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1. INTRODUÇÃO

1.6 GENÉTICA E IMUNOLOGIA DA LEISHMANIOSE VISCERAL (LV)

A susceptibilidade e resistência à leishmaniose visceral já foi relacionada à genética do hospedeiro, tanto em estudos com humanos como em modelos experimentais (BLACKWELL et al., 2009; BRADLEY et al., 1979; JAMIESON et al., 2007), sendo muitos destes genes relacionados à resposta imunológica. Estudos em imunogenética podem fornecer pistas importantes para a melhoria das drogas, revelando novos alvos terapêuticos (BLACKWELL et al., 2009). Dentre os genes alvos, o que revela-se mais promissor é o gene do complexo de histocompatibilidade (BLACKWELL; FREEMAN; BRADLEY, 1980; JAMIESON et al., 2007; JORDAN; HUNTER, 2010) sendo esse envolvido tanto na resposta inata como na resposta adaptativa.

Outro gene envolvido na resposta imunológica inata relacionado à susceptibilidade à LV é o SLC11A1, também conhecido como NRAMP1 (VIDAL et al., 1995). Esse gene codifica uma proteína transmembrana presente no lisossoma e endossoma tardio de macrófagos e está relacionado à susceptibilidade a doenças causadas por parasitas intracelulares como M. leprae e M. tuberculosis (BLACKWELL et al., 2001). Ele é um transportador simporte de cátion divalente, como o ferro Fe++ por exemplo (BLACKWELL et al., 2001), e parece estar envolvido

também no aumento da produção de óxido nítrico induzido (iNOS), sendo essencial no controle da infecção de macrófagos por parasitas intracelulares.

A utilização de marcadores imunológicos é uma importante ferramenta para avaliação da progressão para a leishmaniose visceral (CARVALHO et al., 1992) assim como no processo de cura. A literatura descreve resultados contraditórios para pacientes durante a LV e após a cura, quando comparados os níveis de citocinas no plasma e na cultura após estimulação antigênica de CMSP desses indivíduos. Considerando que uma grande parte das citocinas tanto pró como anti- inflamatórias estão aumentadas no plasma de pacientes com LV (NYLEN et al., 2007), é descrita uma diminuição significativa dos níveis de citocinas inflamatórias IFN-γ e IL-12 e anti-inflamatória IL-10 em pacientes ainda com 30 dias de tratamento (CALDAS et al., 2005). Dessa forma, a cultura de células de indivíduos LV ativa é caracterizada por uma baixa resposta tipo 1, na qual as CMSP frente à estimulação antigênica produzem pouco ou nenhuma IL-2, IFN-γ e IL-12 (CARVALHO et al., 1985). O sucesso do tratamento depende de uma mudança no perfil de resposta imunológica do paciente (CLARÊNCIO et al., 2009), com um aumento da capacidade das CMSP de pacientes tratados frente a estímulo com SLA, em

produzir IFN-γ e uma diminuição na produção de IL-10 em cultura (CALDAS et al., 2005).

Uma possível explicação para a diferença nas quantidades de citocinas presentes na cultura de CMSP e no plasma se baseava no fato dessas citocinas terem origem em uma resposta pró-inflamatória, característica de órgãos linfoides secundários, sendo uma produção tecido-específica (GOTO; PRIANTI, 2009; NYLEN et al., 2007), ou mesmo pela possibilidade das citocinas presentes no plasma terem sido produzidas de forma inespecífica. Neste último caso, o próprio LPS, que encontra-se elevado no plasma de paciente com LV, pode levar ao aumento dessas citocinas (SANTOS-OLIVEIRA et al., 2011).

Estudos recentes em pacientes da Índia com a doença ativa, revelou que a cultura de sangue total frente ao antígeno de L. donovani apresentava elevadas quantidades de ambas as citocinas IFN-γ e IL-10, resultado contraditório em relação à cultura de CMSP (SINGH et al., 2012). A utilização da cultura de sangue total é uma metodologia mais barata, mais rápida e que requer um menor volume de sangue quando comparado com o cultivo de células purificadas. Associado a isso, levanta-se a hipótese de que essa metodologia reproduz de forma mais fidedigna o que acontece no sangue periférico (APPAY et al., 2006), uma vez que inclui na cultura diversos fatores presentes no plasma do indivíduo, como granulócitos e plaquetas, que apresentam um papel importante no desenvolvimento da resposta imunológica (ERFE et al., 2012).

Considerando citocinas pró e anti-inflamatórias no plasma, a diferença entre indivíduo infectado e controle sadio é mais expressiva para IL-10 (NYLEN et al., 2007). Essa citocina moduladora tem sido implicada como o principal fator imunossupressor tanto na doença humana como na leishmaniose experimental (CLARÊNCIO et al., 2009; MURPHY et al., 2001; RODRIGUES et al., 2009). Experimentos in vitro utilizando o cultivo de macrófagos (MILES et al., 2005; NYLEN et al., 2007) e avaliando sangue periférico de pacientes (VERMA et al., 2010) têm mostrado uma correlação positiva entre níveis de IL-10 e a carga parasitária. Ainda em relação a essa citocina, é sabido que os níveis de IL-10 diminuem no baço de pacientes após o tratamento, assim como estudos in vitro utilizando CMSP de pacientes frente ao estímulo com antígeno de L. infantum mostram uma diminuição da capacidade dessas células em produzir IL-10 após o tratamento (CALDAS et al., 2005).

Os anticorpos estão presentes na infecção por Leishmania spp., mas não são protetores e parecem estar envolvidos com a patogênese (MILES et al., 2005). Essa susceptibilidade conferida pela IgG está diretamente relacionada aos níveis de IL-10 e esse à carga parasitária (HOLADAY et al., 1993; KANE; MOSSER, 2001; MILES et al., 2005; NYLEN et al., 2007; VERMA et al., 2010). Monócitos infectados in vitro com L. infantum produzem IL-10 elevado, quando, à cultura, é acrescido soro de paciente com leishmaniose visceral. Essa respostas não é observadas quando soro de indivíduo sadio é acrescentado (MILES et al., 2005; NYLEN et al., 2007). Contudo a utilização de anti IL-10 nessas culturas diminui significativamente a quantidade de L.donovani em macrófagos (NYLEN et al., 2007).

Indivíduos e modelos experimentais infectados apresentam elevados níveis de IgG total anti-leishmânia. Por outro lado, a determinação de diferentes subclasses de anticorpos específicos fornece uma boa indicação da natureza Th1/Th2 da resposta imunológica (CALDAS et al., 2005; HAILU et al., 2001). Nesse contexto, IgG1 e IgG3 estão relacionadas ao polo Th2, ou seja, à susceptibilidade à doença, mas IgG2 não parece ter relação. IgG4 encontra-se elevada durante a doença mas cai após tratamento (CALDAS et al., 2005).

Os linfócitos T são as principais células implicadas na produção de IL-10 assim como na produção de IFN-γ e estes encontram-se aumentados no baço de pacientes com doença ativa quando comparados a indivíduos normais (NYLEN et al., 2007). A infecção de macrófagos e subsequente co-cultivo com linfócitos T, revelou um aumento na expressão de citocinas pró-inflamatórias (IFN-γ, IL-6, IL-1a, IL-1 ) e simultaneamente regulatória (IL-10, TGF- ) pelos linfócitos (ETTINGER; WILSON, 2008). O estudo do perfil de célula implicado na produção de IL-10 revelou que essa citocina é produzida por células CD4+CD25Foxp3em pacientes

infectados por L. donovani (NYLEN et al., 2007). O mesmo evento foi descrito para infecção experimental por L. major e L. donovani (ANDERSON et al., 2007; STAGER et al., 2006).

A citocina IL-10 está não somente envolvida na regulação da resposta Th1, importante no controle da doença, mas também na produção de arginase-1 (BISWAS et al., 2011, p. -10). Esta última é uma enzima citosólica do ciclo da ureia e utiliza como substrato a L-arginina, produzindo L-ornitina e ureia. Essa enzima está relacionada à inativação do macrófago onde, neste, ocorre uma diminuição na produção de ROS. Isso ocorre pois a arginase compete com a iNOS na utilização da

arginina como substrato e consequente formação de ROS. Sendo assim, diversos patógenos, inclusive a Leishmania spp. (BISWAS et al., 2011), induz o aumento da arginase para garantir sua sobrevivência no macrófago (GIORDANENGO et al., 2002; GOBERT et al., 2001; LAHIRI; DAS; CHAKRAVORTTY, 2008, p. 7). Estudo do nosso grupo revelou que a expressão do gene arginase 1 (ARG1) encontra-se aumentado em CMSP em pacientes com a doença ativa quando comparado com curado (GLORIA REGINA DE GÓIS MONTEIRO, 2014).

Um outro regulador da resposta imune, que age prevenindo a inflamação é a enzima Heme-oxigenase (HO-1) (ORIGASSA; CAMARA, 2013). Este gene também está mais expresso na fase sintomática da LV (GLORIA REGINA DE GÓIS MONTEIRO, 2014). A HO-1 é responsável pela degradação do heme, liberando ferro livre, monóxido de carbono e biliverdina (LUZ et al., 2012; ORIGASSA; CAMARA, 2013). Esta última é então convertida em bilirrubina, uma molécula com atividade anti-inflamatória, com papel já descrito na infecção por Leishmania pifanoi (PHAM; MOURIZ; KIMA, 2005). A infecção de macrófagos com L. infantum leva ao aumento da expressão de HO-1 e consequente aumento da carga parasitária (LUZ et al., 2012).

Diferentemente da IL-10, o estudo de citocinas do perfil Th17 revelou que L. donovani estimula a produção de IL-17 e IL-22 por CMSP de indivíduos sadios (PITTA et al., 2009). Indivíduos assintomáticos provenientes de região endêmica produzem muito mais IL-17 quando comparado a indivíduos curados; assim, os dados sugerem que na infecção por L. donovani a produção de IL-17 e IL-22 apresenta um papel complementar às demais citocinas relacionadas à resposta do tipo 1, sendo importantes na proteção contra o desenvolvimento da doença (PITTA et al., 2009).

É descrita uma supressão da resposta proliferativa específica a antígenos de L.infantum em pacientes com leishmaniose visceral (WILSON; JERONIMO; PEARSON, 2005), contudo resultados contraditórios são encontrados quando avaliadas alterações nas frequências de células CD4+ e CD8+ (NYLEN et al., 2007;

SANTOS-OLIVEIRA et al., 2011). Existem trabalhos que descrevem pacientes com a doença ativa respondendo ao estímulo com mitógeno assim como os controles (CARVALHO; TEIXEIRA; JOHNSON, 1981); outros, revelam a resposta linfoproliferativa frente ao mitógeno diminuída em relação aos indivíduos controles

(HO et al., 1983; ROTH, 1994). Em indivíduos doentes foram descritas diminuições de linfócitos CD8 ativados (CD8+CD25+) assim como de linfócitos CD4 ativados

(CD4+CD25+) e aumento de linfócitos em apoptose (Anexina V+ e CD95+) no sangue

periférico, contudo, após o tratamento, essas células retornam a frequências observadas em indivíduos sadios (CLARÊNCIO et al., 2009).

Em pessoas infectadas por L. donovani e que desenvolveram a doença, é descrita uma baixa frequência de célula de memória (CD4+ CD25+ CD45RO+) assim

como uma baixa expressão de Foxp3 (NYLEN et al., 2007). Essa baixa frequência pode ser explicada por uma migração ou retenção dessas células em órgãos infectados como medula óssea, mas não no baço (CLARÊNCIO et al., 2009; NYLEN et al., 2007).

Nesse contexto, observa-se, ainda, a necessidade de maiores investigações de diferenças da resposta imunológica durante a doença e após a cura da LV. A fim de contribuir para o entendimento dos mecanismos imunológicos associados à LV humana, com ênfase em células envolvidas na resposta imune adaptativa, propusemos para este estudo uma investigação detalhada de características imunofenotípicas de linfócitos do sangue periférico de indivíduos portadores de LV. Ainda no estudo da doença, foram feitas comparações da resposta imunológica do doente com indivíduos provenientes de região endêmica, sem história de LV. Adicionalmente, foi ainda realizada uma avaliação do impacto do tratamento nos parâmetros fenotípicos celulares, através da análise de linfócitos do sangue periférico de indivíduos curados.

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