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3. PERCEPÇÕES SOBRE DIFICULDADES ACADÊMICAS: UM PONTO DE

3.1. PERSEVERAR EM CONDIÇÕES ADVERSAS

3.1.1. Gerir o Tempo

Nice94, vinte e dois anos de idade, universitária de primeira geração, precisava trabalhar para manter-se economicamente e ajudar no sustento familiar. Trabalhava quarenta horas semanais quando ingressou no curso de graduação em Letras Noturno. À pergunta sobre sua maior dificuldade na vida acadêmica respondeu:

Tempo para ler, porque trabalho longe, acordo muito cedo (6h00) para trabalhar e vou dormir muito tarde (24h30) porque moro longe da USP e

94 Solicitamos que os ingressantes escolhessem um pseudônimo, visando garantir seu anonimato. Em alguns casos, os alunos sugeriram o próprio nome ou seu sobrenome, indicando que não lhes parecia importante ser ou não identificado. Todavia, preferimos nestas situações, escolher, arbitrariamente, outro nome.

chego em casa próximo da meia-noite, por isso sempre estou sem tempo ou muito cansada95.

A falta de tempo para estudo, uma das dificuldades enfrentadas por Nice, principalmente pela necessidade de conciliá-lo com alta carga-horária de trabalho remunerado, foi a dificuldade mais citada pelos sujeitos da pesquisa, incidindo mais sobre os alunos de escolas públicas e nos cursos de Física e Letras, nos quais a maioria dos sujeitos é aluno-trabalhador, conforme os dados do perfil do alunado, que apontamos no capítulo anterior.

No curso de Licenciatura em Física, todos os ingressantes que exerciam atividades remuneradas, sete dos dez participantes, apontaram que conciliar estudo e trabalho era a maior dificuldade que encontravam, pois o curso exigiria muito tempo de estudo.

Flávio é um destes alunos. Ingressou em Licenciatura em Física aos vinte e seis anos, era casado e tinha um filho, trabalhando quarenta e oito horas semanais, gastando mais de uma hora e meia para chegar à universidade, avaliou seu desempenho, no início do semestre de ingresso como “Regular, devido ao pouco tempo para estudar” e congruentemente, apontava como suas necessidades: “tempo para estudar e mais monitório, tipo de reforço” e “maior facilitação no transporte, pois levo muito tempo para chegar na USP”.

Cabe ressaltar que Nice e Flávio, como outros ingressantes, possuem mais de vinte anos, não dão mostras de enfrentar problemas de transição entre adolescência e vida adulta. Estão vivenciando a primeira experiência em ensino superior. São adultos e, como tal, enfrentam responsabilidades financeiras que não lhes permitem deixar o trabalho remunerado.

No curso de Licenciatura em Física na USP, organizado em oito semestres no período diurno e em dez no noturno, as disciplinas básicas (obrigatórias) estão agrupadas em quatro blocos: Física, Matemática, Química e Educação. Os alunos do noturno dispõem de quatro horas semanais livres, “com forte recomendação e incentivo para que sejam utilizadas para estudos no campus.” (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO/IF, 2009, p. 10).

95 Buscamos transcrever as respostas dos alunos aos questionários sem alterações ou correções. Como a grande maioria das respostas foi enviada por “e-mail”, em algumas delas aparecem abreviaturas, letras maiúsculas para chamar a atenção, omissão de conectivos, conjunções etc., como sói acontecer nas mensagens eletrônicas.

Flávio parece seguir a recomendação, mesmo sendo possível que a desconheça, pois disse necessitar de mais monitoria, o que pelo pouco tempo de que dispõe, encerra a inevitabilidade de utilizar as horas semanais livres no campus. A falta de tempo devido à atividade remunerada de período integral é agravada pelas dificuldades de locomoção em uma cidade grande como São Paulo, prejudicando a disposição física necessária ao estudo: “sempre estou sem tempo ou muito cansada”, lamenta Nice.

Vilma, única “aluna-trabalhadora” participante da pesquisa do curso de Ciências Biológicas, queixou-se das mesmas dificuldades que Nice e Flávio:

Como trabalho 8h por dia, e tenho que viajar duas horas para chegar até a faculdade sobra pouco tempo para me dedicar ao estudo.

O problema de transporte consome grande tempo dos alunos. A maioria dos entrevistados informou gastar cerca de uma hora e meia ou mais para locomover-se até a universidade. Boa parte dos alunos poderia recorrer aos auxílios oferecidos pela Coordenadoria de Assistência Social – COSEAS – da Universidade de São Paulo, ampliados em 200896. Dentre estes auxílios, há a possibilidade de moradia gratuita no Conjunto Residencial da USP – CRUSP – e o auxílio-moradia para aqueles que não conseguem residência na universidade. Porém, poucos recém-ingressantes se referiram a estas possibilidades e apenas três disseram usufruir de algum benefício concedido pela Universidade. Dentre estes, Cesar e Muri disseram morar no CRUSP, ainda no início das aulas. Alunos mais velhos, trinta e trinta e cinco anos de idade, respectivamente, ambos ingressantes no curso de Licenciatura em Física, já possuíam experiências acadêmicas em instituições públicas.

Cesar conta que sua experiência acadêmica anterior o ajudou no que diz respeito a conseguir os auxílios necessários à sua vida acadêmica:

O fato de eu já ter cursado Telecomunicações no Colégio Técnico da Unicamp e cursado 6 semestres na USP de Ribeirão Preto, me deram uma experiência suficiente de adaptação ao ambiente e ao sistema; isto

96Segundo o Plano de Gestão, 2006-2009, da Pró-Reitoria de Graduação da USP, tal ampliação se deve a uma nova política de apoio à permanência dos graduandos, considerando a instituição do Programa de Inclusão Social da USP, que beneficia o ingresso de alunos oriundos da escola pública, em sua grande maioria pertencente às classes socioeconômicas mais desfavorecidas.

é, a greve atual dos funcionários, o sistema de aquisição de bolsas, a metodologia de ensino e a forte exigência e critério de avaliação, entre outros; já são experiências vividas e já estou adaptado as dificuldades atuais.

Cesar e Muri, que já havia estudado dois anos de Bacharelado em Física na UNESP, eram ingressantes com experiências anteriores em educação superior, conheciam e compreendiam procedimentos e dispositivos institucionais, apresentaram pistas de estarem institucionalmente afiliados, no sentido dado por Coulon (2008) a este termo, o que teria se refletido na forma como conseguiram usufruir do sistema de regras e normas da universidade, conseguindo o auxílio logo no início do ingresso.

Vale salientar que Coulon (2008) alerta para o fato de que as regras não são fixas, vão se constituindo conforme utilizadas, consequentemente, a afiliação é um processo sempre inacabado. Daí que mesmo experientes precisaram adaptar-se à situação nova, indicativo da competência adquirida.

Segundo o autor, a afiliação institucional não depende apenas de difusão de informação, não basta saber da existência das normas, regras ou dos auxílios. É preciso compreender sua lógica, possibilitando usá-las da melhor maneira possível e até transgredi-las. O fato de poucos alunos terem apontado a possibilidade de recorrer aos auxílios pode não se dever à falta de informação e sim ao desconhecimento das formas e exigências para a obtenção destes benefícios. Conhecer esta lógica requer tempo, por tratar-se de um processo, favorecido, segundo Coulon (2008) pela socialização entre colegas.

Somados às questões de tempo e de pressões financeiras, Nice sofre outros problemas: não conta com apoio ou incentivo familiar para estudar, com espaço adequado para leitura e acredita ter lacunas de aprendizagem que se expressam na falta de habilidades de leitura.

Sempre fui eu a responsável pelo investimento nos meus estudos. [A

família] dificultava com tantos problemas que tínhamos para convivermos.

Eram tantas brigas e discussões mais agressivas que nunca pude desenvolver o hábito de ler em casa, devido ao excesso de barulhos e perturbações.

Creio que o [meu] desempenho é regular. Levei em conta as dificuldades que possuo para ler as bibliografias e entendê-las de modo satisfatório (que é regular).

A falta de hábito de leitura exige mais tempo de dedicação ao estudo do que Nice dispõe, o que se agrava ao aliar-se à falta de concentração necessária aos estudos pela carência de local adequado, cansaço e preocupações financeiras, condições físicas e psicológicas adversas à concentração.

Ao referir-se à sua escolaridade anterior, conta que cursou o ensino fundamental e médio em escola pública e que tirava notas altas, nove e dez (de dez) em todas as matérias, porém, disse, “isso ocorria devido ao ensino de baixa qualidade que exigia pouco conhecimento para aprender alguma coisa sobre a disciplina”. Seu percurso escolar e condições familiares não lhe propiciaram hábitos e habilidades de estudo, pois disse não ter desenvolvido o hábito de leitura e se refere a dificuldades para interpretar textos, que considerou regular.

O fato de a escola pública não ter exercido sua função formadora, não viabilizar aprendizagens essenciais como a leitura, parece naturalizado por Nice ao sugerir mudanças no vestibular para que, no cursinho (preparatório ao vestibular), se desse maior ênfase à interpretação de textos:

A FUVEST deveria exigir menos gramática normativa na 2ª fase e exigir mais interpretação de textos mais acadêmicos. E na 1ª fase exigisse mais gramática normativa, porque os cursos pré-vestibulares seguem o edital do vestibular e isso de exigir mais interpretação na 2ª fase irá estimular o ensino de interpretação de textos mais acadêmicos, assim os vestibulandos aprovados estariam mais preparados para as bibliografias da Universidade.

O gosto pelo estudo de Letras, as experiências vivenciadas nos primeiros meses do curso, satisfazendo ou superando suas expectativas, as perspectivas futuras de seguir carreira acadêmica e seu gosto por aprender parecem tê-la ajudado a chegar ao quarto semestre do curso, apesar de alguns insucessos. Nos primeiros meses de aula, em maio de 2009, ela afirmava:

[...] sinto que possuo vocação para Letras e a cada aula que assisto tenho

mais vontade (e certeza) de seguir carreira (pós, mestrado e doutorado).

[...] Desmontaria as “panelinhas” formando grupos que fossem de 4 ou 5 alunos, e que fossem modificados os grupos a cada aula ou a cada trabalho. E tiraria o “hankeamento” para a habilitação.

No início do quarto semestre do curso (previsto para dez semestres), com duas reprovações no segundo semestre e uma no terceiro e, ainda, não tendo conseguido sua primeira opção de habilitação, reafirma seus propósitos:

Procurei não me pressionar com o hankeamento, mas fiquei muito triste por não ter passado na primeira opção de habilitação (Francês), porém desde que comecei a estudar sobre a cultura espanhola (atual habilitação, a qual era minha segunda opção do hankeamento) tenho cada vez mais sentido prazer em estudar, tanto que pretendo terminar Espanhol para depois quem sabe fazer Francês.

Quanto às panelinhas, depois do ciclo básico creio que os alunos se tornaram mais unidos, por conta até de trabalhos que precisamos fazer em grupos.

Eu amo Letras. Tenho muita vontade de dar aulas, mas de uns tempos pra cá penso na possibilidade de fazer pesquisa também (isso creio que não disse na época que dei a entrevista). Para mim, Letras é minha vocação, tenho imenso prazer de estar na faculdade, apesar de tantos problemas políticos e de infra-estrutura.

Quando do ingresso, Nice demonstrava conhecimentos sobre a vida acadêmica, pois já indicava seu desejo de prosseguir estudos na pós-graduação, “tenho mais vontade (e certeza) de seguir carreira (pós, mestrado e doutorado)”. Talvez esses conhecimentos derivem de seu ingresso em uma universidade que ofereça esta possibilidade e/ou pelo contato com seus novos professores, todos com pós-graduação, uma vez que não citou nenhuma pessoa de suas relações com este nível de educação. Mas parece que no terceiro semestre, “pós-graduação” assume novo significado. Ao escrever “de uns tempos pra cá penso na possibilidade de fazer pesquisa também”, que ela crê não ter mencionado anteriormente, embora o tenha feito ao referir-se à sua vontade de seguir carreira na pós-graduação, parece indicar que ela se apropriou dos termos, das suas implicações, o que não lhe era possível quando do ingresso. Apesar das dificuldades de várias ordens, Nice demonstra sinais de ter se afiliado à universidade, apropriando-se intelectualmente de significados de termos próprios do uso acadêmico.

Nice também aponta dois problemas específicos do curso de Letras da USP, o ranqueamento no ciclo básico e a estrutura física. Sobre o primeiro cabe esclarecer que este curso oferece a habilitação em Português e faculta a escolha de outra das 14 habilitações por ordem de classificação de acordo com o índice de aproveitamento nos dois primeiros semestres (ciclo básico), calculado pela média

aritmética das notas obtidas nas disciplinas obrigatórias destes semestres, atribuindo-se pesos um e dois, respectivamente, para o primeiro e segundo semestres97. Desta forma, o ingresso no curso de Letras não garante que o graduando venha a obter a habilitação de sua escolha.

A mudança de alunos nas turmas se apresentou para alguns ingressantes como possível entrave nas relações com os colegas de Letras, aspecto preponderante no processo de afiliação, conforme aponta Coulon (2008).

Júlio trabalhava trinta e seis horas semanais, tinha 20 anos, preparou-se por dois anos em cursinho pré-vestibular, também ingressante do curso de Letras, em tom de reclamação, deixa clara a dificuldade de interagir com os colegas, devido às mudanças de turmas:

[...] não entendo porque existe uma turma diferente para cada disciplina,

seria talvez mais fácil interagir com as pessoas no início do curso se fosse a mesma turma em todas as disciplinas.

Ágata, vinte e dois anos, realizou o ensino médio em escola particular, não fez cursinho preparatório para o vestibular e disse não experimentar dificuldades econômicas. Quando ingressante do curso de Letras não exercia atividade remunerada e avaliou sua relação com os colegas como:

Boas, mas como as turmas variam muito é difícil manter muito contato fora da sala, principalmente com quem trabalha.

Assim como outros colegas, com perfil bastante diferenciado, percebia como entrave às relações com colegas: a rotatividade de alunos nas turmas e o pouco tempo disponível do aluno-trabalhador. Além destes dois intervenientes, alguns alunos do curso de Letras manifestaram seu desinteresse em socializar-se, como Hana que escreveu:

97 Conforme Portaria FFLCH 020 de 25/10/2007 regulamentou as opções para matrícula nas habilitações do curso de Letras da FFLCH para o ano 2008. Anteriormente ao Projeto, conhecido como “Ciclo Básico de Letras”, a escolha pela habilitação no bacharelado de Letras se dava durante o processo de vestibular para ingresso na USP. No Plano de Metas do Departamento de Linguística (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2007), afirma-se que este projeto possibilita que os alunos façam a escolha da sua habilitação com maior conhecimento, pois já teriam cursado disciplinas que fundamentam as questões centrais da área, contribuindo para maior procura de habilitações pouco conhecidas no ensino médio, como Linguística, ou que não diretamente atendem a exigências do mercado, como Latim e Grego. Apontam, ainda, que o projeto tem contribuído no combate à evasão, percepção também do Departamento de Letras Modernas, conforme expresso em seu sítio oficial: http://dlm.fflch.usp.br/. Acesso em setembro/2010.

Tento manter uma relação não muito próxima e evitando conflitos ao máximo.

Hana não cursou o ensino médio regular, fez EJA98 e preparou-se por dois anos em cursinho pré-vestibular para ingressar, enquanto a maioria de seus colegas preparou-se por menos de um ano99 e cursou o ensino médio regular, características que a tornam parte da minoria no que concerne aos estudos anteriores ao ingresso. Apontou como as maiores dificuldades que estava encontrando na vida acadêmica “Adequar a escrita aos padrões acadêmicos e falar em público.” Afirmou, também, que consegue “conversar sobre diversos assuntos ligados às disciplinas com meus colegas.”

As falas de Hana são conflitantes, pois ao mesmo tempo em que busca não ter proximidade com os colegas, “evitando conflitos” conta que conversa com eles sobre diversos assuntos relativos aos conteúdos. As experiências escolares pré-universitárias e sua dificuldade em falar em público podem indicar que ela não se sinta pertencente ao grupo, e que estivesse buscando mostrar aos colegas que é membro do grupo, mas sem a convicção que lhe permitisse maior proximidade com os colegas ou falar em público. A partir de Coulon (2008), pode-se dizer que Hana estaria buscando afiliar-se, reconhecer-se e ser reconhecida como membro do grupo.

Maria, vinte anos, ingressante em Letras Noturno, sofria as dificuldades de conciliar os estudos universitários com quarenta e oito horas semanais de trabalho remunerado e também evitava laços mais estreitos com os colegas: “Falo o necessário.”, escreveu.

Além da falta de tempo para relacionar-se com os colegas, assim como Hana, não mostrava disposição para tanto. À pergunta sobre os fatores que a levaram a prestar vestibular para o ensino superior, respondeu que seu desejo era “Ser diferente dos demais da minha família.” Também neste caso parece se tratar da percepção de não pertencimento ao grupo, relacionada às suas origens familiares, pois fazer um curso superior a tornaria diferente de seus familiares.

98 Educação de jovens e adultos

– EJA, modalidade de educação destinada a jovens e adultos que não fizerem ou não completaram o ensino fundamental e/ou médio em idade regular. Hana pertence aos 3% dos ingressantes neste curso que realizaram esta modalidade de ensino médio.

99 Em 2009, segundo dados da FUVEST, disponíveis em sítio oficial, 39% dos ingressantes no curso de Letras noturno não se prepararam em cursinhos pré-vestibular, 39% se preparam por até um ano e 22% por mais de um ano.

Dalila se disse surpreendida com a dificuldade de socialização no curso de Letras, que percebia como sua maior dificuldade, enquanto ingressante que já passou por duas experiências anteriores na educação superior:

Me adaptar… passei dois anos na Unesp onde as pessoas eram extremamente calorosas, mesmo sendo paulistana me surpreendi com os estudantes de Letras, posso dizer que talvez esse seja o maior agravante para ir até a faculdade e dedicar-me aos estudos, falta de amigos!

Os ingressantes do curso de Letras Noturno constituem um grupo bastante heterogêneo quanto à idade, à condição sócio-econômico-cultural de origem, à disponibilidade de tempo (38% não exercem atividade remunerada e 37% a exercem por mais de trinta e duas horas semanais) e quanto à escolaridade anterior, 56% dos ingressantes eram egressos da escola pública e 51% já tinham experiências anteriores no ensino superior. Para Tinto (1993) as condições individuais, anteriores ao ingresso – nível sócio-econômico-cultural, habilidades intelectuais, escolaridade prévia – impactam as intenções e o compromisso institucional que afetam o desempenho acadêmico e as formas de interações sociais com professores, funcionários e colegas. Por sua vez, experiências interativas que promovam a integração social e intelectual, aumentam a probabilidade de conclusão do curso devido ao impacto que experiências integradoras têm sobre a reformulação contínua de metas individuais e compromissos. Então, a sociabilidade se apresentaria com fator relevante para a integração.

Parece-nos que a heterogeneidade da turma traz dificuldades para a construção do sentimento de pertencimento ao grupo, repercutindo na socialização, mas para os alunos, o pouco tempo disponível dos que trabalham e a rotatividade das turmas do curso de Letras se apresentaram como obstáculos à integração. Neste sentido, Nice disse que seu relacionamento com os colegas de curso era “Regular, pois não tenho muito tempo para conhecê-los, mas até o momento não tive atrito com eles.”

Segundo Coulon (2008, p.48), a socialização é uma das dimensões da afiliação, processo de incorporação de “práticas e funcionamentos universitários para se tornar membro competente da comunidade” (Ibid. p.120) e ser reconhecido como tal. A pouca socialização entre os estudantes pode representar dificuldades no processo de afiliação, levando “o estudante a se isolar de múltiplas e minúsculas

operações que participam da imersão nessa nova cultura” (COULON, 2008, p.43) e, consequentemente de sua afiliação.

Entendemos que o conceito de integração (TINTO, op. cit.) aproxima-se do de afiliação (COULON, id.) no sentido de que ambos os autores se apoiam nos estudos de Van Gennep (1960) sobre ritos de passagem, entendendo que a entrada na educação superior significa uma ruptura com o passado, uma dissociação com a sociedade da qual advém o aluno e que comportamentos, normas, valores e estilos intelectuais precisam ser transformados e apropriados, embora ressaltemos que as construções destes dois conceitos se deram a partir de concepções diversas sobre como se constrói o conhecimento. Nossa observação leva em conta as opções metodológicas dos dois autores nos trabalhos a que tivemos acesso. Tinto optou por pesquisas de cunho quantitativo, referindo-se a grupos de alunos enquanto Coulon faz uso da etnometodologia com enfoque no sujeito, relevando as interações sociais na construção da interpretação do mundo.

Os dois autores também apontam que a instituição joga papel importante na afiliação ou na integração dos ingressantes, conforme Coulon (2008) e Tinto (1993), respectivamente. Sobre a socialização no curso de Letras, no âmbito das