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Capítulo 4: Romantismo e nacionalismo de Yeats: o Folclórico e o Político em The Countess Cathleen

1. A genesis e o enredo de The Countess Cathleen

Os poemas e peças de Yeats foram revisados exaustivamente pelo autor. The

Countess Cathleen, ao longo de vinte e sete anos, contabiliza cinco alterações. A

primeira versão foi lançada em 1892, sob o título The Countess Kathleen. Por volta de 1894, a peça sofreu novas alterações, sendo publicada em Poems (1895), já com sua denominação definitiva, The Countess Cathleen. Em 1899, Yeats voltou a alterar The

Countess Cathleen após a primeira encenação nos teatros irlandeses, sendo a peça

novamente publicada em uma edição de Poems (1901). O texto teria mais duas versões, uma em 1912, e a final, no ano de 1919, impressa, novamente, em Poems (1919), dedicada a Maud Gonne, quando Yeats releu a peça intentando rever as suas crenças místicas e folclóricas.

Entretanto, as alterações que Yeats arquitetou nas diferentes versões da peça não foram grandiosas. A modificação mais notável é no nome de Aleel, que, na primeira versão, chamava-se Kevin. Além disso, o personagem, com o passar do tempo, foi ganhando mais espaço no texto. Em 1892, Aleel aparecia apenas ao fim da peça, já na versão de 1919, o poeta aparece em todas as cenas.

Possivelmente, a alteração mais drástica foi a retirada de uma cena em que Shemus chutava uma estátua da Virgem Maria. O corte foi necessário devido às diversas críticas e à pressão política que a Igreja Católica orquestrou sobre Yeats, pois, como já mencionado, o ato do personagem foi considerado como sacrilégio para os irlandeses católicos.

Para escrever a peça, Yeats (2012) diz ter se baseado em uma compilação de contos de fadas folclóricos publicados em um jornal197 Anglo-Irlandês, de 1867. Tentando traçar a origem da fábula, o dramaturgo descobriu que o conto seria, na verdade, uma tradução de “Les Matinées Tomthée Trimm”, uma história francesa, que tinha como personagem central Comtesse Ketty O'Conno.

Porém, a história seria, na verdade, irlandesa, mas isso nunca pôde ser confirmado. Yeats chegou a conhecer uma variante do conto francês, escrito em inglês, chamado “The Woman who Went to Hell”, no livro de compilação folclórica West Irish

Folk Tales and Romances, de William Larmine, lançado em 1890.

Entretanto, Ebbutt (1994) afirma que as raízes da história são de origem irlandesa e a mesma estaria fincada nos tempos dos druidas, narrando os feitos de uma mulher que sacrificou-se em nomes dos deuses para manter o país unido contra as forças invasoras. Contudo, com a chegada da Igreja Católica à Irlanda, elementos cristãos foram adicionados ao conto, mas a linha central do enredo permaneceu mantida.

Segundo Foster (1997), além dos contos de fadas, Yeats teria se inspirado nas narrativas envolvendo a Grande Fome, para isso, sua principal referência foi o livro “The Black Prophet: A Tale Of Irish Famine Traits And Stories Of The Irish Peasantry” de William Carleton, escrito em 1888.

Yeats manteve na escrita de The Countess Cathleen as características básicas do conto de fadas, como por exemplo, a tendência à nitidez, a linearidade, o fluxo contínuo, a cristalinidade e a não deterioração da personagem. Porém, o que o dramaturgo leva aos palcos é um “conto de fadas” mais elaborado, revestindo-o com elementos simbólicos e alegóricos transmutados em uma linguagem que nos remete à

poesia lírica, em versos brancos.

Parte do lirismo da peça pode ser encontrado nas instruções cênicas, que descrevem os cenários de maneira quase poética. Ao detalhar a sala, o fogo, as árvores, a lareira, a floresta, o “céu dourado ou matizado” (CENA 1, p. 65), é criada uma imagem que alude a quadro que deveriam ser pintados em um “[...] colorido uniforme

[...]” , “[...] de uma só cor [...]” (CENA 1, p. 65), através de uma iluminura medieval de “pintura de missal” (CENA 1, p. 65).

A peça é composta por um único ato, sendo dividido em cinco cenas, de tamanhos variados, tendo como personagens principais: a condessa Cathleen; a família Rua, composta por Mary, Shemus e Teigue (filho de Mary e Shemus); Onna, a ama de Cathleen; Aleel, um poeta; dois mercadores, que são, na verdade, demônios; anjos; e os aldeões. Tentaremos, para fins didáticos, acompanhar o desenvolvimento da ação em seu eixo estrutural.

A primeira cena apresenta uma linguagem poética permeada de elementos sobrenaturais com referências a criaturas malignas que vagam por um vilarejo situado na Irlanda. Também nesta cena observa-se o retorno de Cathleen àquela localidade, sua procura por sua antiga casa, fazendo-se a Condessa acompanhar-se de Oona e Aleel. Em sua trajetória, Cathleen para em uma casinha da vila, e assim conhece Mary, uma camponesa pobre e faminta, que ajuda a Condessa a encontrar o caminho perdido para seu castelo embrenhado na floresta.

Porém, Cathleen acaba descobrindo que, naquelas terras, os aldeões estão todos famintos. Tentando ajudar a família Rua, a Condessa doara tudo o que trazia consigo para Shemus e Teigue, e logo em seguida, pede a eles para irem buscar mais dinheiro em seu castelo. Contudo, os dois não ficaram satisfeitos com a ajuda da Condessa.

Shemus, enraivecido pela sua atual situação e não tendo mais o que fazer, conjura os demônios que, aparentemente, rondam a floresta, e convida-os para entrarem em sua casa. Para a surpresa do aldeão, emergem da floresta dois homens vestidos de mercadores. Shemus se decepciona, porque esperava criaturas malignas. Os dois homens, porém, propõem a Shemus um negócio aparentemente “vantajoso”: trocar sua alma por ouro, o que é prontamente aceito por ele. Shemus e Teigue saem pela vila informando a boa nova a todos.

Na segunda cena, Cathleen começa a sentir o peso das desgraças do mundo em suas costas, como se o sobrenatural maligno causasse uma dor profunda para a personagem. Na verdade, a Condessa está cansada e sente-se emocionalmente fragilizada pelas desgraças que afundam suas terras no caos. Mesmo sendo informada

do assalto ao seu castelo, Cathleen pede que os guardas deixem que o povo pegue tudo o que for necessário para sobreviverem. Shemus e Teigue entram em cena trazendo a “boa nova”, informando que mercadores estão comprando as almas das pessoas em troca de dinheiro.

A condessa, assustada, suspeitando o caminho a que aquela ocorrência levaria, logo toma a decisão de pedir ao administrador do castelo que venda tudo o que ela tem, trazendo comida e o que for necessário do além mar, para sanar a fome do povo e acabar com aquele comércio que começava a tomar conta da vila.

Na terceira cena, Cathleen é tentada por Aleel a sair da vila e fugir com ele o mais rápido possível, para que o mal não a machucasse, mas a Condessa sabia que precisará defender o seu povo de alguma maneira, e só ela poderia fazer isso. Os dois mercadores/demônios entram em cena e conversam com Cathleen sobre a fome, tentando ludibriá-la para o comércio de almas. Na verdade, os dois diabos desejam a alma de Cathleen, mas compreendem que não podem tomá-la pela violência, pelo contrário, a alma da Condessa precisa ser entregue de boa vontade. Durante a conversa, Cathleen é informada pelo administrador de que todo seu dinheiro fora roubado, não lhe restando absolutamente nada.

Curta, a cena quarto traz dois aldeões admirados com a beleza do ouro. Na última cena, a quinta, acompanhamos o velório de Mary, que morreu por não aceitar compactuar com a venda da sua alma para os mercadores/demônios. Sem recursos, Mary acaba padecendo por inanição. A vila se encontra em um verdadeiro caos, pela instalação de algo que se assemelha a um mercado de almas. Cathleen deseja pôr um ponto final na história e decide entregar a sua alma em troca da alma de todos os aldeões, o que leva ao seu sacrifício e sucessiva ascensão aos céus. Ao final, a personagem é salva das portas do inferno pela intervenção de Deus, logo após uma batalha épica no céu/paraíso entre anjos e demônios.

Há de se salientar que durante o desenvolvimento da ação da peça é notável uma diferenciação entre os personagens através dos diálogos. De um lado, representando a dura realidade da vida, há Shemus, Teigue, Mary e os demais aldeões com falas secas, petrificadas, sem ritmo, o lirismo e a poeticidade, tão marcante em The Countess

Cathleen, evadem-se. Por outro lado, nos diálogos entre Cathleen e Aleel, que

representam um mundo ideal, das artes, as falas são construídas em formas que nos lembram um poema, tomando para si a estrutura lírica.

As falas das personagens é muito significante, pois essa dicotomia entre a realidade (dos aldeões) e idealismo (Cathleen e Aleel) é um dos conflitos que movem a ação na peça de Yeats. Ou seja, o mundo do qual Cathleen é guardiã parece existir apenas em sonhos e contos esquecidos. Os aldeões famintos e desesperados por alimento não lembram mais dos sonhos que ficaram para trás, são a realidade de uma Irlanda sofredora e submetida ao caos.