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Esse era o peddo para a equpe de nterventores: crar nos servços essa dsponbldade, essa abertura para uma outra referênca em saúde. E fo com

essa ntenção que ncamos, em feverero de 2001, a ntervenção no Centro de Convvênca e Cooperatva (CECCO) do Parque Prevdênca gerencado pelo PAS.

Enquanto subíamos as velhas escadaras do Parque Prevdênca, acompanhados pelo dretor da admnstração regonal de saúde, fomos tomados por um assombro: O CECCO Parque Prevdênca tnha mudado, dfera muto do servço anteror ao PAS. Essa dferença não era um saudossmo, e também não era sentda apenas pela mudança da equpe, nem dos usuáros, nem tampouco dos mobláros da nsttução. A atmosfera do CECCO é que não tnha mas o mesmo encanto. Já na entrada poda-

se perceber que uma outra gestão do trabalho hava sdo al nstaurada: em mesas e salas, dvddas por bombos, espalhavam-se usuáros segregados em suas patologas ou faxas etáras (dosos, defcentes, cranças com problemátcas escolares) em trabalhos que eram denomnados como “ofcnas”. Mas de que ofcnas falavam?

Certamente não aconteca naquele espaço o trabalho de ofcnas cujo trajeto é habtar um campo híbrdo, a dversdade; habtar o lugar onde acontecem as msturas e os encontros, e por sso habtar sempre esse espaço fronterço dos agencamentos de város campos. Se um outro modo de gestão hava sdo mplementado naquele servço, certamente as ntervenções que al se produzam estavam relaconadas com o método desta gestão.

Para além do encontro com o espaço físco do CECCO, desde a fragmentação provocada pelos bombos, e uma dvsão patologzada e terapeutzada das pessoas que al se encontravam, aquele espaço estava prncpalmente trste: corpos enclausurados nas própras atvdades, um slênco dsfarçado pela músca ambente de uma rádo FM qualquer. Tudo al encobra na memóra, a alegra dos encontros que outrora expermentamos naquele mesmo espaço físco.

As “ofcnas”, dspostvo tão precoso que nasceu como um devr mnortáro12

das ntervenções em saúde mental, e fo dsparador de tantas novações no campo da clínca ps, estavam al totalmente capturadas no seu modo de exstênca tornando-se padrão de sujeção e controle. Se al havam colocado em prátca um método de gestão pautado pela doença, as ntervenções anda denomnadas de ofcnas perderam sua especfcdade: a força de agencamento, e a potênca de colocar em jogo o hbrdsmo da vda.

Instaurou-se um grande estranhamento no reencontro com aquele servço. Ao entrar no salão de atvdades era como se tvéssemos sdo jogados num passado

que não se lembrava exstr. Como fala Calvno em seu lvro As cidades invisíveis, “a surpresa daqulo que você dexou de ser ou dexou de possur revela-se nos lugares

estranhos e não conhecdos” (Calvno, 2000: 28).

O reencontro com o CECCO não se deu pela alegra dos encontros saudáves e sm com conversas surdas, com o slênco dos corpos e gestos sem movmentos, com o trabalho sem vda, com o enclausuramento nas tarefas.

Após um período de espera em que se observava o trânsto do servço, a dretora nos recebeu com o mapa de produtvdade do servço, nformações quanttatvas dos atendmentos, se apressando em mostrar dados comparatvos dos números de atvdades e números de usuáros antes e depos do PAS, obvamente, qualfcando a superordade do PAS em relação aos números anterores.

Era um quadro assustadoramente grande: cnqüenta e duas “ofcnas” que se dstrbuíam pela semana atendendo, segundo ela, “todos os usuáros portadores de transtornos mentas, defcentes, dosos, cranças com necessdades especas, encamnhados pelos servços de saúde e escolas da regão, e encaxados segundo crterosa avalação dos técncos da equpe”.13

Em documento desse período verificamos que o CECCO Parque Previdência possuía uma equipe técnica formada por seis profissionais: um assistente social, dois psicólogos, um terapeuta ocupacional, um fonoaudiólogo e um educador em saúde pública, que se revezavam no quadro das cinqüenta e duas oficinas semanais. Os profissionais trabalhavam isolados nas suas atividades e oficinas não havendo a prática de reuniões de equipe para planejamento coletivo das ações e tampouco partilhar do cotidiano institucional. Para a diretora do serviço, os técnicos tinham como função “oferecer atividades para pessoas com problemas especiais”.14

Segundo o Relatório de Intervenção do CECCO Parque Previdência, PMSP 2001,15 “a oficina é a única forma de intervenção no CECCO. Não existe nenhuma

outra forma de convívio entre as pessoas que freqüentam a unidade”.

13 Regstro de entrevsta, feverero 2001.

14 Relatóro de Intervenção do CECCO Parque Prevdênca, Coordenadora de Saúde do Butantã, PMSP, 2001.

15 Esse relatóro é o únco documento que temos do período do PAS, além dos depomentos de usuáros e técncos do servço, pos quando chegamos no servço, não hava nenhum regstro relatvo a esse período (1996-2001).

Ainda segundo esse documento a população inscrita no CECCO Parque Previdência em fevereiro de 2001 era de 1.125 usuários. Destes somente 115 freqüentavam o serviço regularmente, sendo que 40% estavam diagnosticados como portadores de transtornos mentais, 20% portadores de deficiências, 20% crianças com problemas de aprendizagem, 20% idosos com algum comprometimento físico ou mental.16

Um clássico serviço de atenção à doença aparecia tanto nos relatórios oficiais do CECCO-PAS como nas entrevistas com a direção da unidade daquele período que novamente encobria a memória dos encontros alegres saudáveis pautados no desejo de se “estar com”.

A gestão desse serviço de saúde estava ali pautada pela inclusão (no serviço) de pessoas ditas “excluídas”. Aqui aparece claramente o conceito de inclusão encontrado muitas vezes nos programas de atenção à saúde: a inclusão como vetor de verticalidade. A oposição inclusão/exclusão como categorias do positivo/ negativo, como hierarquização piramidal faz com que os serviços proponham estratégias que visam “atender os excluídos do social”.

As oficinas do CECCO-PAS tinham um compromisso claro com essas estratégias que se propunham à formação de grupos estratificados e doentes.

O diretor da administração regional de saúde, após uma quantitativa apresentação do serviço e do seu funcionamento, comunicou àquela direção, que a instituição seria acompanhada dali para frente por um interventor que teria como objetivo realizar a passagem da unidade, ora gerenciada pelas cooperativas, para a gestão direta da Secretaria Municipal de Saúde.

Assumir o compromisso de iniciar a atividade interventora, foi acompanhado de um emaranhado de sensações, e as perguntas que também nos trouxeram para este trabalho de intervenção e igualmente de pesquisa começaram a insistir: Como fazer funcionar novos regimes de produção de trabalho? Como criar aberturas para novas composições? O que será que não havia ficado retido do CECCO na experiência do PAS? O que continuou em movimento?

16 Os prontuáros dos usuáros do CECCO-PAS somente contnham as nformações de dentfcação e dagnóstco. Acredtamos que sso se deve ao fato de que esse procedmento não estava a servço do acompanhamento clínco do usuáro freqüentador do servço. Esta nscrção realzada para qualquer transeunte do parque era realzada com fnaldade orçamentára. A SMS realzava um repasse fxo per capita com base na população cadastrada.

Se o que resta, como nos ensinaram Passos e Benevides Barros, é “o que não resta, o que não fica retido, o que resta é o próprio caminhando enquanto modo de operar: questão de método” (Passos & Barros, 2006). Questão de modo de gestão.

Ora, se o usuários do CECCO haviam ficado submetidos a uma condição homogeneizante pela inclusão dos excluídos (doentes), ainda assim conceitos-chave como inclusão e convivência — centros de convivência — poderiam conduzir à questões e encaminhamentos bastante diversos às diretrizes do PAS.

Reposicionar o problema da inclusão e convivência como a possibilidade de acessar uma dimensão mais inclusiva do social é, diferentemente da experiência do PAS, resgatar o homem comum, buscar ali um povo que faltava, não um povo preexistente, mas entrar num processo de constituição, pois, como propõe Deleuze: a invenção de um povo é a criação de uma saúde, isto é, de uma possibilidade de vida.

E por que estamos afirmando a saúde como uma possibilidade de vida? Se dissemos que o itinerário do CECCO nos levou à gestão de uma saúde poética é por coincidir esses dois termos, afastando-os das alternativas dicotômicas: ou, ou. A saúde a partr desta perspectva é um modo de exstênca: “é o expresso de um

agencamento concreto de vda. (…) A nvenção de novas possbldades de vda supõe, portanto, uma nova manera de ser afetado” (Zourabchvl, 2000: 338).

Para reposconar o conceto de convvênca, podemos pensá-lo com Maturana, pos ressoa com a déa de nclusão que temos aqu trabalhado, a nclusão como a cração de uma possbldade de vda. Para o autor convvênca é este espaço/tempo das relações dos sstemas, é “lugar” de perene cração/recração da vda, à medda que se consttu como socal na perspectva menconada acma (Maturana, 2004).

Inclusão e convvênca nesta perspectva são processos de cração de vda e, portanto, cração de uma saúde.

É mportante ressaltar que, desde 2001, níco do governo, um dos projetos prortáros dessa gestão era explodr o PAS, e seu modo de operar na saúde públca do muncípo. A volênca e a dmensão vertcalzante que marcaram o modelo PAS eram vstas não só pelos trabalhadores da saúde, mas por grande parte da socedade cvl como marcas de um governo autortáro e excludente. Além dsso, a desartculação com outras nstâncas governamentas (governos Estadual e Federal),

e não governamentas, mantnha, como já dssemos anterormente, a saúde desta cdade prvada de um sstema de atendmento à saúde de âmbto naconal, o SUS. E quando dgo excludente é por consderar que este modo de gestão não possbltava aberturas para uma perspectva de conexão, não nclundo com sso o coletvo em qualquer de suas dmensões.

Mas como nterromper o funconamento de um sstema de saúde, na maor cdade do País, sem pratcar a mesma volênca com que ele fo mplantado? Como não causar, à população atendda, o mesmo desconforto, os mesmos traumas, as mesmas dfculdades, ou anda, como não realzar as mesmas promessas de um modelo deal, marca da mplementação do PAS no muncípo, e com sso fechar novamente um campo de possíves?

Para Zourabchvl (2000: 346),

fechar o possível não eqüvale, de forma alguma, a esgotá-lo: é apoar volentamente o devr no nada. Dos efetos podem dervar daí: que as pessoas tenham medo de devr porque eles só dexam vslumbrar o nada, a s mesmo como nada (dobra arcazante), ou que nada mas tenham para querer senão o nada (dos vândalos aos terrorstas). A volênca torna-se, então, prmera, fm em s, a vontade nada mas tendo para querer senão o que lhe é proposto, ou seja, nada: vontade de nada.

Nas reunões ncas com o grupo de nterventores, e também com os novos drgentes, o então secretáro muncpal de saúde tnha como preocupação nstaurar uma atmosfera de suavdade no período de transção, embora todos soubéssemos que essa era uma tarefa dfícl já que os trabalhadores que voltavam aos seus postos de trabalho tnham sdo, em sua grande maora, vítmas da volênca do PAS. Tal como num pós-guerra, stuação em que os torturados e bandos podem retornar, tendo nas mãos seus torturadores, um desejo de vngança parava nas conversas de bastdores.

Mas esse desejo de vngança, alado a uma aura de delcadeza, pode ser expermentado como postvo, pos a partr daí abru a possbldade de saída de um sntoma mórbdo (o ressentmento, a resstênca que obstaculza) para alcançar uma nova saúde, atngr a consstênca postva da polítca: retornar ao trabalho, trabalhadores afastados do trabalho vvo, entendendo trabalho vvo como “pura e smplesmente potênca de crar onde só há vazo” (Negr, 2000: 199).

Já dssemos acma que durante a vgênca do PAS os trabalhadores em saúde, mpossbltados de partcpar de polítcas públcas, o públco aqu entenddo como as experêncas concretas do coletvo, foram dexados mersos num trabalho morto — só lhes restava o ressentmento — e a retomada de uma atvdade construtva fo

mportante catalsador de vda para todos.

Tratava-se de apostar na montagem de dspostvos para modulação nsttuconal, utlzar esse potencal rompendo com as cooperatvas prvadas do PAS, produzndo coletvamente um trabalho cooperado, um entrelaçamento entre os trabalhadores em saúde e a comundade atendda, e assm produzr novos modos de cudar e gerr a saúde.

Nesse sentdo, o trabalho de gestão ncado naquele momento de ntervenção no CECCO, fo tomado como um dspostvo de agencamento. Agencar pode ser vsto aqu como uma estratéga de crar uma zona em que a nsttução pudesse entrar em contágo com o mundo, entrar em contato com o seu fora, sto é, o fora que nssta na máquna de Estado e que podemos chamar de plano do coletvo. “O agencamento é um novo recorte, um novo estramento, uma nova dstrbução

que mplcam operar em um espaço e em um tempo especas, ntensvos e não prevamente dados” (Zourabchvl, 2000: 342).

Num prmero momento a função dessa gestão — entendendo a ntervenção como gestão, e a gestão como ntervenção — fo reconsttur um espaço cotdano de convívo entre os técncos que voltavam ao trabalho, e os usuáros com suas revndcações de tratamento. Provocar al possbldades de encontro, e encontrar no sentdo de produzr esse agencamento, esse máxmo de conexões.

Essa estratéga tratou de crar, desde o níco, um sstema de co-gestão para assm fazer a nsttução funconar no seu lmte. Crar a possbldade do CECCO se exercer como nsttução frontera — frontera não que separa mas que por prncípo pode funconar no “entre”. A gestão nesse sentdo fo produzda no exo da transversaldade, numa operação entre a máquna de Estado e o plano do coletvo. Em vez de fazer o CECCO funconar por sua essênca, o camnho de gestão fo fazer funconarem as suas potêncas.

Todo esse camnho que realzamos tomando o PAS como ponto de partda não fo uma escolha retórca, tampouco o combate de uma mltânca ressentda contra uma forma polítco-partdára: um julgamento contra o PAS.

Nosso trajeto consstu bascamente em cartografar o ntolerável desse período (para a saúde, para os trabalhadores em saúde), as formas duras da máquna de Estado, que despotencalzaram um modo de vda e produção de saúde coletva. E se apostamos nesse camnho fo porque por meo dele se fez a urgênca de construção de um método de gestão que nvertesse essa lógca ndvdualzante e fascsta de gerr a vda.

Nosso método de tríplce nclusão, esse método rzomátco, tornou possível esse combate porque “a descrção se faz ato, descrção-ntervenção que consttu no mesmo movmento aqulo que descreve. Ato-descrção que já põe algo a funconar sendo ele mesmo efeto de uma funconaldade” (Passos & Barros, 2007: 6).

Com sso posto podemos pensar que esse método funcona como um procedmento de combate, mas se trata do combate na manênca:

esses combates-contra encontram sua justfcação em combates-entre que determnam a composção das forças no combatente. É precso dstngur o combate contra o Outro e o combate entre S. O combate-contra procura destrur ou repelr uma força (lutar contra “as potêncas dabólcas do futuro”), mas o combate-entre, ao contráro, trata de apossar-se de uma força para fazê-la sua. O combate-entre é o processo pelo qual uma força se enrquece ao se apossar de outras forças somando-se a elas num novo conjunto, num devr (Deleuze, 1997: 150).

Como nos esclarece Orland em aula mnstrada este ano na PUC, Programa de Pscologa Clínca: “o combater na manênca é tanto mas consstente quanto mas ele consegue transversalzar as ntensdades dos “combates-contra” por força das ntensdades dos “combates-entre”.

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