• Nenhum resultado encontrado

Parte I: Relatório de atividades presenciadas no estágio

3. Análise da casuística

3.2.2. Clínica Médica

3.2.2.2. Gastroenterologia

3.2.2.2.1. Gastroenterite aguda

O termo gastroenterite aguda é utilizado para a síndrome caracterizada por vómito e/ou diarreia, geralmente, envolve também anorexia, de aparecimento súbito, causados pela

dez-20 | Página 17

inflamação da mucosa gástrica e intestinal (Lawrence et al., 2015; Trotman, 2015). Trata-se de uma das apresentações mais frequentes na prática clínica (Marks et al., 2005).

Na abordagem ao paciente com gastroenterite aguda, a anamnese detalhada é uma ferramenta fundamental, visto que o exame físico para o trato gastrointestinal é limitado e que, por vezes, o paciente não apresenta alterações detetáveis através do mesmo. No exame físico a avaliação do estado de hidratação do animal e a palpação abdominal assumem particular importância, de forma a detetar atempadamente perdas significativas do volume de fluídos e, possivelmente, organomegália, palpar massas ou acumulação de fluído (Marks et al., 2005; Lawrence et al., 2015).

A lista de diagnósticos diferenciais para um quadro de gastroenterite aguda é vasta, varia desde problemas relacionados com a dieta, como indiscrições ou intolerâncias alimentares; obstrução, por exemplo pela ingestão de corpos estranhos; doenças infeciosas ou parasitárias, como a parvovirose ou a clostridiose; doenças inflamatórias ou imunomediadas, como a doença inflamatória intestinal; doenças metabólicas ou sistémicas, como a pancreatite ou piómetra; neoplasias; fármacos ou toxinas, como o xilitol; entre outros (Gough & Murphy, 2007; Lawrence et al., 2015). A história pregressa e o exame físico podem ajudar a desvendar qual a causa adjacente ao problema, no entanto, com frequência, esta não é identificada (Trotman, 2015).

O Gráfico 2 permite a perceção das diferentes causas de gastroenterite aguda presenciadas pela autora durante o estágio. No total observaram-se 41 casos de gastroenterite aguda, 36 da espécie canina e 5 da espécie felina, dos quais 49% não foi possível identificar a causa, 29% associados a pancreatite, 20% por indiscrição alimentar, e, por último, 2% por ingestão de corpo estranho. Os casos incluídos na contagem não contemplam casos com quadros de gastroenterite aguda provocados por agentes infeciosos ou parasitários, neoplasias ou por intoxicação; os primeiros estão inseridos na categoria doenças infeciosas e parasitárias, os segundos na categoria oncologia e os terceiros na toxicologia.

Gráfico 2: Causas de gastroenterite aguda observadas durante o estágio curricular.

29% 20% 49% 2% Pancreatite Indiscrição alimentar Causa desconhecida Corpo estranho

dez-20 | Página 18

Na decisão da extensão de exames complementares de diagnóstico a realizar deve ser tido em conta a história pregressa do paciente, a ocorrência prévia de sintomatologia clínica semelhante e a estabilidade do paciente (Trotman, 2015). As análises laboratoriais nem sempre são realizadas, pois, muitas vezes, os distúrbios gastrointestinais são autolimitantes e os pacientes respondem a um tratamento sintomático (Marks et al., 2005). No entanto, estas ajudam a descartar causas extra-gastrointestinais que possam estar a desencadear o quadro clínico. Se possível, as análises devem contemplar um hemograma, análises bioquímicas, urianálise e análise coprológica (flutuação fecal e exame fecal direto) (Lawrence et al., 2015; Trotman, 2015). Podem ser necessários meios de diagnóstico adicionais nos casos em que o exame do estado geral o sugira, em casos não responsivos ao tratamento sintomático ou casos em que as análises realizadas sugestionem uma causa subjacente (Lawrence et al., 2015).

A ecografia ou radiologia são recomendadas para pacientes com dor abdominal, no entanto, sempre que possível, devem ser utilizadas em conjunto com os restantes meios de diagnóstico (Lawrence et al., 2015; Trotman, 2015). A radiografia pode ser muito útil no caso de obstrução por corpo estranho, enquanto que a ecografia permite a visualização dos órgãos internos e a avaliação das diferentes camadas da parede gástrica e intestinal. A endoscopia é um método não invasivo, que permite a visualização da mucosa e realização de biópsia. A laparotomia exploratória permite biópsias mais profundas e de múltiplas áreas do trato gastrointestinal. Apesar de vantajosa nalgumas situações clínicas, trata-se de um método muito invasivo que pode acarretar complicações, como uma cicatrização demorada, tanto a nível do local de incisão como a nível das paredes gástricas ou intestinais lesadas. A laparoscopia é um método muito menos invasivo que requer apenas pequenas incisões, no entanto, a cicatrização das paredes gástricas e intestinais podem ser problemáticas (Trotman, 2015).

Quando a gastroenterite aguda for a causa primária para a sintomatologia clínica, o animal deve responder ao tratamento sintomático. No entanto, sempre que houver uma causa secundária associada, o tratamento da condição primária deve ser contemplado no plano terapêutico, além da terapia sintomática e de suporte (Lawrence et al., 2015).

O tratamento sintomático pode contemplar: medicação antiemética (por exemplo, maropitant, ondansetron ou metoclopramida), durante as 24 a 48 horas iniciais, quando o vómito faz parte da apresentação clínica; protetores gástricos, como o sucralfato, famotidina ou omeprazol; para os animais com diarreia, probióticos, que parecem diminuir o tempo de duração da diarreia; e antibioterapia – geralmente o paciente é sujeito a antibioterapia, de forma empírica, apesar ser recomendada apenas para pacientes com sinais sistémicos de doença e suspeita de translocação bacteriana (Herstad et al., 2010; Lawrence et al., 2015; Trotman, 2015; Ortiz et al., 2018).

dez-20 | Página 19

A nível nutricional, o jejum é cada vez mais questionável; assim que possível, o animal deve voltar a alimentar-se por via oral, exceto em casos nos quais a realimentação seja contraindicada, como nos casos de obstrução por corpo estranho. Se a diarreia for de intestino grosso, então a fibra dietética é uma componente importante do maneio nutricional (Lawrence et al., 2015).

A desidratação destes pacientes é muito comum, pelo que a fluidoterapia pode ser necessária em casos de perdas significativas de volume de fluídos e eletrólitos (Lawrence et al., 2015; Trotman, 2015). Esta pode ser feita por via oral - permite a suplementação eletrolítica e parece ser eficaz e segura em casos de diarreia hemorrágica; via subcutânea, se o estado de desidratação do animal for moderado ou se as restrições financeiras do tutor o impuserem, não deve ser suplementada com glucose; ou ainda por via intravenosa, para pacientes em risco de hipovolémia (Lawrence et al., 2015).

Na maioria dos casos o plano terapêutico de suporte é suficiente para a resolução do quadro clínico, porém, em casos severos, pode ocorrer descompensação aguda, por perdas de fluido, desequilíbrios eletrolíticos e ácido-base (Trotman, 2015).

O prognóstico de gastroenterite aguda depende da causa subjacente, mas, em casos ligeiros a moderados, é geralmente bom (Trotman, 2015).

dez-20 | Página 20

Documentos relacionados