• Nenhum resultado encontrado

2.2 O debate acerca da especialização brasileira na década de 1990: ganhos de

2.2.1 Ganhos de eficiência e alocação ótima dos recursos

O argumento recorrentemente utilizado em defesa dos benefícios da liberalização comercial no Brasil diz respeito ao aumento dos níveis de produtividade da indústria ao longo da década de 1990. Franco (1998) defende que a liberalização comercial, ao ter intensificado a competição, repercutiu positivamente sobre o dinamismo tecnológico traduzido em ganhos de produtividade. Segundo o autor, a resposta foi vigorosa, sendo que o incremento médio da produtividade do trabalho situou-se em 7% ao ano entre 1991-1997, contrastando com os anos precedentes de ISI.

Na mesma linha de defesa, Moreira e Corrêa (1997), em trabalho-referência dessa década e amplamente citado, analisam o período 1989-199624 e chegam a conclusões positivas sobre os impactos do processo de liberalização comercial via efeitos alocativos e de eficiência técnica. Segundo eles, “os impactos da abertura foram na direção esperada e desejada” (p.87).

Apontando a precariedade das estatísticas para a análise, os autores utilizaram como proxy para a alocação dos recursos as variações na composição industrial determinadas a partir dos coeficientes de penetração de importação e dos coeficientes de exportação dos setores da indústria de transformação para os anos de 1989 a 1995.

Primeiramente, em relação ao coeficiente de penetração de importação (importação em relação ao consumo aparente), foi observado um aumento substancial na maioria dos setores. De acordo com os autores, os níveis atingiram patamares similares aos do período pré-II PND (1968-73). Destaque para os setores de máquinas e equipamentos, e material e aparelhos eletrônicos e de comunicação25.

24 O período estudado compreende os anos de 1989 até o primeiro semestre de 1996. São

analisados 45 setores responsáveis por 80,6% do valor bruto da indústria de transformação.

25 Máquinas e equipamentos que em 1989 possuíam um coeficiente de importações de 12,8%, no

segundo semestre de 1996 já se encontrava em 43,2% (MOREIRA e CORRÊA, 1997). Para maiores detalhes sobre a estatística completa destes setores, ver o trabalho indicado.

Em relação ao coeficiente de exportação (exportação em relação à produção), o aumento também foi generalizado, porém, em ritmo de crescimento bem aquém do coeficiente importado. Os setores com maior destaque foram aqueles que já possuíam substancial participação na pauta de exportações como: indústria da madeira, metalurgia de não-ferrosos, celulose, conservas de frutas e legumes, calçados, siderurgia, entre outros26.

Estes mesmos coeficientes também foram calculados pela ótica da categoria de uso. Em acordo com a análise por setor, o coeficiente de penetração de importação elevou-se em todas as categorias27, pronunciadamente em bens de capital – de 10,7% em 1989 para 38,6% em 1996. Mais uma vez, como era de se esperar pela análise anterior, a elevação do coeficiente de penetração de importação em todas as categorias de uso fez-se muito mais intensa que o coeficiente de exportação.

A justificativa para a assimetria dos coeficientes de importação e exportação dada pelos autores era a de que o comércio intra-indústria ganhava importância em detrimento do comércio inter-indústria, o que foi considerado um fato positivo por ser essa uma característica presente nas relações de comércio entre os países mais avançados.

Ainda, considerando a alocação de recursos, os autores estimaram as mudanças na estrutura industrial medidas pelos ganhos e perdas dos setores na indústria28. De acordo com esta metodologia, as categorias de uso que mais

perderam foram as de bens de capital (-15,7%) e bens intermediários elaborados (- 13,2%). Fazendo os mesmo cálculos em relação à “intensidade na utilização de fatores”, o setor que mais perdeu foi o intensivo em capital (-11,8%) em contraste com o setor intensivo em recursos naturais que ganhou 8,7% na composição industrial. Além disso, medindo os setores por grau de intensidade de P&D, os de gastos médios aumentaram substancialmente (23,3%), sendo que os com gastos, considerados altos, decresceram 7,7%.

26 Em relação à evolução de setores mencionados acima, entre os anos de 1989 e 1996, foram

registrados: indústria da madeira de 11% para 40,2%; metalurgia de não-ferrosos, 20,2% para 35,4%; siderurgia, 16,5% para 29,7% (MOREIRA e CORRÊA, 1997).

27 São elas: bens de capital; bens de capital incluindo somente equipamento de transporte; bens

intermediários elaborados; bens de consumo duráveis; bens de consumo não-duráveis; e bens intermediários.

28 É usado o conceito de produto potencial, que mede a participação potencial de determinado setor

no presente se sua participação em algum ponto passado, aqui no caso em 1989, tivesse se mantido. Para metodologia de cálculo ver Moreira e Corrêa (1997, p.77-80).

Passando para a questão da eficiência técnica, os autores utilizam como

proxy o comportamento do mark up nos diversos setores. Ao invés de utilizarem as

variações da produtividade, argumentam que essas podem ter sofrido influências de outros fatores como a inflação e o baixo crescimento no período 1990-1992, o que deturpa os efeitos específicos da liberalização. No entanto, reconhecem que houve ganhos substanciais de produtividade do trabalho no total da indústria da ordem de 50% no período 1989-1996.

Em relação à evolução dos níveis de mark up, verificou-se uma queda generalizada principalmente nos setores de bens tradeables, os quais receberam maior pressão da concorrência externa. Ademais, os setores de bens de capital sofreram a maior redução do nível de mark up no período analisado (da ordem de 65%), o que pôde ser considerado como um sinal muito positivo por baratear o custo do investimento29.

Finalizando a análise, Moreira e Corrêa (1997) fazem um balanço positivo sobre os efeitos do processo de liberalização comercial na economia brasileira. O aumento do coeficiente importado em quase todos os setores foi altamente benéfico para a economia brasileira. A intensificação da concorrência externa e a maior facilidade de acesso a bens de capital, mais baratos e próximos da fronteira tecnológica, produziram importantes transformações na estrutura produtiva rumo a uma especialização mais eficiente de acordo com os recursos nacionais, propiciando aos produtores um maior nível de especialização e ganhos de escala.

De modo geral, a redução da nacionalização e a desverticalização da indústria, traduzida no aumento do coeficiente importado, foram considerados importantes avanços. Além da queda geral das margens de lucro e dos ganhos de produtividade, a economia brasileira pôde especializar-se rumo a um padrão mais compatível com sua dotação de fatores. De modo condizente com os resultados esperados pelas teorias convencionais de comércio internacional, a economia brasileira apresentou ganhos nos setores intensivos em recursos naturais, e os setores intensivos em capital perderam participação, dado o elevado crescimento das importações nos mesmos. Além disto, os ganhos de competitividade puderam ser visualizados também pelo crescimento quase que geral do coeficiente exportado.

Para Barros e Goldenstein (1998), ao observar todos estes indicadores, concluíram que após a introdução daquelas medidas institucionais houve, de fato, evidência de que a indústria brasileira começou a recuperar sua competitividade via elevação da produtividade total da mão-de-obra, da maturação dos processos de reestruturação das empresas e do crescimento das exportações a partir de 1997. Ao se observar os indicadores de produtividade e os níveis de mark up para o setor de bens comerciáveis, os resultados são ainda melhores. Segundo as estimativas de Lopez-Cordova e Moreira (2003), a produtividade total dos fatores neste setor alcançou “níveis asiáticos” de crescimento da ordem de 3,8% ao ano no período 1996-2000.

Moreira e Corrêa (1997: 88-9), ao final do trabalho já citado, sintetizam suas percepções acerca dos efeitos iniciais produzidos pela liberalização comercial:

... Do ponto de vista estático, o aumento da participação dos setores intensivos em recursos naturais indica um melhor aproveitamento de um recurso que o país tem em abundância, mas, em contrapartida, a perda de participação dos setores intensivos em trabalho vai na direção contrária. (...). Do ponto de vista dinâmico, os dados apontam para certa estabilidade da participação dos setores intensivos em tecnologia, cujo deslocamento, como apontado pelas novas teorias do crescimento, poderia comprometer os ganhos dinâmicos da abertura. Nesse contexto, os impactos positivos sobre o progresso técnico derivado do acesso a bens de capital de fronteira, a menores custos, e dos maiores incentivos gerados pela concorrência dos importados, parecem ter garantido um saldo claramente positivo em termos de estimulo ao crescimento econômico.

Em suma, para esta corrente de interpretação, a economia brasileira caminhou na direção esperada após a liberalização comercial, considerando que os ganhos de produtividade e o novo tipo de especialização produtiva resultante estiveram de acordo com os resultados previstos anteriormente.

2.2.2 Os argumentos a favor da tese da especialização regressiva da estrutura