde: Vovô não, eu sou um Coronel de Infantaria. O policial então conclui: Mas o senhor já está aposentado. Deixe que a gente cuida disso Coronel. O fato é que Coronel Romeu neste

período já estava visivelmente doente, seus passos não eram tão firmes que caminhava com cautela. Mas, neste fato, atento ao modo do policial inicialmente chama-lo de “vovô”, pois para o Coronel Romeu o importante era ressignificar sua identidade de coronel, afinal velho é o vovozinho, eu sou Coronel da Infantaria. A velhice dele era trabalhada no plano das identidades de gênero, na medida em que ser vovô colocava em risco sua identidade de militar. O policial na segunda vez que o interpelou o chamou de coronel. Ele não deixou de ser coronel, mas ele não possui mais o capital simbólico que um coronel que está na ativa possui.

Estes fatos me foram relatados por Kelly84, empregada doméstica do Coronel Romeu e que também tornou-se minha informante. Mas quando perguntei a ele o que havia acontecido em sua casa, visto que fora um acontecimento transmitido pela mídia, inclusive com entrevista de Kelly contando o ocorrido, ele respondeu que, sabendo do bandido em seu jardim, saiu atrás dele com um pedaço de madeira, mas que quando a polícia chegou o bandido já havia “escapulido”. Para a polícia, o Coronel Romeu era apenas um aposentado, independente de seu passado militar e, portanto, sem força física para agir na captura de um foragido. Mas para ele, sua identidade militar e seu posto eram suficientes para “caçar” aquele bandido.

Outro exemplo que também ilustra a constatação de que a hegemonia masculina no universo militar decresce quando o oficial se aposenta também é protagonizada por Coronel Romeu. Em uma das minhas visitas, Coronel Romeu conta

84 Observo neste dado que a empregada conquista hegemonia ao relatar o caso. Havia sido ela também entrevistada pela imprensa. Era uma relação de hegemonia que se fortalecia quando ela falava baixo (o coronel era um pouco surdo) para me contar “coisas” estando em frente ao coronel, desse modo que ela estabelecia uma relação de empoderamento com ele. Agradeço os comentários de Flávia Motta.

que um certo amigo não volta mais ao quartel pois: tem que bater continência para

soldado que nem sabe quem ele é. Relatou que este militar reformado, ao querer entrar

no batalhão, foi solicitado pelo soldado que deixasse a carteira de identidade na guarita. Ele se recusou a fazê-lo, até que o deixaram entrar sem a necessidade de deixar sua carteira. Neste momento, fiquei me perguntando se não seria ele o personagem desta história. Por diversas vezes o convidei para a ir comigo visitar o Batalhão, o 63º Batalhão de Infantaria, no bairro Estreito, porção continental de Florianópolis, próximo de sua residência e onde havia servido, ocasiões em que ele respondia que não, que não saía mais de casa, e em seguida mudava de assunto.

Um acontecimento semelhante ocorreu na pesquisa de Rita Machado (2001) com um dos aposentados na empresa em que fazia a sua investigação. Em certo dia os recém aposentados se revoltaram pelo fato de terem que utilizar um crachá de visitante para ingressarem no prédio da empresa em que trabalhavam até recentemente. Seguindo uma sugestão da autora, este fato é revelador de um dos impactos do rompimento com o trabalho, e pode-se acrescentar que para os militares isto é revelador de um desvinculamento. No caso dos ex-funcionários e recém aposentados desta empresa, eles conseguiram a extinção do crachá, no quartel ainda é exigido a carteira de identidade de pessoas “desconhecidas”.

A partir destes fatos tendo a concordar com Caradec (2001), que caracteriza o envelhecimento pela perda de papéis sociais, papel profissional com a aposentadoria e também papel familiar com a partida dos filhos. A questão que propõe Caradec é saber como as pessoas que envelhecem reagem a esta perda de papéis. Neste caso especificamente a perda da força física e do prestígio.

Clarice Peixoto (1994:156) propõe que a experiência da velhice é muito mais um fenômeno feminino que masculino: “não somente a intensidade e a freqüência dos problemas ligados à idade são mais importantes nas mulheres do que nos homens mas, sobretudo, porque alguns deles estão intrinsecamente ligados ao sexo feminino”. Para os homens a “lucidez” garante a distinção entre eles e os que são os “velhos” e a velhice é representada para o masculino como perda de seus domínios físicos e do que ocorre ao seu redor. Segundo Debert (1994:40): “A lucidez é o que garante que os homens de

mais idade não são velhos e que apesar da idade têm conhecimento profundo da realidade social e política em que vivem” .

Observei alguns destes aspectos nesta pesquisa. Penso que as representações de velhice são diferentes para os homens e para as mulheres, assim como penso ser evidente que os processos físicos são diferentes para a mulher e para o homem. Mas, acredito ser possível dizer que existem “velhices” e “velhices” tanto para mulher quanto para homem.

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