• Nenhum resultado encontrado

GARANTIA À EDUCAÇÃO SUPERIOR: PERSPECTIVA LEGAL E A SUA INCIDÊNCIA NA OPERACIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA

MAPA REGIÕES DE LOCALIZAÇÃO DAS IFES.

4 DIREITO À ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL NA PERSPECTIVA DOS USUÁRIOS E DOS OPERADORES DA POLÍTICA

4.1 GARANTIA À EDUCAÇÃO SUPERIOR: PERSPECTIVA LEGAL E A SUA INCIDÊNCIA NA OPERACIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA

ESTUDANTIL

A ascensão dos direitos, independente quais sejam eles, em geral, é resultado de lutas e conquistas sociais, que ocorrem muitas vezes com violência, num processo histórico cheio de vicissitudes, em que as necessidades e aspirações são articuladas em reivindicações no embate de peleja até serem reconhecidos legalmente como direitos. O direito à educação, na concepção de Direitos Humanos (DH)43, surge no advento da Declaração Universal de 1948 e é reiterada pela

Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993.

A concepção de DH se constitui como um movimento bastante recente na história da humanidade. Ela surgiu após a segunda guerra mundial, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos pelo nazismo, período marcado pela lógica da destruição e descartabilidade de pessoas, que resultou num número estarrecedor dos estimados 5 milhões de vidas dilaceradas e cerca de 1 milhão de mortos por consequência da fome e exaustão sofridas em campos de concentração (HOBSBAWM, 1995).

O cenário desolador e a calamidade que esse triste episódio desencadeou configurou uma das maiores catástrofes da história da humanidade. Segundo Hobsbawm (1995, p. 58), nesse período, “a humanidade aprendeu a viver num mundo em que a matança, a tortura e o exílio em massa se tornaram experiências do dia-a-dia, que não mais notamos”.

Nesse período, o reaparecimento dos sem-teto, dos sem-família, dos sem- emprego, dos sem-dignidade somaram-se ao grande número de miseráveis que eram parte e resultado da guerra, fazendo com que aumentasse a desigualdade social e econômica. O Estado, assumindo o legado da era Hitler, que condicionava

43

A definição conceitual de DH remete aos direitos inerentes ao ser humano, assim, não se configuram como meras concessões da sociedade política, ao contrário, “nascem com os homens, fazem parte da própria natureza humana e da dignidade que lhe é intrínseca; e são fundamentais; porque sem ele o homem não é capaz de existir e de se desenvolver e participar plenamente da vida e são, universais, porque exigíveis de qualquer autoridade política em qualquer lugar” (GORCZEVSKI, 2005, p.17). Os DH pertencem aos homens e representam legalmente as condições mínimas para uma vida digna, portanto, nenhum ser humano pode ser privado dele.

os direitos das pessoas ao pertencimento da sua raça, apresentou-se como grande violador de DH.

Nesse cenário de crise, criam-se condições de (re) construção dos DH, pois, se de um lado a guerra veio significar a ruptura de direitos, por outro lado, o resultado dessa guerra vem significar a “era do ouro” na reconstrução dos direitos que ainda estão em processo constante de construção e que nascem quando devem e podem nascer. Para Bobbio (2004), os DH não nascem todos de uma vez e nem de uma vez por todas.

Assim, em 10 de dezembro de 1948, constitui-se a mais importante conquista dos DH Fundamentais em nível internacional. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que fundamentalmente se preocupa com quatro ordens de direitos, foi aprovada. Logo no início, são proclamados os direitos pessoais do indivíduo – direito à vida, à liberdade e à segurança. Em um segundo grupo, encontram-se expostos os direitos do indivíduo em face das coletividades – direito à nacionalidade, direito de asilo para todo aquele perseguido (salvo os casos de crime de direito comum), direito de livre circulação e de residência, tanto no interior como no exterior e, finalmente, direito de propriedade. Em outro grupo são tratadas as liberdades públicas e os direitos públicos – liberdade de pensamento, de consciência e religião, de opinião e de expressão, de reunião e de associação, princípio na direção dos negócios públicos. E, no quarto grupo figuram os direitos econômicos e sociais - direito ao trabalho, à sindicalização, ao repouso e à educação (GRACIANO; HADDAD, 2006).

Por meio desse entendimento, introduz-se a concepção contemporânea de DH, que se caracteriza pela universalidade e indivisibilidade desses direitos, que foram reiterados pela Declaração de DH de Viena (1993), quando afirma no parágrafo quinto que:

Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. As particularidades nacionais e regionais devem ser levadas em consideração, assim como os diversos contextos históricos, culturais e religiosos, mas é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais (ONU, DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS DE VIENA, 1993).

A Organização das Nações Unidas (ONU), quando proclamou a Declaração de 1948, afirmou o caráter universal dos DH, a dignidade e o valor da pessoa humana, a igualdade de direitos entre homens e mulheres, visando ao progresso social e à melhoria das condições de vida em uma ampla liberdade, configurando-se assim, “uma das Declarações mais poderosas e ambiciosas na luta pela igualdade e pela justiça social” (GENTILI, 2009, p.1071).

Esse caráter universal dos DH permite que seja formada uma proteção dos direitos em âmbito internacional, o que não significa reduzi-los ao “domínio reservado do Estado, isto é, não se deve restringir à competência nacional exclusiva ou à jurisdição doméstica exclusiva, porque revela tema legítimo de interesse internacional” (PIOVESAN, 2006, p.15). Nessa mesma lógica, segue o direito à educação como foi definido no artigo 26 da Declaração (citado no princípio desta tese), como um direito incontestável e fundamental para qualquer nação ou pessoa, sendo associado ao reconhecimento de condições indispensáveis para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

No Brasil, como na maioria dos países latino-americanos, a temática dos DH adquiriu elevada significação histórica, como resposta à extensão dos altos índices de desigualdade social e miséria. Segundo Gentili (2009), na América Latina, a distribuição de renda é a mais injusta de todo o planeta. De acordo com o autor, “um pouco mais de 200 milhões de latino-americanos são pobres e indigentes e, entre os pobres e indigentes, os que sofrem essa condição de forma mais intensa são os negros e indígenas” (p.1066).

Este panorama repercute no campo educacional, como o caso do acesso e o direito à educação pública de qualidade. A educação é um direito em si mesmo e também é um meio indispensável para a promoção de outros direitos.

A educação ganhou maior visibilidade no Brasil a partir dos anos 1980 e 1990, por meio de proposições da sociedade civil organizada e de ações governamentais no campo das políticas públicas. Esse movimento teve como marco a Constituição Federal de 1988, que formalmente reconheceu, entre seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana e os direitos ampliados da cidadania, sendo ele o da educação como um dever do Estado e da família (artigo nº 205).

Essas afirmações seguiram nas décadas posteriores com a LDB/1996 e o PNE/2001 como meio de tornar a educação um bem de acesso e de permanência para aqueles mais excluídos social e economicamente. Nesse contexto, o direito à educação não é apenas a questão de garanti-la nas legislações brasileiras; o Estado tem um papel fundamental em criar medidas, políticas sociais com vista a facilitar a plena realização desse direito.

O Estado chamado pela sociedade civil organizada a cumprir suas responsabilidades articula o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), o qual incorpora aspectos dos principais documentos internacionais de DH dos quais o Brasil é signatário, agregando demandas antigas e contemporâneas da sociedade pela efetivação da democracia, do desenvolvimento, da justiça social e pela construção de uma cultura de paz.

Em 2003, representantes da sociedade civil, de instituições públicas e privadas de ensino e de organismos internacionais elaboraram o PNEDH, lançado pelo MEC, em dezembro. O objetivo foi orientar a implementação de políticas, programas e ações comprometidas com a cultura de respeito e promoção dos direitos humanos. Além de executar programas e projetos de educação em DH, eles são responsáveis pela coordenação e avaliação das ações desenvolvidas por órgãos e entidades públicas e privadas.

Em 2006, após audiências públicas em todos os estados, o PNEDH chega a sua versão final, como um instrumento orientador e fomentador de ações educativas, no campo da educação formal e não-formal, nas esferas públicas e privadas e na área de DH. Em nível de educação superior, implica a consideração dos seguintes princípios, orientados pela ONU em 1948.

 A universidade, como criadora e disseminadora de conhecimento, é instituição social com vocação republicana, diferenciada e autônoma, comprometida com a democracia e a cidadania;

 Os preceitos da igualdade, da liberdade e da justiça devem guiar as ações universitárias, de modo a garantir a democratização da informação, o acesso por parte de grupos sociais vulneráveis ou excluídos e o compromisso cívico-ético com a implementação de políticas públicas voltadas para as necessidades básicas desses segmentos;

 O compromisso com a construção de uma cultura de respeito aos DH na relação com os movimentos e entidades sociais, além de grupos em situação de exclusão ou discriminação;

 A participação das IES na formação de agentes sociais de educação em DH e na avaliação do processo de implementação do PNEDH.

Com base nessas perspectivas legais que consagram o direito fundamental à educação, as universidades brasileiras são levadas a imprimir em suas práticas institucionais um fazer que vise a contribuir para a sustentação de ações de promoção, proteção e defesa dos DH e de reparação das violações. O desafio é justamente transpor os sérios limites que são e ainda serão enfrentados pela possibilidade de consolidar e ampliar o direito e, por conseguinte, as políticas de educação. Conforme foi trabalhando no capítulo anterior, a massificação do ES, concebida como uma política de expansão não significa a consolidação do direito, uma vez que o fato de muitos jovens terem acesso ao ES, não é garantia de que a qualidade desse processo seja o foco principal dessa política. Pelo contrário, a preocupação é a quantidade de modo a atingir os parâmetros de disputa internacional, o que se comprova pela atual situação em que mais de 60% da população estão enquadrados na categoria de analfabetos funcionais (ANDIFES, 2012).

Dessa forma, a concepção da educação como um direito em si mesmo e como um meio indispensável para o acesso a outros direitos, pode ser tornar um exercício frustrante quando se sabe que entre “o quinto mais pobre dos jovens de 18 a 24 anos, não chega a um (0,8) em 100 os que cursam ensino superior” (FLAPE, 2010, p.42). A exclusão ao ensino superior ainda é um fato estarrecedor que assombra nossa realidade, denotando que as dinâmicas de inclusão adotadas pelo Estado acabam sendo insuficientes para reverter o processo de marginalização e negação de direitos que envolve as facetas de segregação social dentro e fora das IES. A partir disso, percebe-se a necessidade da construção de processos sociais de inclusão, com intento de reverter as mais variadas causas de exclusão social, já que a lógica da inclusão excludente remete à negação do direito à educação, principalmente para aqueles mais vulnerabilizados.

O conceito de “inclusão excludente”44 no viés da educação se refere à

inclusão massiva de alunos ao ES, a qual não se revela coerente com os padrões que permitem a formação de qualidade, capaz de responder e superar as demandas do capitalismo (KUENZER, 2005).

Essa concepção de inclusão excludente decorre dos distorcidos e difusos projetos governamentais que insistem em minimizar as sequelas da questão social melhorando exclusivamente as estatísticas educacionais. A ordem de incluir, “democratizar” o ES sem focar na qualidade dessa formação superior, prejudica na empregabilidade do aluno e também refuta o direito a uma formação de qualidade, o que, segundo Kuenzer (2005), confere uma “certificação vazia”, constituindo-se em modalidades aparentes de inclusão as quais, por sua vez, serão a justificativa para exclusão do mundo do trabalho, dos direitos e das formas dignas de existência (p.93).

O direito à educação ainda está condicionado ao atendimento às demandas do mercado, ou seja, como uma função voltada a atender o campo econômico. Isso significa que ainda persiste no sistema educacional brasileiro uma forte tendência de transpor a lógica de mercado para a área social, que deseja uma educação como mercadoria, como um serviço e não um direito, o que coloca os sujeitos envolvidos (os alunos) como “consumidores” ou “clientes” dos serviços educacionais.

Nos últimos anos premidos pelas políticas neoliberais e pela hegemonia dos valores do mercado, pouco se veiculou sobre a educação como um direito para a formação, para a cidadania, como formação geral do indivíduo. O discurso hegemônico é reduzir a educação como função para o desenvolvimento econômico, para o mercado de trabalho, para formar mão de obra. Não podemos desqualificar a importância que tem a educação como processo de preparação para o mercado, mas ele é absolutamente insuficiente para explicar todas as dimensões do que é a educação como direito humano (HADDAD, 2006, p. 4).

Isso leva a afirmar que as políticas sociais, são fundamentais, principalmente para que as minorias em desvantagem ou privadas do mercado, possam circular e ser minimamente respeitadas na esfera econômica. Por isso, a efetivação dos DH, que precedem os direitos sociais, econômicos e culturais não é apenas uma

44 Esse conceito é trabalhado na perspectiva da educação pelos autores: KUENZER (2005) e

obrigação moral do Estado em cumpri-los, mas uma obrigação jurídica, que tem por fundamento os tratados internacionais que declaram os DH.

A efetivação dos direitos à educação como um efetivo à proteção aos DH, demanda também a implementação das políticas de educação, principalmente endereçadas aqueles de grupos socialmente vulneráveis que veem a oportunidade dessa política como um meio de transpor seus obstáculos e garantir a conclusão do seu curso.

Para tanto, no item seguinte será discutida a forma como o Estado, que tem o dever de adotar medidas individual ou coletivamente, voltadas a formular políticas com vistas a facilitar a plena realização de direitos vem provendo a política de educação superior no contexto da assistência estudantil, segundo as vozes dos sujeitos que são usuários da política e dos sujeitos que são operadores dela dentro das IFES.

4.2 A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO FOMENTO DA EQUALIZAÇÃO