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2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.2 Gênese, Evolução e Conceito

Ao enfrentar a temática atinente aos direitos fundamentais, antes de mais nada, é preciso lembrar sua gênese e evolução, estabelecendo ainda sua conceituação.

Os direitos fundamentais surgiram da idéia-matriz de que era preciso proteger o ser humano contra investidas do Estado, em relação a ele, em pontos vitais para o exercício pleno de sua condição superior de ser racional, relacionadas com seus direitos vitais, como a liberdade e a igualdade.

Diz Rogério Gesta Leal73 estar convencido que de que os direitos humanos

são produto da história, originários de lutas travadas objetivando a preservação da liberdade e a implementação da igualdade do ser humano.

73 LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais no Brasil.

Contribuíram para o nascimento dessa idéia e como fundamentação para o reconhecimento desses direitos, conforme Vieira de Andrade74, doutrinas filosóficas, como intenções dos homens, antes de constituírem temática jurídica; as idéias do direito natural, desde a época dos estóicos, pois estes já falavam em dignidade e igualdade; e, além disso, o Cristianismo, especialmente na Idade Média, após São Tomás de Aquino, e sob forte influência escolástica, apregoava, em síntese, que todos os homens são filhos de Deus e, nesta condição, são iguais em dignidade, não havendo razão, assim, para qualquer distinção entre eles em razão de raça, cor ou cultura.

Ao tratar da gênese dos direitos fundamentais, Alexandre de Moraes75 salienta:

Os direitos humanos fundamentais, em sua concepção atualmente conhecida, surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosóficos, das idéias surgidas com o cristianismo e com o direito natural.

Essas idéias encontravam um ponto fundamental em comum, a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporâneo.

Assim, a noção de direitos fundamentais é mais antiga que o surgimento da idéia de constitucionalismo, que tão-somente consagrou a necessidade de insculpir um rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberana vontade popular.

Ao analisar a formulação dos direitos fundamentais em pactos, observa Pérez Luño76 que a história do processo de positivação dos direitos fundamentais começa na Idade Média. É nessa época que são encontrados os primeiros documentos jurídicos nos quais, ainda que de forma fragmentária e com significação duvidosa, aparecem reconhecidos certos direitos fundamentais. Exemplo desses documentos fragmentados seria uma série de cartas que tinham como ponto comum o reconhecimento de alguns direitos, tais como o direito: a) à vida; b) à integridade

74 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 3.

ed. Coimbra: Almedina, 2004. p. 15-17.

75 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 19,

prefere a nomenclatura direitos humanos fundamentais.

76 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, estado de derecho y Constitución. 6. ed.

física; c) de não ser preso sem previsão legal; d) à propriedade; e) à livre escolha do domicílio e a sua inviolabilidade.

Mas, como salienta Pérez Luño77, de todos os documentos medievais,

inequivocamente, o que alcançou maior significação, sendo o mais importante no processo de positivação dos direitos humanos, foi a Magna Charta Libertatum, ou seja a Carta Magna, pacto estabelecido entre o Rei João (cognominado Sem Terra) e os bispos e barões da Inglaterra em 15 de junho de 1215, em que eram de certa forma reconhecidos os privilégios feudais, o que representava uma involução sob o ponto de vista político, mas que, por outro lado, assinalou um marco histórico significativo para o desenvolvimento das liberdades públicas inglesas.

Cabe ainda salientar que, mais tarde, conforme registra Pérez Luño78, com as declarações americanas, se abriu uma nova fase no processo de positivação dos direitos fundamentais.

Impõe-se aqui também registrar a contribuição dada pela França para o surgimento de uma vontade efetiva que levou ao reconhecimento dos direitos humanos, especialmente advinda das filosofias reinantes no século XVIII, com destaque para o Contrato Social de Rousseau, o que contribui para que mais tarde eles fossem positivados, pela primeira vez, com o advento da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789; antes disso, a Grã- Bretanha, mediante o Bill of Rights, de 1689, e a Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776, já haviam reconhecido a importância dos direitos do ser humano, conforme revela Jean-Jacques Israel79

77 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Op. cit., p. 112. 78 Ibidem, p. 114.

79 ISRAEL, Jean-Jacques. Direito das liberdades fundamentais. Tradução de: Carlos Souza. Barueri,

Manole, 2005. p. 6. Salienta este autor, também, que: “Durante muito tempo, a partir do século XIX, a tradição francesa preferiu a noção de liberdades públicas à de direitos do homem, embora estes últimos tenham, historicamente, uma existência bem mais antiga, notadamente pelo viés da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789. É preciso, portanto, notar uma originalidade do sistema francês na preferência dada à expressão ‘liberdade pública’. No entanto, a expressão ‘direitos do homem’, empregada no âmbito internacional, entrou para o uso comum na França. Ela é, inclusive, mais ampla que a expressão ‘liberdades públicas’”.

Outro ponto que merece ser devidamente esclarecido diz respeito ao uso das terminologias direitos humanos e direitos fundamentais, até mesmo para verificar se são sinônimas ou se referem a direitos distintos.

A esse respeito, cabe inicialmente observar que Ingo Sarlet80, ao tratar da nomenclatura direitos fundamentais, na atual Constituição brasileira, lembra “[...] que o nosso Constituinte se inspirou principalmente na Lei Fundamental da Alemanha e na Constituição Portuguesa de 1976, rompendo, de tal sorte, com toda uma tradição em nosso direito constitucional positivo”.

Ao enfrentar essa temática, Pérez Luño81, depois de salientar que grande parte da doutrina entende que os direitos fundamentais são aqueles direitos humanos positivados nas constituições dos Estados, mas que, de outro lado, há quem pense serem os direitos fundamentais aqueles princípios que resumem a concepção do mundo que informa a ideologia política de cada ordenamento jurídico, observa, ao final de sua análise, que há uma tendência de se reservar a denominação direitos fundamentais para designar os direitos humanos positivos em nível interno, enquanto a nomenclatura direitos humanos é mais usada no plano das declarações e convenções internacionais.

Ao tratar da distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos, preleciona Ingo Sarlet82:

Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).

80 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2003. p. 32.

81 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Op. cit., p. 31. 82 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 33-34.

Por sua vez, André Ramos Tavares83, ao tratar desta temática, observa que “A expressão ‘direitos fundamentais’ em muito se aproxima da noção de direitos naturais, no sentido de que a natureza humana seria portadora de certo número de direitos fundamentais. Contudo, sabe-se que não há uma lista imutável dos direitos fundamentais, que variam no tempo. Daí a inadequação do termo.”

Ao discorrer sobre direitos do homem e direitos fundamentais, de forma sintética preleciona Canotilho84:

As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são freqüentemente utilizadas como sinónimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio- temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.

Em razão dessa análise doutrinária, é possível afirmar que se entende por direitos fundamentais os direitos inerentes ao ser humano que, pela sua importância, foram acolhidos por normas constitucionais de um Estado; enquanto, por direitos humanos, se devem entender aqueles interesses relevantes para esse mesmo ser, reconhecidos internacionalmente, mas que ainda não foram positivados em nível constitucional.