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A minha questão não é acabar com a escola, é mudá-la completamente, é radicalmente fazer que nasça dela um novo ser tão atual quanto a tecnologia. Eu continuo lutando no sentido de pôr a escola à altura do seu tempo. E pôr a escola à altura do seu tempo não é soterrá-la, mas refazê- la.

(FREIRE; PAPERT, 1996).

Iniciada no século passado, a Escola da Ponte continua sendo uma experiência pedagógica considerada inovadora7. Seu Projeto Pedagógico, de 2003, surgiu para determinar princípios que compreendem solidarizar companheiros ao redor de um movimento que se mantém coeso pela existência de uma intencionalidade educativa coerente e eficaz, que é reconhecida e assumida por todos: alunos, pais, profissionais de educação e demais agentes. O projeto desafia os limites que as ideologias de reprodução das desigualdades sociais incutem no todo orgânico da escola tradicional, pois se orienta no sentido de trabalhar para a formação da autonomia, responsabilidade e solidariedade, de forma democrática e comprometida com a "construção de um destino coletivo e de um projeto de sociedade que potenciem a afirmação das mais nobres e elevadas qualidades de cada ser humano" (ESCOLA DA PONTE, 2018).

Conforme Marchelli et al. (2008), a Escola da Ponte reconhece aos pais o direito irrecusável de escolher o projeto educativo que acreditam ser o mais adequado à formação dos seus filhos e, ao mesmo tempo, disponibiliza o direito de sugerir a eles e à sociedade a aplicação

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Há muitas experiências semelhantes em outros países, como, na Itália, as escolas da cidade de Reggio Emilia, que representam a excelência em educação infantil. Nesse país, o ensino elementar é mantido pelo governo federal e obedece a moldes tradicionais. Os programas educacionais são referência no mundo e as instituições de ensino de Reggio Emilia fizeram um longo trabalho de transição desde que foram criadas. A prefeitura da cidade mantém a instituição Reggio Children, administrando as atividades de intercâmbio educacional com todo o mundo.

do que a família considera mais apropriado à formação integral dos seus educandos. A escolha é feita em conjunto.

O Projeto Pedagógico da Escola da Ponte se estabeleceu no contexto da comunidade envolvendo referenciais de pensamento e ação delineados e orientados com a participação democrática de todos os agentes (gestão, professores, funcionários, alunos e pais) e parceiros envolvidos na vida escolar e na administração escolar.

Foram as pessoas que fizeram a diferença no caso da Escola da Ponte, foi graças a elas que se desenvolveu um projecto educativo singular, foram elas, especialmente os professores, que mantiveram e deram “vida” aos espaços em área aberta. (MARTINHO, 2011, P.217).

Para entendermos um pouco melhor os princípios da Escola da Ponte, voltemos aos anos setenta do século passado. No ano de 1976, o professor José Pacheco e outros professores começaram a contestar o sistema educacional, pois “a Escola da Ponte apresentava um complexo conjunto de problemas: o isolamento dos professores, a exclusão escolar e social de muitos alunos, a indisciplina generalizada e agressões a professores”. (PACHECO, 2014b, p. 12).

Os professores perceberam que, embora os educadores se dedicassem e preparassem uma excelente “aula”, ainda assim alguns alunos não conseguiam obter o êxito, ou seja, aprender. Ele, então, começou a observar o processo de ensino e aprendizagem e iniciou uma reflexão para encontrar soluções que constatassem o fator responsável pelo fracasso escolar de grande número de alunos que não conseguiam aprender. Resolveu que a sua prática devia ser repensada, começando uma investigação que originou mudanças significativas nos métodos tradicionais de ensino.

Em suas observações, o professor verificou que, em alguns casos, muitos estudantes conseguem aprender mais fora da escola do que dentro da instituição escolar e que a escola acaba por inibir o próprio desenvolvimento cognitivo, quando, na verdade, deveria fomentar a curiosidade e o saber. Pacheco diz que, na Escola da Ponte, como em outros lugares, é indispensável “alterar a organização das escolas, interrogar as práticas educativas dominantes. É urgente interferir humanamente no íntimo das comunidades humanas, questionar convicções e, fraternalmente, incomodar os acomodados”. (PACHECO, 2014a, p.13).

Nessa concepção de criar algo inovador, de “quebrar” com os paradigmas educacionais vigentes, despontou o Projeto Fazer a Ponte, com a perspectiva de agregar as concepções pedagógicas existentes e ir além, criar algo novo, atrativo, funcional, que atendesse às necessidades dos alunos do século atual, orientado pela ação coletiva de professores que

almejavam por mudanças, com o pensamento que incentivava a prática e a valorização da escuta, do respeito, e acreditando na criação de mais “pontes” para uma educação de qualidade.

Uma escola que possibilita ao aluno o aumento da sua autoestima e da sua autonomia, favorecendo ao sujeito um meio de desenvolver a sua aprendizagem de modo a agregar valores, que lhe permita vivenciar um modelo de ensino eficaz, atual, solidário, comunitário e responsável. (SILVA, 2018a, p. 36).

Porém, para inovar é necessário despojar-se do pensamento comum e abrir-se ao novo e, muitas vezes, essa novidade não é bem aceita, pois a novidade, às vezes, assusta as pessoas. É um grande desafio inovar suas práticas cotidianas, imaginar novas formas de ensinar, pois também é necessário reaprender diante de tantos atributos. E a mesma resistência dos educadores também está presente nos educandos: muitos não desejam a mudança, também se assustam diante do novo. É necessário descobrir novos caminhos para a transformação.

A Escola da Ponte criou um modelo de educar diferenciado, respeitando a maneira de cada estudante caminhar para a construção da própria aprendizagem, bem como a singularidade e a especificidade de cada um. O estudante escolhe o que vai ser estudado, podendo pedir ajuda ao colega e ao professor. Ele tem contato com o conhecimento de maneira autônoma, solidária, participativa e sem medos.

3.3.1 Junto e misturado

Entre os valores praticados na Ponte estão: legitimar e incentivar os alunos na prática da afetividade, da honestidade, do respeito, da responsabilidade e da solidariedade. Nesse sentido – da afetividade –, cabe lembrar Lev Vigotsky (1987), que busca fortalecer e embasar essa ideia:

O pensamento tem sua origem na esfera da motivação, a qual inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção… cada ideia contém uma atitude afetiva transmutada com relação ao fragmento de realidade a que se refere. Permite- nos ainda seguir a trajetória que vai das necessidades e impulsos de uma pessoa até a direção específica tomada por seus pensamentos, e o caminho inverso, a partir de seus pensamentos até o seu comportamento e a sua atividade. (VIGOTSKY,1987, p. 6- 7).

Assim, a prática da afetividade propicia uma receptividade entre as pessoas: a confiança e a relação entre os pares, sejam eles estudantes, sejam professores, ou entre ambos, ou mesmo ultrapassando os muros da escola, na comunidade externa, contribuem para que outros valores se desenvolvam, cocriando uma rede de afetividade.

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