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5.2 APRESENTAÇÃO DOS ENTREVISTADOS

5.2.1 Gabriel: necessidade e superação

Gabriel tem uma história de vida baseada em diversas transformações. O hoje professor da Universidade Federal de Pernambuco e Auditor da Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco não teve um caminho dos mais fáceis para se estabelecer na posição que se encontra nos dias de hoje. Vindo de uma família pobre da periferia da cidade do Recife, ele se encontrou entre os caminhos do trabalho e dos estudos desde criança. Trabalhou em diversas atividades, ainda na infância, geralmente vinculado as pequenas vendas, como de cocadas no estádio do Santa Cruz e como diversos garotos, investindo no seu sonho de ser um dia um jogador de futebol, passando pelas chamadas “peneiras”52 do clube em questão. Talvez pouco sabia ele que essa seria a primeira dos diversos processos seletivos que ele viria passar durante a sua vida profissional.

Mesmo inserido nesta socialização ao trabalho desde a infância, a sua relação com os estudos foram sempre colocadas como uma necessidade clara, estabelecida por sua mãe, professora primária. Isso fez com que crescesse em si um senso de responsabilidade, uma forma de pensamento que se estabelece como um compromisso necessário em cumprir aquilo que lhe foi pedido. A sua relação com a vida parece transcorrer através da sua interação social e com as descobertas de novas possibilidades que sempre apareciam como um desabrochar de expectativas nunca pensadas anteriormente. Isto se destaca na entrevista em uma palavra repetida como forma de contemplar a sua relação com o mundo: convivência.

Esta convivência como experiência transformadora das suas relações sociais pode ser descrita nessa apresentação em cinco momentos distintos. O primeiro momento se passa na infância e traz consigo uma faceta da educação que ainda não tinha passado pela plena realização: o reconhecimento. Dotado de um senso de responsabilidade desde muito novo, as atividades escolares eram uma tarefa que traziam um sentido à sua vida, o reconhecimento se passa ao aprender francês na escola e ser reconhecido pelo professor, um padre, na sua capacidade de conjugar o verbo amar com perfeição. A partir deste momento, o professor o chama para ser tutorado na língua francesa, através de aulas particulares, e um novo mundo se abre com a percepção da existência de uma outra língua, uma outra maneira de se comunicar que nunca antes havia imaginado.

A segunda experiência que ele passa é a descoberta da Universidade. Mesmo sendo um aluno aplicado, esse universo de conhecimento não lhe era palpável, e ainda por cima, não era conhecido pelo mesmo. Morador de uma comunidade periférica, ele nos conta que a descoberta ______________

desse ambiente se dá a partir da primeira pessoa do seu bairro que passou em um vestibular, quando uma festa foi dada como forma de comemoração, até então essa era uma esfera da educação desconhecida pelo entrevistado.

Gabriel: Fizeram uma festa mesmo, na rua! Foi uma coisa com o irmão de Jonas, uma pessoa mais velha do que nós. Quando ele trouxe a notícia que ia entrar na universidade. Mas universidade, onde fica isso? A primeira pergunta era onde fica... Foi o vestibular, e a tia dele não sabia nem o que significava vestibular, eu as vezes ainda brinco com isso na sala de aula que a tia dele tinha uma lojinha, uma vendinha, pequenezas, e ela disse, chegou lá e disse: ô, Zezinho, você passou em que mesmo nesse negócio? Ele disse: Passei pra fazer letras. Ela disse: ah, meu filho, isso é muito importante, porque eu tô com uma plaquinha de vender picolé parada.

Após descobrir o que era a Universidade, Gabriel acabou por entrar no curso de música durante a década de 1970. Ele nos fala da abertura de um novo mundo em sua cabeça, não apenas pelo contato com um curso superior em si, mas pelo contato com diversas formas do saber, organizados não necessariamente pelo ambiente de aulas, mas novamente através da convivência que ele tinha com pessoas, nos corredores, restaurante universitário e áreas afins da Universidade como um todo.

Nesse momento ele presta o primeiro concurso da sua vida, sua terceira experiência, para o Banco do Estado de Pernambuco (BANDEPE), fazendo testes para duas vagas ao mesmo tempo: uma vaga de contínuo e uma vaga de escriturário. Ele passa nas duas, ficando inicialmente na vaga de contínuo, como auxiliar de portaria, mas sendo chamado imediatamente para a vaga de escriturário, cargo de cunho mais administrativo. A partir deste momento ele tem a sua vida dividida entre o trabalho e o curso de música, escolhendo assim ir para uma área que tivesse mais retorno para o seu futuro. Mesmo realizando um sonho de se ver na música, a necessidade de um curso com mais retorno direto o fez migrar para a área de Ciências Contábeis, trazendo consigo a quarta experiência – a troca de curso –, sendo vivida de maneira mais árida, pondo um fim ao sonho de uma carreira artística tão almejada.

Com o curso de Ciências Contábeis, o trabalho no banco passa a ser bem mais orgânico com a sua função de estudante, tendo assim galgado até a posição de auditor interno do BANDEPE. Entre tantos caminhos ele descobre a possibilidade de tentar o concurso do Instituto Rio Branco, dentro da carreira diplomática, chega a passar na primeira fase, contudo, por dificuldades financeiras, não tem as condições de ir para a próxima fase em Brasília, abandonando o sonho e sendo o único concurso que tentou e não passou, por falta de recursos

para ir à próxima fase. Contudo, ele descobre o curso de mestrado em Ciências Contábeis da FGV, e migra para o Rio de Janeiro como forma de aperfeiçoamento na sua área de estudos. Inicialmente não houve apoio do BANDEPE, que após um tempo voltou atrás na sua decisão e o realocou em uma agência na sua nova cidade de residência. A experiência do curso de mestrado foi bastante importante para a sua formação pessoal, além da acadêmica, se tornando assim a quinta experiência principal e colocada explicitada por nós nesse trabalho.

A partir dessas experiências formadoras se dão as suas tentativas posteriores em concursos públicos, formando assim a sua vida profissional que se intensifica a partir da conclusão do seu mestrado e o retorno ao Recife.