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2. CAPÍTULO – Gestão de Resíduos

2.5 Gaseificação

A gaseificação é um processo termoquímico de tratamento de resíduos, que permite através da oxidação parcial [72] de combustíveis líquidos (petróleo), gasosos (gás natural), sólidos (biomassa, RSU, carvão) ou de biocombustíveis, a obtenção de um gás de síntese, ao contrário do que acontece na incineração. Este é composto principalmente por H2 e CO, em menores quantidades por CO2, H2O, CH4, N2 [43], contendo também impurezas inorgânicas (HCl, NH3, H2S), alcatrão e partículas [16]. O gás de síntese é muito utilizado na produção de calor (onde primeiro o gás é queimado antes de ser purificado) e de eletricidade (onde primeiro o gás é pré-tratado antes de ser queimado) [14].

Este método possibilita a redução em cerca de 80 a 90% do volume dos RSU e 70 a 80% em massa [41], evitando a saturação dos aterros sanitários existentes e a construção de novos, uma vez que a falta de espaço nas grandes cidades e o elevado custo dos terrenos são duas condicionantes relevantes a nível económico [28]. Na tabela 2.1 temos algumas diferenças entre os dois métodos de tratamento térmico de RSU, utilizados e comparados neste trabalho.

Incineração Gaseificação

- Combustão directa, sistema de queima em

massa - problemas ambientais graves - Combustão indirecta

- Esssencialmente RSU como combustível - Várias matérias-primas: biomassa, RSU, combustíveis, lamas

- Produção de calor e eletricidade

- Produção de gás de síntese para produção de calor e eletricidade (pré-limpo ou pós-limpo), de químicos, síntese de biocombustíveis, fertilizantes, substituir o gás natural - Usa temperaturas mais elevadas e mais

oxigénio

- Ocorre na presença controlada de oxigénio e de temperaturas mais baixas (+ eficiente, - perdas) - No reator usa-se ar como agente oxidante - No gaseificador pode usar-se ar, vapor, oxigénio, CO2

- Maior formação de cinzas e partículas - Menor formação de dioxinas, furanos e NOx

- Mais económico e mundialmente usado - Exige maior investimento inicial - Permitem a redução de massa e volume

- Diminuição de resíduos em aterros - Diminuição das emissões de GEE

Capítulo 2 – Gestão de Resíduos

A energia produzida a partir do poder calorífico dos RSU representa cerca de 5% do total da procura de energia nos países desenvolvidos, o que leva à diminuição da dependência e da importação de combustíveis fósseis, como o petróleo e o gás natural [23]. Este valor é claramente insuficiente considerando a quantidade de RSU depositados em aterros sanitários, e no desperdício do seu potencial para a gaseificação, como acontece em Portugal onde, por exemplo no ano de 2014 a deposição em aterro representou cerca de 42 % [73], ao contrário do que acontece na Holanda e na Dinamarca onde a quantidade de RSU depositada em aterro é exígua [43].

Contrariamente ao que acontece na China, onde a utilização do carvão como combustível para a gaseificação é uma prática comum [74], na Holanda o objetivo passa por substituir o gás natural (combustível fóssil menos poluente e mais caro que o carvão), pelo gás de síntese obtido a partir da gaseificação da biomassa (que pode ser de resíduos florestais, RSU ou lamas) [75], utilizando para isso a mesma infraestrutura do gás natural nas habitações e nos carros, o que é uma vantagem a nível económico [11].

Os resíduos agrícolas e os biocombustíveis também podem ser usados como combustíveis para a gaseificação, no entanto a utilização de biocombustíveis de 1ª geração seria um contrassenso, pois a sua produção irá competir diretamente com a produção de alimentos, uma vez que também utiliza campos cultiváveis, ao mesmo tempo que contribui para a desflorestação e a exploração dos recursos naturais, como por exemplo a água. Ao utilizarmos biocombustíveis de 2ª e 3ª gerações evitámos esses conflitos [75].

A versatilidade do gás de síntese permite que o mesmo seja utilizado no fabrico de produtos químicos (amoníaco) [76], para a síntese de biocombustíveis [72], bem como em sistemas de conversão de energia mais eficientes como motores e turbinas a gás [14], que podem ser construídos de forma modular devido à flexibilidade de escala que possuem [43].

O vapor, o ar e o oxigénio são os agentes oxidantes mais usados na gaseificação, e conforme a escolha deles, assim variam os custos e o poder calorífico do gás de síntese produzido [13]. O oxigénio além de ser o mais dispendioso é o mais eficiente, ao contrário do ar, que por ser o mais barato é o mais usado, no entanto dá origem a um gás de síntese com um menor poder calorífico, devido ao elevado teor de N2. Por outro lado, o vapor tem custos moderados, e dá origem a um gás de síntese com um poder calorífico também moderado,

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quando comparado com os anteriores. O CO2 também pode ser usado como agente oxidante [77].

A temperatura, a pressão e a razão de equivalência (relação entre a biomassa e o fluxo de ar) são parâmetros fundamentais no controlo da gaseificação [11] e consequentemente na composição do gás de síntese [78].

Ao restringirmos a temperatura a um determinado intervalo [38] conseguimos maximizar a produção de gás de síntese [26], e simultaneamente ao limitarmos a quantidade de oxigénio (que pode variar entre 25% a 50%) contribuímos para a redução de perdas térmicas [14], diminuindo também a formação de dioxinas, furanos e NOx [16].

A pressão na gaseificação vai desde a pressão atmosférica até 33 bar [1], e se utilizarmos pressões elevadas nos reatores, apesar de ser mais dispendioso, também será mais eficiente [8] e contribuirá para a redução da quantidade de carvão e alcatrão existentes no gás de síntese produzido [77].

Para além dos parâmetros acima referidos, o tamanho das partículas, o tipo de gaseificador, a adição de catalisadores ao processo, as propriedades do combustível, e o tempo de residência [13], são outros componentes que também interferem e influenciam não só a composição do gás de síntese mas também a sua eficiência [78].

À partida o objetivo da gaseificação não é utilizar os fluxos de resíduos obtidos através da recolha seletiva que tem como destino o tratamento e a valorização, mas evitar a sua deposição em aterro [43]. Países como a Holanda, Alemanha, e Dinamarca demonstram que é possível conciliarmos elevadas taxas de reciclagem com elevadas taxas de gaseificação de resíduos, sendo para isso necessário alterar os hábitos das populações através da informação e educação, e através de um sistema de gestão de RSU eficiente e articulado a nível nacional e local [79].

No Japão a eletricidade é obtida a partir da incineração de cerca de 70% dos resíduos produzidos no país, em oposição à Coreia do Sul onde a prioridade na gestão de resíduos é a reciclagem e a deposição em aterro [80].

Na Áustria uma forma de reduzir a deposição de resíduos em aterros, foi a sua proibição e o aumento do custo da deposição em aterro de 280€ por tonelada, de modo a

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obrigar as indústrias e as autoridades locais a pensarem em novas soluções para a gestão de resíduos, como as instalações de gaseificação e as unidades de tratamento mecânico e biológico (UTMB). Por outro lado na Dinamarca, as instalações de gaseificação foram construídas perto das comunidades, às quais a energia e o calor são fornecidos a baixo custo [43].

Se por um lado a gaseificação contribui para a redução das emissões de GEE [78] (como o CH4 que possui um potencial comercial para a produção de energia) [79], e consequentemente o aquecimento global [72], por outro produz vários subprodutos como as escórias, as cinzas volantes, as emissões atmosféricas [81], e o alcatrão que se encontra presente no gás de síntese [11].

A formação de alcatrão é um dos maiores problemas da gaseificação [77] pois diminui o rendimento e o valor calorífico do gás de síntese, e na presença de temperaturas mais baixas a sua condensação pode obstruir os tubos, os filtros e os motores [11]. Os principais componentes do alcatrão são o benzeno (C6H6)e os seus derivados [82].

A maior parte dos subprodutos da gaseificação são passíveis de serem tratados e valorizados. Uma das formas de reduzir as partículas (carvão e cinzas volantes) e o alcatrão presentes no gás de síntese é utilizando processos de filtração e lavagem [11].

As escórias (constituídas essencialmente por material inerte, resíduos inorgânicos e metais), caso contenham metais ferrosos, são primeiramente isoladas por separadores eletromagnéticos e posteriormente encaminhadas para a reciclagem, no entanto caso contenham metais não ferrosos serão depositadas num aterro sanitário. Uma das potencialidades das escórias passa pela sua utilização na construção civil, como substituto parcial do cimento na base de pavimentos, como agregados em blocos de betão, no recobrimento diário dos aterros sanitários e em recifes artificiais [27, 81].

Por outro lado as cinzas volantes (constituídas por material inerte particulado, compostos inorgânicos e elevadas concentrações de metais pesados), tem de ser inertizadas antes de serem depositadas em aterros sanitários para resíduos perigosos, devido à sua concentração de metais pesados [78].

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O tratamento e deposição das cinzas volantes (que são misturadas com a cal resultante dos sistemas de lavagem de gases), e das águas residuais usadas na extinção das escórias [7, 23] , são responsáveis pelos elevados custos da gaseificação. No entanto devido aos sistemas de fusão das cinzas, o custo das instalações de gaseificação aumenta cerca de 10% quando se compara com as instalações de incineração [14].

A quantidade e a composição das cinzas são diretamente influenciadas pela constituição dos RSU, e apenas uma ínfima fração pode ser utilizada na construção civil, sendo a maior parte depositada em aterros sanitários. No Chile, foi realizado um estudo onde o custo de transporte e de deposição das cinzas em aterro foi estimado em 16 € t-1 [79].

Os gases resultantes da gaseificação antes de serem libertados para a atmosfera, tem de ser neutralizados e filtrados por equipamentos com elevada eficiência como ciclones, filtros de cerâmica, filtros de mangas, filtros deflectores, precipitadores electroestáticos húmidos, depuradores de água, torres de pulverização entre outros [78].

Para a neutralização dos gases ácidos (sobretudo HCl, HF e SO2) utiliza-se a cal, e para a remoção de Hg (considerado tóxico para o homem e para o ambiente), de outros metais pesados voláteis e compostos orgânicos (dioxinas e furanos), utiliza-se o carvão ativado [51].

Relativamente aos gaseificadores podemos dividi-los em: gaseificadores de leito fluidizado e gaseificadores de leito fixo [51]. Os reatores de leito fluidizado possuem várias vantagens como: a capacidade de gaseificarem vários tipos de combustíveis (como RSU e biomassa) com elevado teor de cinzas [77], a sua inércia térmica, capacidade de operarem a baixas temperaturas de 700 a 900ºC impedindo a sedimentação das cinzas no fundo do reator, e a homogeneização da concentração de gás-sólido em todo o reator [13].

No entanto, este tipo de reator também tem desvantagens como: uma concentração de partículas no gás superior [13], a exigência de um maior investimento uma vez que a sua construção e operacionalidade são mais complexas, a necessidade a nível económico de serem utilizados na gaseificação de RSU em larga escala, ao contrário dos reatores de leito fixo [28]. Por vezes, torna-se necessário um pré-tratamento dos resíduos de forma a homogeneizar e melhorar a manipulação dos mesmos facilitando assim a sua gestão [83]. De forma a aumentarmos o desempenho da gaseificação é necessário: fazer a separação dos

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resíduos, a secagem da matéria prima para reduzirmos o seu teor de humidade, a trituração para igualarmos a granulometria dos mesmos, e o correcto acondicionamento para evitarmos a contaminação [84].

Na gaseificação é importante definir, se vamos utilizar os RSU obtidos através da recolha indiferenciada e heterógenea para a produção do gás de síntese [26], ou os fluxos de resíduos de maior poder calorífico, obtidos através da recolha seletiva dos mesmos, o que dará origem a um combustível derivado de resíduos (CDR) [83].

Após um pré-tratamento dos fluxos de resíduos da recolha seletiva, conseguimos produzir um CDR com um maior poder calorífico, uma composição física e química mais homogénea, com menores emissões poluentes, menor necessidade de excesso de ar durante a combustão, e um armazenamento, manuseio e transporte mais fáceis [83].

Os fluxos de resíduos dependem das condições socioeconómicas de cada país. Países mais desenvolvidos como os EUA vão ter uma produção de resíduos superior a nível de embalagens e têxteis, cujo poder calorífico é maior, o que leva a uma maior conversão de gases combustíveis e poluentes, sendo necessária uma maior quantidade de O2 para a gaseificação dos mesmos. Por outro lado, em países em desenvolvimento como a Tailândia a produção de resíduos orgânicos (comida e de jardim) é superior, bem como o teor de humidade dos resíduos, ou seja como consequência o poder calorífico e a taxa de recuperação energética destes resíduos será mais reduzida que nos EUA [26].

Os sistemas de gaseificação de ciclo combinado com base em ciclos pressurizados agrupados a sistemas de limpeza de gás quente (aumentam a eficiência da gaseificação em cerca de 3-4%), sendo uma das opções mais promissoras, registando ganhos de eficiência de mais de 40%. Contudo os sistemas pressurizados apenas são rentáveis em instalações de gaseificação em larga escala [77].

A gaseificação em leito fluidizado com um ciclo combinado e uma turbina a gás (CCTG) é a opção de tratamento mais atrativo em termos económicos e de eficiência [43]. Como as turbinas a vapor tem uma baixa eficiência elétrica, um processo de ciclo combinado com gaseificação combinada (CCGI) só é viável e economicamente interessante para instalações em larga escala [11].

Capítulo 2 – Gestão de Resíduos

As instalações de gaseificação para além de serem de rápida edificação, também são adaptáveis ao tipo de tratamento dos RSU, permitindo combinar as condições de funcionamento e as características específicas de um reator [14].

Atualmente, a nível mundial a recuperação energética faz-se através dos tratamentos termoquímicos de resíduos como por exemplo a gaseificação e a pirólise [39], de forma a reduzir a dependência e importação dos combustíveis fósseis e a reduzir o aquecimento global [72]. Apesar do elevado investimento, a gaseificação têm inúmeras vantagens sendo a produção energética, a recuperação de materiais, a preservação da saúde pública e ambiental as mais importantes [41].

Capítulo 3 - LIPOR

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