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CAPÍTULO 1: PERCURSO HISTÓRICO DOS ESTUDOS SOBRE OS

1. Gêneros na perspectiva sócio-histórica

1.1 Gêneros na retórica

A Retórica se desenvolveu em Atenas, segundo Barilli (1979), alicerçada por uma democracia consolidada que outorgava aos seus cidadãos o direito a participar diretamente das assembléias populares, que possuíam funções legislativas, executivas e judiciárias. Todos os assuntos eram submetidos ao voto popular – a organização do estado, a fixação de impostos, a declaração de guerra e até mesmo a morte de um cidadão.

Nesse contexto, cabia, muitas vezes, ao cidadão expor sua opinião diante de uma platéia, necessitando, para isso, da habilidade em raciocinar, falar e argumentar corretamente. Para tanto, existia uma educação voltada a esse exercício político, sob a responsabilidade dos professores denominados sofistas. Competia a esses mestres na arte do bem falar, ensinar a retórica ou “a arte da persuasão exercida nos tribunais e nas outras assembléias a propósito daquelas coisas que são justas e injustas” (PLATÃO, 1989, p. 62). Foram os sofistas, portanto, os primeiros protagonistas da história da Retórica.

Contudo, posteriormente, o termo sofista sofreu um grande desgaste, vindo a adquirir um sentido negativo, devido às severas críticas por parte de Platão, em cujas considerações acusa os sofistas de utilizar a retórica com o intuito de “ocultar a verdade, oferecer armas desleais e práticas à oposição inferior no plano lógico” (BARILLI, 1978, p. 15). Platão defende o universalismo e o absolutismo da verdade, ignorada, segundo ele pelos sofistas, para os quais, a verdade só é certa para quem a anuncia e para os que nela acreditam. Esse relativismo condenado por Platão expressa sua preocupação com a ética da retórica, que, por ser uma técnica instrumental, poderia ser empregada com bons ou maus propósitos.

Obviamente, na Grécia antiga, muitos tratados sobre retórica foram elaborados por sofistas e oradores; no entanto, coube a Aristóteles fundamentá-la e sistematizá-la. Em sua obra clássica, Arte Retórica, ele conceitua a retórica e divide-a em categorias, nomeando as diversas técnicas empregadas.

De acordo com Barilli (1979, p. 13), “a retórica encontra sua razão de ser unicamente onde for posta em dúvida a existência de uma verdade como dado externo à comunicação entre os homens, à livre troca e confronto de opiniões, que não pode dar-se através do instrumento verbal”. Esse posicionamento deixa claro que a retórica aplica-se ao domínio do discurso em todos os níveis, e sua aplicação está diretamente voltada para a obtenção da maximização dos seus efeitos sobre o público.

Remonta à classificação aristotélica a divisão da retórica em três gêneros, caracterizando-se cada um deles de acordo com os auditórios a que se dirige o orador. São os auditórios que imprimem as características específicas aos gêneros retóricos. Sendo assim, o gênero judicial (genus iudiciale) tinha o seu local privilegiado no tribunal; gênero deliberativo ou político (genus deliberativum) era praticado na ágora – a praça pública; e o gênero epidíctico ou demonstrativo (genus demonstrativum) empregava-se em reuniões, elogiando ou censurando uma pessoa.

Conforme Sudatti (2003, p. 71), esses gêneros também se distinguiam pelo tempo: fatos passados, futuros ou presentes; pela finalidade: acusar, aconselhar, censurar, entre outros; e pelos valores que invocariam, como poderá ser observado no quadro abaixo:

Quadro 1: Gêneros do discurso retórico

GÊNERO AUDITÓRIO TEMPO ATO VALORES ARGUMENTO

(tipo) Judiciário

(genus iudiciale) juízes

passado (fatos por julgar) acusar defender justo Injusto entimema (dedutivo) Deliberativo (genus deliberativum)

assembléia futuro aconselhar desaconselhar útil Nocivo exemplo (indutivo) Epidíctico (genus demonstrativum)

espectador presente louvar censurar

nobre

vil amplificação In: Sudatti (2003. p.72)

Os argumentos apresentam-se sob duas formas: induções, ou o uso de exemplos, e deduções, chamadas em retórica de "entimemas". O entimema ou silogismo retórico é aquele tipo de silogismo em que as premissas não se referem àquilo que é certo, mas àquilo que é provável, e tem importância fundamental para a retórica já que, na maioria dos casos em que estão em jogo assuntos humanos, nem sempre se pode basear a argumentação apenas naquilo que é verdadeiro, mas apenas no que é verossímil.

Todas as concepções aristotélicas foram introduzidas na cultura romana que, posteriormente, a transmitiu ao mundo ocidental. Convém destacar que, durante o Império Romano, a retórica e seus praticantes gozaram de grande prestígio, justificado pela importância do direito para a unificação do Império, uma vez que a prática judicial era de suma importância para o mesmo.

Devido a esse papel, muitos oradores romanos tornaram-se reconhecidos, no entanto, o maior destaque tem sido dado a Cícero, pois sua obra influenciou sobremaneira a civilização ocidental. Há, porém, um distanciamento entre as concepções de Aristóteles e

as idéias de Cícero. De acordo com Sudatti (2003, p. 72), “o orador aristotélico se formava participando da vida da polis (...) com o imperialismo romano, esta retórica viva que floresceu na democracia grega é substituída por uma prática argumentativa fora de contexto vivencial”.

Para Aristóteles, o orador é um agente do discurso e da ação discursiva, seu distanciamento deste papel empobrece a função da retórica; enquanto para Cícero, o orador está fora do seu tempo e de sua história. Em sua obra, as figuras e as técnicas de persuasão adquirem um caráter classificatório e normativo, passando a idéia de arte no sentido mais subjetivo, de criação individual, ligada à estilística.

Após a queda do Império Romano, a retórica foi progressivamente desprestigiada, situação agravada com a concepção racional cartesiana. Assim, a tradicional retórica grega foi deposta de seu status racional. Obviamente, ao longo da história, podemos citar o Renascimento e o Iluminismo como movimentos que retomaram as concepções retóricas, contudo, não resgataram o valor intelectual que lhe era de direito.

Somente na segunda metade do século XX, essa técnica discursiva é retomada, inicialmente, por Perelman & Olbrechts-Tyteca (2002) que, a partir dos anos 60, a concebem como a arte de argumentar. Surge, então, o que se passou a denominar a nova retórica.

A nova retórica diz respeito à busca do valor das coisas afora o saber científico. Para ela, no saber empírico há a lógica do verossímil, a qual é denominada argumentação e é destacada por seus renovadores como base da dialética. Convém destacar a lingüística, a semiótica, a pragmática e a análise do discurso que, no século XX, configuraram-se como ciências, cujos estudos muito beneficiaram a atual concepção de retórica (ABREU, 2002).

Diante do que foi discorrido, percebemos que a mais antiga concepção de gênero, de caráter discursivo, provém da retórica; todavia, paralelamente a esse entendimento, corriam as primeiras impressões sobre gêneros literários, contidas, primeiramente, na República, de Platão, como poderá ser observado a seguir.

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