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Geômetras gregos, discípulos de Pitágoras.

No documento O Homem Que Calculava (páginas 93-96)

CAPÍTULO X

1 Geômetras gregos, discípulos de Pitágoras.

- Essa proposição é verdadeira para todos os triângulos retângulos. Direi, sem receio de errar, que a lei de Pitágoras exprime uma verdade eterna. Mesmo antes de brilhar o sol que nos ilumina, antes de existir o ar que respiramos, já o quadrado construído sobre a hipotenusa era igual à soma dos quadrados construídos sobre os catetos.

Demonstração gráfica do teorema de Pitágoras.

Os lados do triângulo medem respectivamente 3, 4 e 5 centímetros. A relação pitagórica se verifica com a igualdade:

2 2 2

5 4 3

25 16 9

= +

= +

Mostrava-se o príncipe interessadíssimo com os esclarecimentos que ouvia do calculista. E falando ao poeta Iezid, observou com simpatia:

- Coisa maravilhosa, meu amigo, é a geometria! Que ciência notável! Percebemos em seus ensinamentos duas faces que encantam o homem mais rude e mais desinteressado pelas coisas do pensamento: clareza e simplicidade.

E tocando de leve com a mão esquerda no ombro de Beremiz, interpelou o calculista com honrosa naturalidade.

- E essa proposição, que os gregos estudaram, já aparece no tal livro Suba- Sultra do velho brâmane Apastamba?

Respondeu Beremiz sem hesitar:

- Sim, ó príncipe, a chamada lei de Pitágoras pode ser lida nas folhas do Suba-Sultra sob uma forma um pouco diferente. Pela leitura dos escritos de Apastamba aprendiam, ainda, os sacerdotes, para o cálculo dos altares, a transformar um retângulo num quadrado equivalente, isto é, num quadrado que tivesse a mesma área.

- E surgiram, na índia, outras obras de cálculo dignas de destaque? - indagou o príncipe.

- Várias outras - acudiu, prontamente, Beremiz. - Citarei a curiosa Suna-

Sidauta, obra de autor desconhecido, mas de muito valor, pois expõe, de forma

importância no cálculo. Não menos notáveis, para a ciência dos brâmanes, foram os escritos de dois sábios que são hoje apontados pela admiração dos geômetras. Aria-Bata e Brama-Gupta. O tratado de Aria-Bata era dividido em quatro partes: Harmonias celestes, O tempo e suas medidas, As esferas e Elementos de cálculo. Não poucos foram os erros apontados nos escritos de Aria-Bata. Esse geômetra ensinava, por exemplo, que o volume da pirâmide se obtém multiplicando-se a metade da base pela altura.

- E essa regra não está certa? - interrompeu o príncipe.

- Está, na verdade, errada - respondeu Beremiz. - Totalmente errada. Para o cálculo do volume de uma pirâmide devemos multiplicar não a metade, mas a terça parte da área da base (avaliada em polegadas quadradas) pela altura (avaliada em polegadas).

Achava-se ao lado do príncipe de Laore um homem alto, magro, ricamente trajado, de barba grisalha, meio avermelhado. Tipo estranho nos meios dos hindus. Julguei que era um caçador de tigres; enganei-me. Era um astrólogo hindu que acompanhava o príncipe em sua peregrinação a Meca. Ostentava um turbante azul de três voltas, bastante escandaloso. Chamava-se Sadhu Gang e mostrava-se muito interessado em ouvir as palavras do calculista.

Em dado momento o astrólogo Sadhu resolveu intervir nos debates. Falando mal, com sotaque estrangeiro, perguntou a Beremiz:

- É verdade que a geometria, na índia, foi cultivada por um sábio que conhecia os segredos dos astros e os altos mistérios dos céus?

Aquela pergunta não perturbou o calculista. Depois de meditar durante alguns instantes, tomou Beremiz a sua haste de bambu, desmanchou todas as figuras que se achavam no tabuleiro de areia e escreveu apenas um nome:

“Bháskara, o Sábio”. E disse com certa ênfase:

- Eis o nome do mais famoso geômetra da índia. Conhecia Bháskara os segredos dos astros e estudava os altos mistérios dos céus. Nasceu esse astrônomo em Bidom, na província de Deca, cinco séculos depois de Maomé. A primeira obra de Bháskara intitulava-se Bija-ganita.

- Bija-ganita? - repetiu o homem, do turbante azul. “Bija” quer dizer “semente”, e “ganita”, num dos nossos velhos dialetos, significa “contar”, “avaliar”, “medir”.

- É isso mesmo - confirmou Beremiz, numa sinceridade veemente. - É isso mesmo. A melhor tradução para o título dessa obra de Bháskara seria: a Arte de contar sementes. Mas, além do Bija-ganita, elaborou o judicioso Bháskara outra obra que se tornou famosa: Lilaváti. Sabemos que era esse o nome da filha de Bháskara.

O astrólogo do turbante azul voltou a interromper:

- Dizem que há um romance, ou uma lenda, em torno de Lilaváti. Conhece, ó calculista, esse romance ou essa lenda?

- Sim, sim - acudiu Beremiz. - Conheço-o perfeitamente, e, se for do agrado do nosso príncipe, poderei contá-la.

- Por Allah! - interveio prontamente o príncipe de Laore. - Vamos ouvir a lenda de Lilaváti. Ponho todo o empenho em conhecê-la! A mim, palpita-me que deve ser muito interessante.

Nesse momento, a um sinal do poeta Iezid, o dono da casa, surgiram na sala cinco ou seis escravos, oferecendo aos seus convidados, bolos de faisão, doces de leite, bebidas e tâmaras.

Logo que terminou aquela deliciosa refeição (e feitas as abluções do ritual), foi dada, novamente, a palavra ao calculista.

Beremiz ergueu-se, correu o olhar por todos os presentes, e assim começou:

- Em nome de Allah, Clemente e Misericordioso!1 Conta-se que o famoso

geômetra Bháskara, o Sábio, tinha uma filha chamada Lilaváti.

A origem do Lilaváti é muito interessante. Vou recordá-la. Bháskara tinha uma filha chamada Lilaváti. Quando essa menina nasceu, consultou ele as estrelas e verificou, pela disposição dos astros, que sua filha, condenada a permanecer solteira toda a vida, ficaria esquecida pelo amor dos jovens patrícios. Não se conformou Bháskara com essa determinação do destino e recorreu aos ensinamentos dos astrólogos mais famosos do tempo. Como fazer para que a graciosa Lilaváti pudesse obter marido, sendo feliz no casamento?

Um astrólogo, consultado por Bháskara, aconselhou-o a levar a filha para a província de Dravira, junto ao mar. Havia em Dravira um templo escavado na pedra, no qual era venerada uma imagem de Buda, que trazia na mão uma estrela. Só em Dravira (assegurou o astrólogo) poderia Lilaváti encontrar um noivo, mas o casamento só seria feliz se a cerimônia do enlace fosse marcada, em certo dia, no cilindro do tempo.

Lilaváti foi, afinal, com agradável surpresa para seu pai, pedida em casamento por um jovem rico, trabalhador, honesto e de boa casta. Fixado o dia, e marcada a hora, reuniram-se os amigos para assistir à cerimônia.

Os hindus mediam, calculavam e determinavam as horas do dia com auxílio de um cilindro colocado num vaso cheio d’água. Esse cilindro, aberto apenas em cima, apresentava pequeno orifício no centro da superfície da base. À proporção que a água, entrando pelo orifício de base, invadia lentamente o cilindro, este afundava no vaso e de tal modo que chegava a desaparecer por completo em hora previamente determinada.

Colocou Bháskara o cilindro das horas em posição adequada, com o máximo cuidado, e aguardou que a água chegasse ao nível marcado. A noiva, levada por irreprimível curiosidade, verdadeiramente feminina, quis observar a subida da água no cilindro. Aproximou-se para acompanhar a determinação do templo. Uma das pérolas de seu vestido desprendeu-se e caiu no interior do vaso. Por uma fatalidade, a pérola, levada pela água, foi obstruir o pequeno orifício do cilindro, impedindo que nele pudesse entrar a água do vaso. O noivo e os convidados esperaram com paciência largo período de tempo. Passou- se a hora propícia sem que o cilindro indicasse o tempo, como previra o sábio astrólogo. O noivo e os convidados retiraram-se para que fosse fixado, depois de consultados

No documento O Homem Que Calculava (páginas 93-96)