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1. PRINCêPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO PENAL

6.2 Garantismo, minimalismo e abolicionismo penal

pugnar pelo desenvolvimento de um sistema jur’dico-penal que respeite os direitos e garantias fundamentais. Um modelo, portanto, GARANTISTA.

FERRAJOLI40 foi o maior expoente do Garantismo penal, que para ele pode ser definido segundo tr•s prismas:

¥! Modelo normativo

¥! Teoria Jur’dica

¥! Filosofia Pol’tica

Nas palavras de FERRAJOLI:

ÒSegundo um primeiro significado, "garantismo" designa um modelo normativo de direito: precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo de "estrita legalidade, pr—prio do Estado de direito, que sob o plano epistemol—gico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder m’nimo, sob o plano pol’tico se caracteriza como uma tŽcnica de tutela id™nea a minimizar a viol•ncia e a m‡xima liberdade e, sob o plano jur’dico, como um sistema de v’nculos impostos ˆ funç‹o punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidad‹os. ƒ, consequentemente, "garantista" todo sistema penal que se conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente.

(...)

Em um segundo significado, "garantismo" designa uma teoria jur’dica da "validade" e da "efetividade" como categorias distintas n‹o s— entre si mas, tambŽm, pela "exist•ncia" ou "vigor" das normas. Neste sentido, a palavra garantismo exprime uma aproximaç‹o te—rica que mantŽm separados o "ser" e o "dever ser" no direito; e, ali‡s, p›e como quest‹o te—rica central, a divergência existente nos ordenamentos complexos entre modelos normativos (tendentemente garantistas) e pr‡ticas operacionais (tendentemente antigarantistas), interpretando-a com a antinomia - dentro de certos limites fisiol—gica e fora destes patol—gica - que subsiste entre validade (e n‹o efetividade) dos primeiros e efetividade (e invalidade) das segundas. (...)

Segundo um terceiro significado, por fim, "garantismo" designa uma filosofia pol’tica que requer do direito e do Estado o ônus da justificaç‹o externa com base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia constituem a finalidade. Neste œltimo sentido o Garantismo (pressup›e) a doutrina laica da separa•‹o entre direito e moral, entre validade e justiça, entre ponto de vista interno e ponto de vista externo na valora•‹o do ordenamento, ou mesmo entre o "ser" e o "dever serÓ do direito. E equivale ˆ assun•‹o, para os fins da legitimaç‹o e da perda da legitimaç‹o Žtico-pol’tica do direito e do Estado, do ponto de vista exclusivamente externo.

Um Estado democr‡tico de Direito deve, portanto, buscar a ado•‹o de um sistema penal garantista, n‹o apenas no que tange ˆs previs›es normativas, mas tambŽm no que se refere ao efetivo respeito ao modelo

40

O Garantismo penal foi bem desenvolvido por FERRAJOLI, professor da Universidade de Camerino, na

It‡lia. Para um aprofundamento maior: FERRAJOLI, LUIGI. Direito e raz‹o: teoria do garantismo penal.

normativamente adotado, a fim de que seja respeitado pelas inst‰ncias de controle (Pol’cia, Judici‡rio, etc.).

Assim, um modelo baseado no ÒDireito Penal do InimigoÓ, por exemplo, n‹o pode, de forma alguma, ser admitido num Estado democr‡tico de Direito.

Mas o que seria o ÒDireito Penal do InimigoÓ? Trata-se de um modelo que pressup›e a exist•ncia de um Direito Penal que mitigue as garantias constitucionais aos criminosos considerados ÒcontumazesÓ, ou seja, aqueles que fazem do crime seu meio de vida.41

Assim, haveria um ÒDireito Penal do Cidad‹oÓ (garantista), no qual s‹o observados os direitos e garantias fundamentais do acusado, e um ÒDireito Penal do InimigoÓ, no qual estas garantias poderiam ser flexibilizadas ou afastadas, j‡ que n‹o se estaria diante de alguŽm que merecesse qualquer considera•‹o por parte do Estado.

Este tipo de teoria Ž inadmiss’vel num Estado Democr‡tico de Direito por, inicialmente, violar o princ’pio da isonomia. Num segundo plano, n‹o menos importante, violaria, ainda, a ideia de que o Direito Penal pune as pessoas pelo que elas FAZEM e n‹o pelo que elas SÌO.

Da mesma forma, num Estado Democr‡tico de Direito o ser humano Ž o centro, o fim œltimo de toda e qualquer a•‹o do Estado. Desta maneira, a pena deve ter por finalidade n‹o apenas castigar o infrator, tampouco servir apenas a uma esperada Òpreven•‹o especialÓ, mas tambŽm, e principalmente, ressocializar o infrator.

O MINIMALISMO penal, por sua vez, prega a redu•‹o do raio de abrang•ncia do Direito Penal, que deve ser reservado apenas ˆquelas condutas absolutamente incompat’veis com a vida em sociedade, e apenas para a prote•‹o dos bens jur’dicos mais valiosos (Direito Penal m’nimo).

O minimalismo tem em FERRAJOLI e BARATTA dois de seus maiores expoentes. A l—gica do minimalismo Ž clara: se o Direito Penal Ž o instrumento mais invasivo de regula•‹o social, s— deve ser utilizado em œltimo caso (ultima ratio).

AlŽm da redu•‹o do raio de abrang•ncia do Direito Penal, o minimalismo prega, ainda a redu•‹o da aplica•‹o da pena privativa de liberdade, que deve, sempre que poss’vel, ser substitu’da por san•›es alternativas.

Por fim, o ABOLICIONISMO PENAL prega a supress‹o do Sistema Penal, seja porque se nega legitimidade Žtico-pol’tica a essa forma de controle social, desde seu surgimento, seja porque Ž visto, na pr‡tica, como mais

danoso que vantajoso. Os fundamentos do abolicionismo s‹o:

⇒!Anomia do sistema penal Ð Apesar de existir, o Direito Penal n‹o

consegue regular a vida em sociedade.

41

Este termo foi desenvolvido de maneira aprofundada pelo professor alem‹o, da Universidade de Bonn,

GŸnther Jakobs. JAKOBS, GŸnther. La normativizaci—n de la dogm‡tica jur’dico-penal. Trad. Manuel Cancio Meli‡ e Bernardo Feij— S‡nchez. 1. ed. Madrid: Ed. Thomson Civitas, 2003, p. 57 e seguintes.

⇒!Seletividade do sistema penal Ð O Direito penal n‹o tutela de maneira

uniforme a vida em sociedade, mas seleciona, cuidadosamente, os destinat‡rios de sua atua•‹o.

⇒!O Direito Penal estigmatiza o condenado Ð Ao invŽs de ressocializar o

apenado, o Direito Penal funciona como uma marca negativa para aqueles que foram condenados, privando-os, perpetuamente, do retorno ˆ vida social.

⇒!O Direito Penal marginaliza a v’tima Ð O Estado, por meio do Direito

Penal, expropria o problema (que, a princ’pio, se d‡ entre dois indiv’duos), castiga o infrator (quando consegue), mas n‹o se preocupa com a v’tima. H‡, basicamente, duas grandes vertentes abolicionistas:

⇒!Abolicionismo imediato Ð Defendido, dentre outros, por LOUCK

HULSMAN, prega a imediata supress‹o do Direito Penal. Isso n‹o significa que esses doutrinadores pregam a aus•ncia total de controle formal do Estado sobre as condutas lesivas ˆ sociedade, mas a substitui•‹o imediata do Direito Penal por outros mŽtodos de solu•‹o de conflitos (composi•‹o civil dos danos, etc.).

⇒!Abolicionismo mediato Ð TambŽm conhecido como minimalismo radical,

prega que o ideal seria a aboli•‹o do Direito Penal, mas a realidade imp›e a manuten•‹o de tal sistema, j‡ que seria imposs’vel sua supress‹o sem que houvesse um abalo social consider‡vel, com poss’vel transmuta•‹o da viol•ncia estatal para a vingan•a privada sem qualquer regulamenta•‹o estatal.

Dentre os defensores do Abolicionismo mediato podemos citar THOMAS MATHIESEN como o principal expoente.

7! BREVE ANçLISE DA EVOLU‚ÌO HISTîRICA

A Hist—ria do Direito Penal pode ser dividida, basicamente, em tr•s grandes momentos:

¥!VINGAN‚A DIVINA

¥!VINGAN‚A PRIVADA

¥!VINGAN‚A PòBLICA

A vingan•a divina Ž a primeira forma de manifesta•‹o do Direito Penal.

Para os primitivos povos que adotaram este sistema, a Lei emanava de Deus, e sua eventual viola•‹o constituiria numa ofensa a Deus (ou deuses), de forma que a pena surgiria como forma de repara•‹o do elo rompido com o criador, promovendo a expia•‹o do ÒpecadoÓ do infrator (confus‹o entre crime e pecado) e a purifica•‹o de todo o grupo.

As penas variavam, com not—ria men•‹o ˆ pena capital (pena de morte) e ˆ pena de Òperda da pazÓ, que consistia na retirada do delinquente da prote•‹o do grupo em que vivia, de forma a demonstrar ˆ divindade ofendida que o ofensor n‹o era benvindo no grupo.

A vingan•a privada surgiu posteriormente, j‡ como reflexo da evolu•‹o

da sociedade e das rela•›es entre os povos e o processo de desvincula•‹o entre Deus e o Estado.

Aqui o crime era visto como ofensa ˆ v’tima e, em œltima an‡lise, ao pr—prio grupo a que pertencia, tanto que se a ofensa partisse de alguŽm de fora do grupo, a vingan•a era exercida pelo grupo ofendido contra o ÒgrupoÓ ofensor (o grupo a que pertencia o ofensor).

Como a vingan•a ficava a cargo do particular ofendido, naturalmente havia uma despropor•‹o entre ofensa e retalia•‹o, j‡ que o Homem Ž passional por natureza. Assim, surgiram os primeiros diplomas normativos que materializavam (ainda que de forma rudimentar) o princ’pio da proporcionalidade, como a Lei de Tali‹o, que previa: Òolho por olho, vida por vida, etc.Ó, como forma de impedir uma resposta mais severa do que a ofensa inicial.

Por fim, chegamos ˆ era da vingan•a pœblica, cuja principal caracter’stica Ž a assun•‹o, pelo Estado, do IUS PUNIENDI, ou seja, o Estado chama para si o poder-dever de exercer o poder punitivo na sociedade, n‹o havendo mais espa•o para a vingan•a privada, para a ÒJusti•a pelas pr—prias m‹osÓ42.

Com o passar dos anos, v‡rias sociedades desenvolveram sistemas penais que contribu’ram muito para a constru•‹o deste modelo de Direito Penal que possu’mos nos dias de hoje (Com varia•›es em cada pa’s, mas com uma unidade em geral). Dentre estas comunidades destacam-se:

¥! IDADE ANTIGA Ð Direito GREGO, com apelo fortemente social (o

homem como indiv’duo da polis), com in’cio das discuss›es acerca dos fundamentos da pena, finalidade da pena, etc. Direito ROMANO, com in’cio da distin•‹o entre crimes pœblicos (que afetavam mais a sociedade que o particular) e crimes privados (afetavam mais o particular que a sociedade). Os crimes pœblicos eram julgados pelo Estado, enquanto os crimes privados eram resolvidos pelo pr—prio ofendido, com a supervis‹o do Estado. Aqui tivemos um grande desenvolvimento da Doutrina Penal, com estudos importantes sobre dolo, culpa, nexo de causalidade, imputabilidade, etc.;

¥! IDADE MƒDIA Ð Direito Penal GERMåNICO, que se caracterizava

pela aus•ncia de leis escritas, sendo eminentemente consuetudin‡rio (costumes). Posteriormente, adotaram-se algumas normas oriundas do Direito Romano e da Lei do Tali‹o. Curioso era o sistema probat—rio, em que se adotavam as îRDçLIAS OU JUêZOS DE DEUS, que consistiam por supersti•›es como, por exemplo, submeter o acusado a atos cruŽis, de forma que se n‹o apresentasse ferimentos Ž porque Deus estava a

42

Vale ressaltar que o Direito Penal admite, de forma EXCEPCIONAL, a ÒJusti•a pelas pr—prias m‹osÓ, quando alguŽm est‡ em situa•‹o de leg’tima defesa, por exemplo.

indicar que era inocente, caso contr‡rio, seria considerado culpado. Vai entender, rs... O Direito CANïNICO era o ordenamento jur’dico da (PODEROSêSISMA) Igreja Cat—lica. Primeiramente tinha car‡ter disciplinar (apenas em rela•‹o aos membros), mas com a crescente influ•ncia da Igreja no Estado, se estendeu aos demais, sempre que o delito tivesse conota•‹o religiosa, tendo servido de base para a famosa Inquisi•‹o;

¥! IDADE MODERNA Ð A idade moderna (PERêODO

HUMANITçRIO) se caracteriza pela forte influ•ncia do movimento iluminista, do qual se destaca a Obra de Cesare Beccaria, Dos delitos e das penas, que, surpreendentemente para a Žpoca, pugna pelo fim das penas cruŽis e da pena de morte, antecipando aquelas que seriam as bases axiol—gicas da futura Declara•‹o Universal dos Direitos do Homem e do Cidad‹o (1789). Para ele a pena deveria ser imposta apenas como forma de o condenado n‹o vir a cometer novos crimes, servindo de exemplo aos demais. Nessa fase, o Juiz somente poderia aplicar as penas previstas em Lei, a consagra•‹o do princ’pio da reserva legal (subprinc’pio do princ’pio da legalidade).

No Brasil, podemos destacar as seguintes legisla•›es no per’odo COLONIAL:

¥! ORDENA‚ÍES AFONSINAS Ð Vigoraram de 1500 (ano de

descobrimento) atŽ 1514 (embora tenham sido promulgadas em 1446). Possu’am penas muito cruŽis, bem como desconheciam princ’pios basilares dos atuais Estados Democr‡ticos de Direito, como ampla defesa e legalidade. A pris‹o era tida como mera medida cautelar, ˆ semelhan•a do que ocorria no mundo ent‹o.

¥! ORDENA‚ÍES MANUELINAS Ð Foram promulgadas em 1514 e

foram mera continuidade das Ordena•›es Afonsinas, sem grandes altera•›es.

¥! ORDENA‚ÍES FILIPINAS Ð Vigoraram entre 1603 e 1830.

TambŽm n‹o introduziram altera•›es substanciais no sistema vigente. Com a proclama•‹o da Independ•ncia em 1822, foi necess‡rio instituir um C—digo Penal para o mais novo Estado Soberano (o Brasil). Nesse sentido, em 1830 foi editado o C—digo Criminal do ImpŽrio.

O C—digo Criminal de 1830 foi marcado por uma GRANDE EVOLU‚ÌO

no processo de humaniza•‹o do Direito Penal43, com a aus•ncia de previs‹o de penas cruŽis, embora ainda houvesse previs‹o de pena de morte, trabalhos for•ados e outras.

No per’odo REPUBLICANO tivemos o C—digo Penal de 1890, que foi promulgado antes da primeira Constitui•‹o Republicana, datada de 1891.

43

A Constitui•‹o de 1824 j‡ havia dado um grande passo nesse sentido, ao abolir as penas cruŽis, como de tortura, a•oites, etc. AlŽm disso, a mesma Constitui•‹o instituiu o princ’pio da PERSONALIDADE DA PENA, ao prever que nenhuma pena poderia passar da pessoa do apenado.

Este C—digo foi considerado pela Doutrina como um dos piores da hist—ria, por n‹o representar os avan•os doutrin‡rios e filos—ficos da Žpoca, tendo sido alterado por diversas vezes, tanto que foi necess‡rio criar uma CONSOLIDA‚ÌO DAS LEIS PENAIS em 1932, como forma de codificar o excessivo nœmero de leis extravagantes vigentes no pa’s.

Posteriormente, em 1940, foi criado o atual C—digo Penal, cuja elabora•‹o se iniciou no Estado Novo (O per’odo ditatorial de Getœlio Vargas), em 1937. O C—digo vigora de 1942 atŽ os dias atuais.

Em 1969 chegou-se a aprovar um novo C—digo Penal, cujo Projeto fora desenvolvido pelo penalista NELSON HUNGRIA. O ÒC—digo HungriaÓ, no entanto, fora revogado durante seu per’odo de vacatio legis, n‹o tendo, portanto, chegado a entrar em vigor.

Em 1984 o CP (de 1942, que vigora atŽ hoje) sofreu grandes altera•›es, tendo havido a reforma de toda a sua Parte Geral, cujas principais mudan•as foram a introdu•‹o de penas alternativas ˆ pris‹o e o restabelecimento do sistema de dias-multa.

8! SòMULAS PERTINENTES

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