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MARIA CECÍLIA GALLETTI ITINERÁRIOS DE UM SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL NA CIDADE DE SÃO PAULO: TRAJETÓRIAS DE UMA SAÚDE POÉTICA

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Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARIA CECÍLIA GALLETTI

ITINERÁRIOS DE UM SERVIÇO

DE SAÚDE MENTAL NA CIDADE DE SÃO PAULO:

TRAJETÓRIAS DE UMA SAÚDE POÉTICA

DouToRADo — PsICoLoGIA CLÍnICA

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARIA CECÍLIA GALLETTI

ITINERÁRIOS DE UM SERVIÇO

DE SAÚDE MENTAL NA CIDADE DE SÃO PAULO:

TRAJETÓRIAS DE UMA SAÚDE POÉTICA

DouToRADo — PsICoLoGIA CLÍnICA

Tese apresentada à banca examinadora

da Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo, como exigência parcial

para obtenção do título de Doutor em

Psicologia Clínica, sob a orientação

do Professor Doutor Luiz Benedicto

Lacerda Orlandi

(3)
(4)

“Esses problemas traçam um conjunto de caminhos.

Os textos aqui apresentados,

e os autores considerados são tais caminhos.

Uns são curtos, outros mais longos, mas eles se cruzam,

tornam a passar pelos mesmos lugares,

aproximam-se ou se separam,

cada qual oferece uma vista sobre outros.

Alguns são impasses fechados pela doença.

Toda obra é uma viagem, um trajeto,

mas que só percorre tal ou qual caminho exterior

em virtude dos caminhos e trajetórias interiores que a compõe,

que constituem sua paisagem ou seu concerto.”

Gilles Deleuze. Crítica e Clínica

(5)

Para Pedro e Bárbara com amor

(6)

Agradecimentos

Este trabalho fo construído na vznhança e na conexão com um coletvo que reúne:

O meu orentador Luz Benedcto Lacerda Orland, que me acolheu com carnho e alegra no doutorado, por sua grande generosdade e precsão no acompanhamento de todo o trabalho;

A mnha famíla querda: La e José Antôno, meus pas; Fernando, e, prncpalmente, a Mara, por me acompanhar e manter-se sempre ao meu lado;

A equpe do CECCO Parque Prevdênca: Adelade Montero, Alcdes Neves, Andréa Jurd, Cbele Marques, Crstna Lourenço, Crstna Olvera, Drauzo Camarnado, Gulano Obc, Irene Martns, Ivette Del Pozzo, José Ináco, Laura Abe, Lúca Chba, Luz Fernando dos Santos , Madalena Clemente, Selma Eufrazo, Sérgo Urquza, Slva Abreu, e Tatana Vlela, com quem expermento, cotdanamente, um modo ntensvo de gestão do servço;

Todos os usuáros que freqüentam os projetos do CECCO e me forçam, constantemente, a nventar uma clínca;

Os estagáros do CECCO pelo entusasmo e vbração com os projetos;

Regna Benevdes e Rcardo Texera pelas contrbuções valosas por ocasão do exame de qualfcação que multplcaram os camnhos desse trabalho;

O GrupoTrans, prncpalmente Eduardo Passos e Regna Benevdes, ntercessores potentes na construção de um pensamento clínco-polítco;

(7)

Crstna Vcentn, Izabel Ghrard, Maríla Muylaert e Mauríco Lourenção pelas leturas carnhosas e precsas em momentos város da tectura do texto;

A equpe de colegas gestores da saúde do Butantã, prncpalmente Regna Castanhera, pela parcera nestmável e cumplcdade em encontrar graça nas cosas;

Os coordenadores de Saúde do Butantã: Edth Laurndsen, Marta Hor e, especalmente, Alexandre Nemes Flho, pela lberdade na busca de um camnho de gestão;

Os amgos querdos de toda hora: Izabel Ghrard, Celeste Sampao, Regna Castanhera, Drauzo Vcente, Alex Nemes, Irene Martns, Felíca Knobloch, pelos dálogos e ressonâncas tão vtas;

Júlo Lourenço por estar sempre por perto e pela grande afndade que temos partlhado;

Bernadete Vera por todo apoo logístco e pelo carnho com que cuda da nossa casa;

Aradne Escobar pela revsão atencosa do texto e Amlton Carvalhal pela gentleza na realzação do abstract;

A Capes pelo fnancamento parcal desta pesqusa;

(8)

REsuMo

GALLETTI, Maria Cecília. Itinerários de um serviço de saúde mental na cidade de São Paulo: Trajetórias de uma saúde poética. São Paulo, 2007, 151 p. Tese (doutorado) Programa de Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

O propósto desta tese de doutoramento é cartografar a trajetóra de um servço de saúde mental do muncípo de São Paulo — o Centro de Convvênca e Cooperatva Parque Prevdênca — mas especfcamente, problematzar um modo de gestão que al temos expermentado.

Essa posção de gestão, que rearranja o modo de subjetvdade na clínca, fo tomada, nesta pesqusa, como um método que se desloca da perspectva de análse das formas extensvas para um processo que se consttuu como um dspostvo clínco polítco capaz de transversalzar a dmensão públca das polítcas de saúde na sua relação com o Estado. Método ntensvsta.

O texto teve a contrbução de autores vnculados, prncpalmente, à flosofa da dferença, e camnha com o método na desmontagem de um modelo tradconal de atenção em saúde, que dentfca a gestão com o lugar de alguém (de um gerente), para fazer aparecer uma função de gestão à medda que não é mas uma prátca ndvdual, mas se realza na expermentação conectva da rede.

A esta experênca de gestão em rede, que tem desencadeado processos de trabalho nclusvos pos consttu comundades e subjetvdades coletvas, chamamos saúde poétca que é uma saúde ntensfcada em novos modos de cudar da vda.

(9)

ABsTRACT

GALLETTI, Maria Cecília. Itineraries of a mental health service in São Paulo city: Ways for a poetic health. São Paulo, 2007. 151 p. �issertationSão Paulo, 2007. 151 p. �issertation (doctorate) Program of Clinic Psychology. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (São Paulo Catholic University)

The propose of ths doctorate dssertaton s to map the ways to a mental health servce n São Paulo County — Centro de Convvênca e Cooperatva Parque Prevdênca —, and most specally to rase questons about the management ssues that we are experencng.

Ths management atttude that rearranges the clncal subjectvty system was adopted n ths research as a method that moves away from the perspectve of analyss of extensve approaches to a process that consttuted tself as a poltcal clncal devce capable of transversalzng the publc doman of health polces n ts relaton wth the State. Intensvst method.

Ths text receved the support of authors engaged manly wth the Phlosophy of Dfference, and goes along wth the method n the deconstructon of a tradtonal model of health care, whch dentfes the management wth the poston of a person (as a manager) to gve lfe to a management functon that s no longer an ndvdual practce, but rather reaches ts fulfllment n the network connectve experment.

We call poetc health ths experence of network management, whch s mprovng health n new ways of lfe care, and s promotng the nclusve work processes, snce t deals wth collectve communtes and subjectvtes.

(10)

Lista de Abreviaturas e siglas

CAPS Centros de Atenção Pscossocal do Sstema Únco de Saúde CECCO Centro de Convvênca e Cooperatva

DST Doenças Sexualmente Transmssíves

FMUSP Faculdade de Medcna da Unversdade de São Paulo

ILO International Labour Organization — The International Labour Organization specialized agency of the United Nations [OIT]

OIT Organzação Internaconal do Trabalho, Agênca da Organzação das Nações Undas (ONU).[ILO]

OMS Organzação Mundal da Saúde [WHO] Agênca da ONU

ONG 1) Organzação não Governamental; 2) ONG — Organzação não Governamental sem fns lucratvos

PMSP Prefetura Muncpal da Cdade de São Paulo PSF Programa Saúde da Famíla

RBC Reabltação Baseada na Comundade [Community-based rehabilitation – CBR] SEPP Secretara Especal para Partcpação e Parceras da PMSP

SMS Secretara Muncpal de Saúde TO Terapa Ocupaconal

UBS Undades Báscas da Saúde

UNESCO Organzação das Nações Undas para a Educação, a Cênca e a Cultura [United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization] é um organsmo especalzado do sstema das Nações Undas.

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization [Organzação das Nações Undas para a Educação, a Cênca e a Cultura — UNESCO] é um organsmo especalzado do sstema das Nações Undas.

UNICEF Fundo das Nações Undas para a Infânca [The United Nations Children’s Fund

– UNICEF].

USP Unversdade de São Paulo

(11)

suMÁRIo

ABERTURA

: ...4

PRIMEIRA CARTOGRAFIA: Produzndo um modo de

gestão em saúde

...10

TRAJETO 1: A exploração de um meo ...10

TRAJETO 2: Do plano da gerênca ao plano da gestão: construndo um método ...12

TRAJETO 3: O SUS na construção do método de gestão ...16

TRAJETO 4: Do método à poétca ntensvsta de gestão ...20

SEGUNDA CARTOGRAFIA: O Caso PAS e a autoposção do problema

de pesqusa. Problematzando um conceto de gestão

...26

TRAJETO 1: Eleções e expectatvas ...26

TRAJETO 2: Os trabalhadores de saúde ...28

TRAJETO 3: A gestão como ntervenção-combate no PAS ...32

TRAJETO 4: A gestão no CECCO-PAS ...34

TRAJETO 5: O CECCO e seu entorno ...41

TRAJETO 6: A rede de saúde mental e o CAPS ...43

TERCEIRA CARTOGRAFIA: O Caso do CECCO Parque Prevdênca

como expressão de uma experênca ntensva

...48

TRAJETO 1: Da gestão de um servço à construção de estratégas: ...48

(12)

TRAJETO 3: Adelade e a função do coletvo ...61

TRAJETO 4: A comssão de eventos e os espaços nsttuntes do CECCO ...64

QUARTA CARTOGRAFIA: O CECCO Parque Prevdênca e as

tecnologas de redes terrtoras

...70

O PROJETO BRINQUEDOTECA no Jardm D’Abrl

...73

TRAJETO 1: O agencamento do CECCO com a Assocação Cultural Unão de Barros ...73

TRAJETO 2: As conexões da brnquedoteca ...78

TRAJETO 3: Mara: a prmera hstóra ...80

TRAJETO 4: A Rede de Saúde: quente ou fra? ...81

TRAJETO 5: Da volênca à soldaredade ...84

TRAJETO 6: Encontro com os pas ...87

TRAJETO 7: A parcera com a Amana ...91

O PROJETO DA RÁDIO

...94

TRAJETO 1: A cração do programa de rádo Ubtatá ...94

TRAJETO 2: Conhecendo um pouco das rádos clandestnas ...97

TRAJETO 3: O novo programa Ubtatá ...102

O PROJETO VÍDEO

...106

TRAJETO 1: Problematzando o conceto de rede de saúde ...106

TRAJETO 2: O vídeo CECCO como dspostvo ntensvo na rede de saúde ...110

TRAJETO 3: O efeto do dspostvo Vídeo na rede de gestão em saúde ...112

TRAJETO 4: O Vídeo “Saúde Butantã” e a rede de gestão em saúde ...117

TRAJETO 5: Cartografando as experêncas sensíves ...121

TRAJETO 6: A edção do vídeo e a cração de realdades ...124

NOTAS DE ENCERRAMENTO

...128

(13)

“As questões são fabricadas, como outra coisa qualquer.

Se não deixam que você fabrique suas questões,

com elementos vindos de toda parte,

de qualquer lugar, se as colocam para você,

não tem muito o que dizer.

A arte de construir um problema é muito importante:

inventa-se um problema, uma posição de problema,

antes de se encontrar a solução”

Gilles Deleuze, Diálogos

(14)

ABERTuRA

À

s nove horas de uma manhã ensolarada de terça-fera, partmos da Admnstração Regonal de Saúde em Pnheros com destno ao Butantã. O trajeto curto de cerca de vnte mnutos nos lançara a uma longa vagem ncada há dez anos, quando, em junho de 1992, desembarcamos no CECCO Parque Prevdênca em São Paulo.

O tneráro dessa vagem fo composto por mutos trajetos e mutos desvos: a consttução de uma rede de saúde com novas contratualdades em saúde mental, a dáspora do PAS, os momentos de exílo em outras secretaras e projetos, a força de resstênca no encontro com o curso de Terapa Ocupaconal da USP, os agencamentos poderosos no mestrado no Núcleo de Subjetvdade na PUC, o retorno ao CECCO, esta pesqusa de doutoramento, cada um desses trajetos comportando os seus própros camnhos e dervas.

A partr dessa trajetóra, são abertas as portas dessa pesqusa que nada mas é do que a composção dos agencamentos que foram se construndo durante o percurso.

É certo que o retorno ao CECCO, e o encontro com o modo de funconamento da saúde no PAS, foram as marcas ntoleráves desse trajeto, a zona de oportundade que engendrou tanto a cração de novos modos de encontro no CECCO quanto a realzação desse trabalho de pesqusa, operadores que se dstnguem, mas não se separam.

(15)

nos adverte, a função dessa escrta é antes lberar-se de um excesso, de um certo tpo de memóra.

Jeanne Mare Gagnebn em seu texto “Memóra, hstóra, testemunho” (Gagnebn, 2001) traça algumas concepções da memóra, da experênca e da hstóra a partr dos concetos de Walter Benjamm.

Benjamm pensa a experênca a partr da possbldade de uma tradção compartlhada por uma comundade humana, tradção retomada e transformada a cada geração, que torna essa experênca algo maor que a prátca ndvdual.

Assm, para Benjamm, a narratva de uma experênca tem como propósto não dexar nada ser esquecdo. Nessa vertente a hstóra tem por função o acúmulo, não permtr que cosa alguma se perca. Mas será que podemos pensar na escrta como exstndo apenas para acúmulo da hstóra?

Nossa perspectva nesta pesqusa va em outra dreção: a narratva dessas experêncas servu antes para nos lberar do ntolerável da experênca. Utlzamo-las assm como experiências limite1, à medda que puderam arrebatar-nos de nós

mesmos fazendo vver na escrta o nvvível da própra experênca.

Desse modo a experiência limite de realzação dessa pesqusa pode ser compreendda como um operador de pensar dferentemente, pos à medda que uma narratva pessoal de stuação mpessoal encontra ressonânca coletva, essa experênca ultrapassa o lmte de s mesma.

Deleuze nos fala que a lteratura é feta a partr de um esgotamento, e que nesse sentdo ela tem menos a ver com o vvdo do que com o nvvível, sso sgnfca que tem a ver “menos com a vda como ela é do que com o acontecmento que se extra dela” (Pelbart, 2000: 82).

Ora, se a escrtura de uma tese se avznha com a lteratura na sua força de cração, vale aqu um prmero operador de prudênca para a letura deste trabalho: embora esta narratva seja construída pelo acúmulo das experêncas vvdas, não tem a ntenção de ser um relato da experênca, nossa ntenção fo encontrar meos para falar com as experêncas, encontrar procedmentos para que as experêncas pudessem se expressar.

(16)

A gestão é o tema dessa pesqusa. No níco, não sabíamos exatamente delmtar o campo problemátco a ser enfrentado, no entanto, um desassossego na clínca do CECCO nos levava a escrever: nstgava e alegrava a prátca cotdana desse servço, a sua potênca de cração, sua possbldade de produzr mutações naqueles que percorrem esse trajeto.

Assm são váras as cartografas que aqu se apresentam. E se nos valemos da cartografa para narrar esse processo é porque ela permte acompanhar os movmentos do trajeto, não como uma descrção do que fo expermentado, mas sm o percurso da própra experênca fazendo-se em ato. Nesse sentdo as cnco cartografas que se apresentam no trabalho são composções desses trajetos realzados por uma lógca de urgênca — da experênca e conseqüentemente da escrta.

Na prmera cartografa apresentamos o camnho de construção de um método de pesqusa-ntervenção, a caxa de ferramentas para o trajeto, nossos operadores concetuas.

Assm começa a aventura na qual passamos a problematzar os modelos tradconas de gerencamento em saúde, que dentfcam a gestão com o lugar de alguém (o lugar do gerente), para chegar a uma função da gestão, posção esta, que rearranja o modo de subjetvdade na clínca, pos se desloca da perspectva das formas extensvas para um processo que se consttuu como um dspostvo clínco polítco capaz de transversalzar a dmensão públca das polítcas de saúde na sua relação com o Estado.

Para segur esse camnho o texto teve a contrbução de autores vnculados prncpalmente à flosofa da dferença, e foram aqu tomados como ntercessores da pesqusa-ntervenção no CECCO.

(17)

Afrmamos uma poétca da gestão. Um lugar não mas soltáro e ndvdual, mas uma função coletva. Novos modos de gerr a saúde. Novos modos de gerr a vda. Esta poétca nsttuída desde o prncípo fo também se tecendo ao longo do trajeto, pos a cada encontro com os ntercessores que se necesstou fabrcar, novos operadores emergam. Não é um método que se põe na frente para estabelecer uma meta. Se o afrmamos desde o níco fo por uma posção de pesqusa, posção que se afirma no camnho, no camnhando.

Na segunda cartografa, o Caso PAS coloca-nos frente a uma urgênca, um método de gestão que combatesse o ntolerável: forças de resstênca e combate na manênca. Nessa cartografa narramos o processo de retomada da attude polítca, no seu sentdo mas radcal de elevado momento da étca, pelos trabalhadores da saúde do muncípo dexados à margem por um período longo e desagregador. Um terrtóro a ser ocupado.

Partndo de um peddo endereçado ao lugar do gerente, ocupamos a posção de gestão, força crada com nossos operadores concetuas, que possbltou à coletvdade da saúde o encontro com as própras condções de exstênca. A gestão como um dspostvo de agencamento, a construção de redes, o trabalho na conexão, a nclusão do coletvo.

Na tercera cartografa, o Caso CECCO Parque Prevdênca coloca a clínca em análse, dscutndo as ntervenções cradas por essa clínca. Nossa aposta nessa cartografa é numa attude nclusva, uma attude ntensfcadora da consttução das redes, não a rede hegemônca que tem o servço como centro, mas a rede em que o servço se põe ao lado. Polítca da vznhança. Nessa cartografa a tarefa fo dar vsbldade às estratégas nsttuconas que cram zonas de comundade, que compõem relações na vda cotdana de um servço que se propõe ao cudado por meo de ações coletvas. Defnmos aqu o coletvo como esse plano de agencamento.

(18)
(19)

O grande erro, o único erro, seria acreditar

que uma linha de fuga consiste em fugir da vida;

a fuga para o imaginário ou para a arte.

Fugir, porém, ao contrário, é produzir algo real,

criar vida, encontrar uma arma.

Gilles Deleuze, Lógica do Sentido

(20)

PRIMEIRA CARToGRAfIA:

Produzindo um modo de gestão

em saúde

Trajeto 1: A exploração de um meio

A

experênca consttutva desta tese está sendo produzda em um servço da rede públca de Saúde Mental da Cdade de São Paulo (Centro de Convvênca e Cooperatva Parque Prevdênca — CECCO), projeto este que tem como exo a nclusão socal. A trajetóra2 desse serviço é narrada aqui como uma

experiência de passagem, uma transitoriedade em que procuramos os seus modos de afetar e ser afetado em relação ao entorno, buscando elementos para compor algumas cartografias3 que ora apresentamos.

Este modo de produção tem como função trabalhar no terreno, pois, “desenredar as linhas de um dispositivo, em cada caso, é construir um mapa,

cartografar, percorrer terras desconhecidas” (Deleuze, 1996a: 84).

2 Estamos aqu trabalhando com a déa de trajetóra como “a partda extensonal de uma operação de ndvduação que se desdobra, ela mesma, em personagem e meo” (Almeda, 2003: 120).

(21)

Os CECCOS são serviços que compõem a rede de saúde da Secretaria de Saúde (SMS) da Prefeitura do Município de São Paulo (PMSP). Foram criados em 1989 quando a SMS, comprometida com as diretrizes da reforma sanitária e psiquiátrica, reformulou toda rede de atenção à saúde instaurando serviços territoriais de saúde mental substitutivos ao modelo hegemônico centrado nas internações psiquiátricas e outras práticas manicomiais.

Esta cartografia de gestão provisória e singular tem como objetivo acompanhar os movimentos de transformação desse projeto e a composição da sua realidade. Esta composição é tecida a partir de movimentos que não param de acontecer. Neste sentido, a gestão é aqui entendida como instauração de uma processualidade ética no trabalho, isto é, uma processualidade que fomente linhas de fuga, vetores de desterritorialização capazes de transversalizar as linhas duras do cotidiano das tarefas, de modo que o próprio trabalho venha a se potencializar por uma agitação de sentidos que o vivifiquem em prol de encontros saudáveis, isto é, encontros que aumentem a potência de vida dos indivíduos e dos coletivos.

A gestão aqui é vista a partir de uma territorialidade itinerante que propugne por uma outra inserção do desejo no campo social. Esta gestão na experimentação é imprevisível no início do processo porque só se realiza na variação, no contato com cada projeto. Cada projeto vai-se “erigindo enquanto traça distintamente seu modo singular de revirar-se”(Orlandi, 1999: 11).

Este modo de produção pode ser entendido como um modo de produção minoritário que influencia na clínica que queremos propor, porque entendemos não haver dicotomia entre clínica e gestão. O conhecimento adquirido com a clínica das oficinas (Galletti, 2004) e o modo de composição que daí se projetou, não nos deixariam entender a gestão de outro modo. Não é possível pensar a gestão simplesmente como a gerência do trabalho de outros ou a reprodução de formas já existentes, mas sim, prioritariamente, em gerar experiências e seguir na busca de singularidades.

O processo de gestão nesse serviço tem sido experimentar a gerência, e não ser a gerência (Onocko, 2003). Essa experimentação nos retira do papel do gerente como um modo individual, particular e solitário e nos lança à função de gestão como caráter coletivo e compartilhado.

(22)

não estabelecem entre si relações deterministas ou determinadas, mas relações de intercessão sustentadas num princípio de inseparabilidade e co-extensão de tal modo que tais vetores configuram-se bem mais como dobras de um plano de produção” (Barros & Barros, 2007: 62)

Trajeto 2: �o plano da gerência ao plano da gestão:

construindo um método

Uma das formas de caracterzar o trabalho, desenvolvda a partr de Frederck W. Taylor (1856-1915) e mantda até os das atuas nclusve para os servços de saúde,

dvde o processo de produção entre cração/concepção e execução.

Segundo Ana Lúca Abraão da Slva, autora de uma tese sobre gerênca em saúde,

o pensamento desse engenhero norte-amercano pode ser resumdo

em quatro pontos: cênca em lugar de emprsmo; harmona em lugar de conflto; rendmento máxmo, em lugar de produção

reduzda; e, desenvolvmento especalzado de cada trabalhador,

a fm de alcançar maor efcênca e prosperdade. Estes pontos

podem ser tratados como normas construídas com base nas análses

desenvolvdas durante o trabalho. Estas são expressas de tal forma

que estruturaram uma cênca, substtundo o método empírco (até

então empregado) pelo método centífco e raconal de admnstrar”

(Slva, 2004: 50).

(23)

Anda baseado nas déas de Taylor e construndo o papel do admnstrador, Henry Fayol em 1916 lança a obra Administração Industrial e Geral (Fayol, 1990), que tnha como conceto prncpal a noção de medda. Essa concepção em que o planejar, organzar e coordenar são utlzados para o controle da produção, se faz presente em mutas produções da área admnstratva (Slva, 2004).

A Raconaldade Gerencal Hegemônca, método muto utlzado para a gestão dos servços de saúde, “valeu-se de métodos dscplnares e de controle que, em nome da produtvdade e da concorrênca, procuram nsttur dstntas expectatvas quanto à felcdade, à realzação pessoal, e ao acesso ao poder” (Campos, 2000: 26).

Essa lógca gerencal é, segundo Campos, a lógca taylorsta de controle socal pos “a grande descoberta de Taylor fo a recomendação explícta de que houvesse a nsttução de uma “gerênca centífca”, ou seja, ele sugeru um método de gestão que realzava uma nítda separação entre “planejamento, concepção e dreção” dos processos de trabalho, daqulo que ele chamava de “tarefas de execução” (Campos, 2000: 26).

Já na década de 1930 a teora das Relações Humanas nsere, ao contráro da teora clássca da admnstração, um novo elemento para a gerênca do trabalho: “a motvação do trabalhador (aspecto pscológco), cuja chave é o reconhecmento profssonal. A mportânca do grupo (aspecto socológco), da partcpação, da comuncação e da lderança dentro das fábrcas e empresas são fatores relevantes para atngr a motvação do profssonal” (Slva, 2004: 50).

Atualmente, no rol dos estlos de gerêncas neotaylorstas está ncluída a “Qualdade Total” que se assenta na déa da concorrênca de mercado e dos ndcadores de produtvdade que, no geral, não levam em consderação as sngulardades dos servços, e se dreconam para a lógca quanttatva de produção.

Mas, a gestão dos servços de saúde nclu mutos outros aspectos para além das teoras das admnstrações centífcas. Para compreender o que se passa nos servços de saúde é necessáro entender a gerênca como um dos planos de produção dessa rede de relações, que não é nem a admnstração do trabalho, tampouco a pscologzação das relações de trabalho.

(24)

O Nascimento da Física no Texto de Lucrécio. Correntes e Turbulências “sera precso opor dos tpos de procedmentos centífcos: um que consste em reproduzir; outro que consste em seguir. Um sera de reprodução, de teração e reteração; o outro, de tneração, sera o conjunto das cêncas tnerantes, ambulantes” (Deleuze & Guattar, 2002: 39).

Com esse racocíno, estamos claramente segundo o segundo procedmento, já afrmando que não se trata de um modelo a ser segudo. Pensamos que o CECCO guarda em sua experênca consttutva, e em seu percurso, um modo de produção tnerante que não reproduz modelos preestabelecdos mas que expermenta a cada projeto um modo sngular de exstr.

Ao contráro do modelo taylorsta que separa, no processo de trabalho, planejamento, concepção, dreção, e execução; na experênca de gestão do CECCO, nossa dretrz fo não herarquzar nem separar processos de trabalho. A gestão, dreção, planejamento, e execução são etapas de um mesmo processo.

Nesse sentdo podemos dzer que esse procedmento se aproxma muto mas daqulo que Küller chama de experênca artesanal de gestão que se caracterza bascamente pela ntegração do pensar e agr no processo de trabalho.

José Antôno Küller, em seu lvro Ritos de passagem. Gerenciando pessoas para a qualidade, dferenca o papel do gestor nas duas posções dos procedmentos acma ctados. Para o autor na nsttução Técnco-Centífca o gestor tem as seguntes funções:

(25)

Já na posção do mestre-artesão o gestor, segundo Küller, apresenta as seguntes característcas:

1) É responsável pelo produto, envolvendo: concepção, execução, excelênca e adequação ao usuáro. 2) Tem um conhecmento completo do campo de trabalho e competênca técnca no ofíco. 3) É responsável e autônomo na organzação de seu própro trabalho e na do trabalho dos seus ofcas e aprendzes, respetadas a tradção e as normas da corporação de ofíco. 4) É responsável pela educação de ofcas e aprendzes no sentdo de facltar-lhes o acesso à maestra. 5) É capaz de crar e, por meo dsso, de expressar no produto sua própra humandade. 6) Está nserdo num produto contínuo de autodesenvolvmento no nteror de seu própro trabalho (bdem: 36).

Não queremos com sso reproduzr ou segur a experênca de gestão artesanal na admnstração de equpamentos de saúde, mas sm consderar que exste uma vznhança, uma ressonânca, com nossa perspectva por nos parecer uma experênca que leva em conta o modo de afetação dos envolvdos. Mas sso não é sufcente. Como também não nos é sufcente crtcar o Taylorsmo.

Mas do que uma crítca a outros sstemas de gerencamento, tomar o tema da gestão em saúde sgnfca stuar o trabalho: “este regme de produção de saberes, em que o planejar, o decdr, o executar, o avalar não se separam, o que quer dzer que a atvdade e a gestão da atvdade não consttuem nstâncas separadas. Mas tal regme de produção não se dá sem que ao mesmo tempo sujetos se produzam” (Barros & Barros, 2007: 63)

Deve-se anda afrmar que “sujetos são desejos, necessdades, nteresses em conjugação e conflto. Eles nventam mundos, se nventando. Aqu o mundo do trabalho é cração e uso de s, mas também é luta e resstênca ao trabalhar e a s. (…) Podemos dzer que essas três dmensões: saberes, sujetos e poderes consttuem-se de modo ndssocável” (dem).

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Comuncar é “partlhar o sentdo (…) partlhar um contexto comum, partlhar uma cultura, partlhar uma hstóra, partlhar uma experênca etc., progressvamente… (…). E pode-se dzer que comuncar é tentar ter alguma cosa em comum. Portanto, é, necessaramente, um verdadero encontro, a comuncação. Não é só transmtr uma mensagem. É alguma cosa que se constró”.4

Mas Lévy nos adverte, “o método é sempre uma aparênca enganosa, uma vez que as verdaderas descobertas jamas se fazem segundo um método, elas sempre se fazem transgredndo um método (…) a descoberta é sempre, ao mesmo tempo, a descoberta de um método”.5 Essa ndcação nos é precosa e retera a contnuação

do nosso trajeto.

Com relação à saúde o autor acrescenta: “a saúde tem a ver com o fato de que as pessoas sejam autônomas na gestão de sua própra saúde…”.6

Compreender a gestão a partr desta ndcação é tomá-la como um dspostvo que potencalza a ação coletva, coletvo este que coloca a nsttução em constante ntegração com a comundade atendda, aumentando assm a potênca da construção de outras mutas comundades.

Trajeto 3: O SUS na construção do método de gestão

Mas fo com Gastão Wagner de Souza Campos, que desenvolveu em seu lvro Um método para análise e co-gestão de coletivos (Campos, 2000), um sstema (método da roda) de gestão que muto colabora para esta pesqusa e tem nterfaces com o método de gestão da experênca do CECCO, que fomos nos aproxmando da déa de um método que operasse a gestão em saúde.

4 Lévy (1999) na resposta à pergunta de n. 4 da Interface (Buscando estabelecer uma prmera ponte com o campo da Saúde, é precso dzer que neste campo a comuncação é, com grande freqüênca, tomada de um modo excessvamente nstrumental (…). Nos seus trabalhos, contudo, a comuncação aparece com um sentdo muto mas amplo, como um autêntco conceto flosófco. Para começar, gostaríamos que você nos falasse um pouco mas sobre esse conceto mas amplo de comuncação).

5 Ibdem. Na resposta à pergunta de n. 7 da Interface (Colocando a questão de outra forma: não podera haver uma certa tendênca da atual base de consttução das dentdades dscplnares, centralmente fundada nos métodos, vr a se deslocar em dreção a um outro tpo de base denttára, desta vez tendencalmente fundada nos problemas?…).

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Essa perspectva nos fo mportante prmeramente porque nclu na gestão em saúde o dálogo com o Sstema Únco de Saúde (SUS) dspostvo fundamental na construção de polítcas públcas de saúde.

O “Método da Roda” se propõe a trabalhar objetvando a consttução de Coletvos Organzados, o que mplca construr capacdade de análse e de co-gestão para que os agrupamentos ldem tanto com a produção de bens e servços, quanto com sua própra consttução” (Campos, 2000: 36). Para Campos “os objetvos báscos de um Método que se pretenda ant-Taylor são o fortalecmento dos Sujetos, e a construção de democraca nsttuconal” (bdem: 40).

O autor consdera que um rsco da democraca nsttuconal, e a horzontaldade dos organogramas com dstrbução mas homogênea do poder, é gualar artfcalmente todos os profssonas de uma equpe. Nesses casos o que acontece é que a responsabldade compartlhada passa a não ser de nnguém e sm de um coletvo abstrato (Campos, 1997).

Mas no Método da Roda:

um sstema de co-gestão depende da construção amplada de “capacdade de dreção” entre um conjunto das pessoas de um Coletvo e não somente entre sua cúpula. Capacdade de dreção é a habldade e a potênca para compor consensos, alanças e mplementar projetos, conforme a defnu Gramsc (Campos, 2000: 43).

Nesse mesmo camnho da construção de polítcas públcas no âmbto do SUS, Regna Benevdes de Barros e Eduardo Passos têm dscutdo a questão do método como a condução de um processo, o seu modo de camnhar, “a nversão do que estava posto no uso ordnáro da palavra método. Inverter aqu sgnfcava trocar o prmado da meta pelo do própro camnhando (hodosmeta) afrmando a força da experênca concreta como gua para nosso percurso” (Passos & Barros, 2006). Os autores propõem um método de “tríplce nclusão” a saber:

1) nclusão dos dferentes sujetos (gestores, trabalhadores

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potencalzando os processos de mudança; 3) nclusão do coletvo seja ele em sua versão socal seja subjetva (Passos & Barros, 2006).

Esses autores foram fundamentas nesta pesqusa para nos ndcar uma dreção, ou uma gua como eles preferem, já que a pesqusa não tem um objeto a ser estudado, ela se constró ao mesmo tempo em que se faz a ntervenção, é ela mesma pesqusa, ntervenção e gestão, e nesse sentdo, o camnhar antecede a meta a ser alcançada. Em felz metáfora esclarecem: “falamos de gua e não de dreção, como se dz de um gua de cego que não defne para aonde ele va, que não dá o sentdo que é sempre o do cego, mas faz realzar a dreção já em curso às cegas, tateante, como é sempre a nossa ação antes de podermos juntos em comundade conhecê-la” (Passos & Barros, 2006).

O método da tríplce nclusão também tem sdo fundamental na nseparabldade entre fazer a pesqusa e fazer a gestão no CECCO, pos nos lança permanentemente à problematzação deste servço que tem como mandato socal a inclusão social de pessoas em situação de exclusão.

Mas aqu é mportante um operador de prudênca: ora, se o mandato socal dos CECCOS é a nclusão socal será que é do mesmo conceto de nclusão que tratamos quando utlzamos o método da tríplce nclusão? A perspectva do trabalho com o método da tríplce nclusão fo apontando outra dreção.

O conceto de nclusão socal a que se refere o projeto ncal da PMSP dos CECCOS, de 1992 — Normatzação das Ações dos Centros de Convvênca e Cooperatva em São Paulo —, traz em s déa do seu oposto (a exclusão socal), a de um vazo que não conta, que só va contar quando for ncluído. Mas desde Foucault sabemos que nada está excluído, que “as prátcas socas podem chegar a engendrar domínos de saber que não somente fazem aparecer novos objetos, novos concetos, novas técncas, mas também fazem nascer formas totalmente novas de sujetos” (Foucault, 1999: 8).

Então, trabalhar com o método da tríplce nclusão é também desnaturalzar a oposção nclusão/exclusão, esta concepção de que tem um excluído a ser ncluído, e abrr o conceto de nclusão para a perspectva de conexão que sgnfca nclur num campo analítco elementos que não estão sendo conectados.

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nos mpede de pensar a saúde como uma experênca de manênca. “Qual é a operação que se retera nessa tendênca combatva? Pensando a manênca como campo problemátco, a operação de combate, reterada aquém das palavras de ordem, consste em crar e fazer com que surjam os “verdaderos problemas”, fazer com que se lberem grtos, dores e também cantos sufocados, agtando saídas em meo à prolferação do ntolerável. Combater na manênca é potencalzar guerrlhas que não fazem o jogo cômodo das máqunas produtoras de unversas… que, mpondo seus problemas, submetem outros ao domíno de estratégas ou focos transcendentes…” (Orland, 1999: 8).

A partr daí a preocupação metodológca é manente a uma polítca da narratvdade e da escolha dessa posção narratva. E se “a prátca de saúde se faz no encontro de sujetos, ou melhor, pelo que se expressa nesse encontro” (Passos & Barros, s/d: 1), é a narratva desse encontro que está expressa como movmento nesta pesqusa.

Nesse sentdo Passos e Benevdes Barros fazem uma dstnção entre método extensvsta (transcendente), e método ntensvsta (manente) fundamental para o trabalho em saúde.

Exemplfcam os autores, o método extensvsta como projetos de Estado em que se “mpõe determnado procedmento com força de le”.

Conforme Regna Benevdes Barros e Eduardo Passos,

a máquna de Estado pelo seu ggantsmo é freqüentemente um foco propagador de ações cuja medda e o método são da extensvdade: ações naconas, macroregonas, programátcas e de campanhas. A máquna de Estado é tão mas estatal quanto maor é a sua capacdade de estender seus braços por toda a nação e não necessaramente nclundo todo o povo (Passos & Barros, 2006).

Eles anda perguntam: “mas como fazer a nclusão do povo? Como nclur o que, na experênca concreta, foge aos padrões dealzados, à fgura abstrata do homem médo braslero?” (dem).

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Sabemos que a mplementação de servços terrtoras substtutvos ao hosptal psquátrco é de fundamental mportânca e é óbvo que meddas como a tomada pela Portara Mnsteral no 336/GM do Mnstéro da Saúde (cração dos CAPS)

soldfca essa polítca de humanzação das ações em saúde.

Mas também sabemos que só a mplementação da le não garante que os servços terrtoras funconem como um novo modo de produzr saúde e sujetos. “Alcançar a experênca concreta no que ela tem de sngular exge, portanto, uma

ação guada por uma metodologa não mas extensvsta, mas ntensvsta: o método da tríplce nclusão” (dem).

Esse método que “prvlega a sngulardade”, que não é precsamente o ndvdual, mas o caso, o acontecmento, uma “confguração de acontecmentos”, um “devr atvo”, uma “decsão”. Em vez de ser o “movmento forçado” por uma transcendênca, essa decsão, esse devr atvo compõe-se como “movmento natural” que explora vznhanças segundo conexões não preestabelecdas, “ndo do coletvo ao ndvdual e nversamente” (Orland, 1999: 15) (grifo nosso).

Essa é uma dreção desvante do modo hegemônco de se realzar polítcas públcas: apostar no método ntensvsta é “afrmar o prncípo da transversaldade como o que causa ou força a ação clínco-polítca ou o que dspara um determnado movmento no plano das polítcas públcas” (Passos & Barros, s/d: 4).

Segundo Guattar (2004: 111), que cunhou o conceto de transversaldade, “esta é uma dmensão que pretende superar os dos mpasses, quas sejam o de uma

vertcaldade pura e o de uma smples horzontaldade; a transversaldade tende a se realzar quando ocorre uma comuncação máxma entre os dferentes níves e, sobretudo, nos dferentes sentdos”.

Trajeto 4: �o método à poética intensivista de gestão

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autores sugerem que uma ação ntensvsta ou o procedmento de desmontagem nada mas é do que extrar do padrão majortáro as agtações das polítcas mnortáras, os mcrocasos ou mcrolutas.

Eles afrmam que a “dssolvênca é a experênca da desmontagem do caso, a sua desestablzação geradora de fragmentos ntensvos, de partículas de sentdo que se lberam, que são extraídas do caso. O caso molar se molecularza, abrem-se suas formas fechadas. Sua forma dá passagem às forças que o habtam. O caso é, nesse sentdo, o caso de um devr” (Passos & Barros, 2006).

É a polítca ou método do desdobramento, multplcação ou mesmo dos város platôs de uma dada stuação, como nos ensnaram Deleuze e Guattar.

Entendendo a nseparabldade do plano ndvdual e do plano polítco e coletvo, a noção aqu tomada é a da sngulardade, sto é, da dferença ntensva, essa passagem transversalzante que põe em movmento absoluto os movmentos relatvos das smples dferenças. Quando ocorre essa passagem, quando ocorrem esses devres, tanto a experênca ndvdual, quanto o comum (tomados como planos extensvos) sofrem ntensfcações que lançam cada um deles para outro estado, ntensvo, de co-partcpação.

Quando um devr se passa entre a1 e b1, nenhum deles se torna o outro, mas cada um é lançado em outro estado: a2, b2. Havendo transversalzação, passagem de uma agtação ntensva, há ntensfcações dstntas de experêncas ndvduas e um novo estado do comum de que elas partcpam. O comum pode ser um cruzamento de problemas.

Como nos fala Deleuze nessa passagem flosófca-polítca de Diferença e Repetição: “Como se não contnuássemos escravos enquanto não dspusermos dos própros problemas, de uma partcpação nos problemas, de um dreto aos problemas, de uma gestão dos problemas” (Deleuze, 2006: 228).

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Assm, esse método pode “fazer vbrar estes lmares num processo de contágo com/entre as formas, abrr o caso para suas ntensdades, trabalhar nas msturas que o compõem, e menos numa (suposta) pureza, parecem ser potentes índces clíncos-polítcos para que um caso (sngular) não se dssoce de sua face coletva” (Passos & Barros, s/d: 18).

A gestão é aqu tomada como dspostvo dessa poétca ntensvsta. Nesse camnho, na osclação própra dessa expermentação, que é também desmanchamento de um lugar da gestão, para fazer aparecer a função de gestão — um dspostvo de gestão — à medda que essa função não é mas de alguém (de um gerente), mas uma função na expermentação conectva da rede.

E é a condução desse método, que chamamos de uma gestão poétca da saúde, entendendo a nseparabldade entre saúde e gestão. E o que estamos querendo afrmar com sso? Uma posção de gestão.

Para afrmar esta posção poétca consderamos necessáro salentar duas lnhas de encamnhamento desse problema para que elas srvam de fo condutor do nosso trabalho.7

Consideremos apenas a materialidade extensiva do corpo orgânico. Levando isto em conta, pergunto: a medicina, em sentido amplo, não é justamente a técnica ou a arte mais diretamente ligada à saúde? Aristóteles (2001) diz que a técnica é a habilidade para fazer algo. Mais precisamente, techné, para ele, é “uma disposição para produzir”, mas disposição “acompanhada de regra” (Ética a Nicômaco, VI, 4). Sem habilidade regrada não produzo bem. É nesse sentido que os latinos empregaram a palavra arte (ars): conjunto de procedmentos útes à produção de um resultado. Arte, nessa sgnfcação, é um artfíco dstnto da cênca (mplca conhecmentos

que ndependem de aplcações), e também dstnto da potênca cradora da natureza, potênca que se nota num ente natural. Um ente natural, como esta flor, é o que va por s, dz Arstóteles, ao lugar do seu máxmo desenvolvmento. E mas: Arstóteles dstngue, no própro campo da techné, das habldades técncas, uma lnha de cração, sto é, de poiesis, e uma lnha de ação, sto é, de práxs (Etca a Ncômaco, VI, 3). Essas duas dsposções, cração e ação, se envolvem com “cosas suscetíves

de serem de outro modo”, dz ele. Pos bem, à dsposção cratva acompanhada de

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razão, é que ele reserva o nome de arte. Neste sentdo, como arte, a medcna (em conluo com cêncas e potêncas naturas) pode levar o corpo doente a ser de outro modo, a ser um corpo mas saudável. Desse modo, poderíamos dzer que, antes de Deleuze, e já em Arstóteles, temos a déa de uma saúde poética, de uma saúde que ganhou a ntercessão da arte médca.

Então, por que precsaríamos da ntervenção da flosofa contemporânea nesse assunto? Esse Arstóteles sera sufcente, não há dúvda, se não fosse a exacerbação do que poderíamos chamar de mperatvos macroformadores amparados pelo modelo hlemórfco, sto é, amparados pela redução dos processos de ndvduação a relações pelas quas uma matéra é submetda por uma forma. Vê-se faclmente que, nessa perspectva, uma arte envolvda com a saúde corre o rsco de submeter o corpo orgânco a mperatvos formadores pergosamente cegos a mperatvos do própro corpo, vsto que, a rgor, como dz Espnosa, não sabemos o que pode o corpo.

Fo precso que esse hlemorfsmo entrasse em crse. Já não bastava pensar as ndvduações, as subjetvações, a permanente varação das cosas e dos entes naturas, toda essa varabldade em tudo como submssão de matéras a formas. Para resumr, fo precso levar esse bnarsmo da matéra e da forma à real e manente complexdade que ele mplca, mas smplfca. Matéra e forma mplcam dnamsmos, devres moleculares que nos obrgam a pensá-los, não apenas como extensos, mas também como ntensvos. O própro corpo orgânco passou a ser pensado em relação aos encontros ntensvos que o levam em fugas pelos corpos sem órgãos que ele possa suportar. Essas varações concetuas não dexaram a déa de saúde presa à extensvdade do corpo orgânco submetdo a mperatvos formadores. Como qualquer cosa, também a saúde tem sua varável efetuação numa multplcdade de lnhas duras, flexíves, moleculares e submoleculares.

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sensações dessas percepções e afecções. Um bloco de sensação assm extraído pela arte é um composto de perceptos e afectos (Deleuze & Guattar, 1992: 213). Ora, um percepto não é apenas uma percepção, mas a abertura de um modo de perceber. Neste sentdo é que se pode dzer que ele não se reduz à percepção de um ndvíduo que percebeu sto ou aqu. Do mesmo modo, um afecto não é apenas uma afecção, um sentmento ndvdual, mas um modo de sentr. Uma saúde poétca, então, sera aquela em que se cram afectos e perceptos, ou seja, novos modos de sentr e de perceber. Esses novos modos são mprescndíves ao desencadeamento de processos que não se satsfaçam apenas com a submssão da saúde a mperatvos formadores alheos às lnhas de ntensfcação, lnhas sem as quas não há afectos e perceptos. Uma saúde poétca, portanto, é uma saúde ntensfcada em novos modos de cudar da vda.

Nessa perspectva e pensando em novos modos de cudar da vda a observação de Mchael Hardt sobre a produção dos afetos no trabalho e na vda socal tem sdo também muto útl para esses nossos projetos que pensamos ntensvos. Para Hardt, “o trabalho afetvo representa, em s e dretamente, a consttução de comundades

e subjetvdades coletvas. (…) processos pelos quas nossas prátcas de trabalho produzem subjetvdades coletvas, produzem socabldade e, fnalmente, produzem a própra socedade” (Hardt, 2003: 144).

De acordo com o autor o trabalho, pensado a partr dessa perspectva ntensva produz socedade revelando assm o trabalho vvo que consttu formas de vda, o que Varela (2003) chamara de reencantamento do concreto.

Reencantamento que aqu nessa pesqusa tem como função desmontar uma clássca concepção de gestão que fca dentfcada a um lugar, a um papel, a uma certa concepção de poder, a um controle dos processos de comuncação, até mesmo a uma concepção de rede que é a ant-rede.

E se fazemos sso não é como adesão a um novo modelo- método, ou um padrão deal, mas sm porque entendemos a saúde não como um estado mas como um processo. E, se a saúde é um processo, contar, narrar, a gestão desse processo é ao mesmo tempo nventar um modo de crar as própras normas, reencantar o concreto das experêncas, que aqu sgnfca ntensfcar as experêncas, poetzar as experêncas. E como reencantar as experêncas: questão de gestão, método de gestão, poétca de gestão.

(35)

“O devir não é a história;

a história designa somente o conjunto de condições,

por mais recentes que sejam,

das quais desvia-se a fim de ‘devir’,

isto é, para criar algo novo.”

Gilles Deleuze, Conversações

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sEGunDA CARToGRAfIA:

o Caso PAs e a autoposição do problema

de pesquisa. Problematizando um

conceito de gestão

Trajeto 1: Eleições e expectativas

A

s eleções para a Prefetura do Muncípo de São Paulo em 2000 expressavam para os trabalhadores de saúde públca muncpal uma expectatva8 de transformação na configuração da atenção à saúde desta cidade.

Desde 1996, com o início do Plano de Atenção à Saúde (PAS),9 a experiência

de privatização selvagem dos serviços, o êxodo de grande parte do funcionalismo público para outras secretarias e, principalmente, o atraso na articulação da rede de saúde pública municipal ao Sistema Único de Saúde (SUS), vivemos anos de uma certa depressão. A experiência traumática provocada pelo PAS causou nos trabalhadores da saúde do município um esvaziamento de sentido no que tange ao trabalho em saúde coletiva.

8 Estamos aqu preferndo o termo expectatva, em vez de esperança, a partr da perspectva da flosofa da manênca que dstngue os dos termos: por expectatva entende-se que não se pode saber prevamente.

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Podemos dizer que os anos das gestões Maluf/Pitta (1993/2000) em São Paulo foram para os trabalhadores de saúde períodos de tempos sombrios, “períodos em que o âmbito público se obscureceu e o mundo se tornou tão dúbio que as pessoas deixaram de pedir qualquer coisa à política além de que mostre a devida consideração pelos seus interesses vitais e liberdade pessoal” (Arendt, 2003: 20).

Ainda segundo Hannah Arendt (idem), “os que viveram em tempos tais, e neles se formaram, provavelmente se inclinaram a desprezar o mundo e o âmbito público, a ignorá-los o máximo possível ou mesmo a ultrapassá-los”.

O sistema de saúde público municipal iniciado pela então prefeita Luiza Erundina (1989-1992) consistiu numa política de Estado que articulou todo um conjunto de trabalhadores em um projeto coletivo de ações e foi completamente decomposto pelos governos seguintes. E nos oito anos posteriores, no mínimo, as perguntas dos trabalhadores implicados na assistência em saúde pública da cidade de São Paulo eram: O que nos aconteceu com a introdução do PAS? Como as políticas públicas puderam sofrer tantos danos?

Parafraseando Foucault (1977/1996), o PAS era o inimigo maior, o adversário estratégico. O endurecimento, a violência e a ruptura provocados por esse plano, sobrecodificava qualquer possibilidade de avaliação dos projetos institucionais anteriormente em andamento.

Segundo Deleuze (1996: 23), “o Estado é a soberania. No entanto, a soberania só reina sobre aquilo que ela é capaz de interiorizar, de apropriar-se localmente”. Nesse sentido a máquina de Estado pode interiorizar todos os movimentos que nela acontecem. Os aparelhos de Estado com seus agenciamentos sedentários operam uma captura das forças inventivas, quer dizer, o Estado funciona no modelo da Fortaleza, em que cada vez que há uma desestabilização a resposta é a regulação dessas forças.

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Trajeto 2: Os trabalhadores de saúde

O que acontece na PMSP, e em mutas polítcas de Estado no Brasl, é que nas mudanças de gestão, os projetos em andamento são quase sempre nterrompdos em maor ou menor grau, e a avalação dos mesmos fca comprometda, ou melhor dzendo, a análse dos projetos não é realzada no processo de trabalho e mutas vezes só se coloca em análse a sua paralsação.

Com relação ao PAS, não fo só uma smples mudança em que um ou outro projeto é crado ou nterrompdo. Fo uma mudança de posção étco-polítca de gestão, que recusava qualquer estratéga públca de assstênca em favor da prvatzação e da exclusão do Sstema Únco de Saúde na cdade de São Paulo.

Nesse período a grande maora dos trabalhadores de saúde vveu um certo tpo de “homeless”, que fez com que se juntassem numa espéce de bando de persegudos. Nesse bando de persegudos “sem-mundos” vveu-se uma espéce de vontade de depressão. Ao contráro dos bandos nômades “que contnuam a afrmar os dretos de socedades segmentáras contra órgãos de poder de Estado” (Deleuze & Guattar, 1996: 23), esses bandos de persegudos vvam na dependênca do Estado.

Os trabalhadores, presos a um passado (dentfcado com a realzação um projeto em andamento volentamente nterrompdo), não conseguram, mesmo à derva, crar novos acontecmentos, crar lnhas de fuga, construr agencamentos.

Como nos fala Deleuze “a forma-Estado, como forma de nterordade, tem uma tendênca a reproduzr-se, dêntca a s através de suas varações, faclmente reconhecível nos lmtes de seus pólos, buscando sempre o reconhecmento públco (o Estado não se oculta)” (Deleuze & Guattar, 1996: 24).

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Mas adante eles afrmam que “as alterações da experênca coletva é que podem gerar polítcas públcas malgrado o movmento de nterorzação da máquna de Estado” (dem).

Entretanto o PAS, seu funconamento nterorzado sem conexão com as forças do fora (o SUS como um fora mprescndível) não possbltava aberturas para que os trabalhadores de saúde muncpal produzssem verdaderamente uma ruptura com o projeto anteror, pos como bem assnala Deleuze “uma verdadera ruptura é algo a que não se pode voltar, que é rremssível, porque faz com que o passado tenha dexado de exstr” (Deleuze & Guattar, 1996: 24). Anda segundo Deleuze “…na ruptura, não apenas a matéra do passado se volatzou, mas a forma do que aconteceu, de algo mperceptível que se passou em uma matéra volátl, nem mas exste” (bdem: 72).

No lugar da ruptura, como a proposta por Deleuze, pensamos que os trabalhadores fcaram mersos durante anos num lmbo cnzento, ou melhor, em um vazo ntolerável clamando por um passado, como se o mundo lhes tvesse sdo subtraído.

Esse vazo, essa descrença, esse desejo pelo passado, fez com que “os projetos menores” e todas as respostas coletvas, organzadas na marra pelos trabalhadores margnas não ndcassem, como fala Guattar: “a dreção de novas modaldades de organzação da subjetvdade coletva” (Guattar, 1987: 47).

Os projetos mnortáros, crados naquele período nas brechas do Estado, poderam ter ocupado os espaços e ser operados fora do Estado. Poderam ter se consttuído como pura estratéga, como dspostvos, como resstênca no sentdo propulsor, um combate na manênca, fazendo avançar os processos heterogenétcos.

A resstênca, se assm tomada como uma força do coletvo, um Fora da máquna de Estado pode fazer modular os modos de funconamentos molares que mpedem as prátcas de sngularzação.

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slamsmo, certos movmentos de profetsmo ou de messansmo etc.); mas também mecansmos locas de bandos, margens, mnoras, que contnuam a afrmar os dretos de socedades segmentáras contra os órgãos de poder do Estado” (Deleuze & Guattar, 1996: 23).

Contudo, podemos pensar que uma espéce de ressentmento, uma resstênca que obstaculza, faza com que o passado, dentfcado como projeto públco (antes do PAS), não fosse esquecdo e o futuro só pudesse ser magnado na negação do presente-prvado (PAS). Isso não permtu que os trabalhadores em estado de exílo ocupassem os espaços exstentes e nventassem a partr destes um novo sstema de saúde, mesmo que à margem do Estado.

Estamos aqu trabalhando a déa de ressentmento em oposção ao que Deleuze chama de decepção que é “a condção subjetva propíca para algo de efetvo (um ‘devr’ um ‘processo’)” (Zourabchvl, 2000: 333). O ressentmento ao contráro “resde justamente no apartamento entre os sujetos e sua potênca de agr” (Kehl,

2004: 242).

Prmo Lev, autor de város lvros sobre o holocausto, ctando Kafka, dz que os campos de concentração nazstas provocaram nos homens “a vergonha de ser um homem”.É com essa ntensdade que percebemos o que a le do PAS provocou, por meo da sua volênca e banmento; essa vergonha tamanha de manter o outro completamente submetdo ou, como dsse Deleuze, “a vergonha é não termos nenhum meo seguro para preservar, e prncpalmente para alçar os devres, nclusve em nós mesmos” (Deleuze, 1998: 213).

A pergunta de Deleuze, em Mil Platôs, nsste aqu nesta pesqusa: “Por que o Estado trunfou?” (Deleuze & Guattar, 1996).

Segundo Gorgo Agamben (2002), quando se perde a condção de cdadana, a vda é qualfcada como “vda nua”. Para o autor, sso acontece nos estados soberanos, mesmo dentro de um, consderado, estado democrátco em que se dspõe da vda dos cdadãos sem respeto algum, e em que há suspensão dos dretos coletvos.

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socal… O ressentmento é o terreno dos afetos reatvos… da memóra que só serve à manutenção de uma quexa repettva e estérl” (Kehl, 2004: 242).

Contudo, “se o ressentmento é o avesso da polítca, só pode ser curado pela retomada do sentdo radcal da ação polítca. O ato polítco mplca sempre um rsco de desestablzar a ordem. Ao contráro da resgnação ressentda, ele nasce de uma aposta na possbldade de modfcar as condções estruturas presentes em sua orgem” (dem).

Deleuze afrma que, para Netzsche, “a vontade de poder tem duas tonaldades: a afrmação e a negação; as forças têm duas qualdades: a ação e a reacção. Aqulo que o homem superor apresenta como afrmação sem dúvda que é o mas profundo do homem, mas não dexa de ser por sso apenas a combnação extrema da negação com a reacção, apenas da vontade negatva com a força reactva, do nhlsmo com a má conscênca e o ressentmento. (…) Chega um momento em que a vontade de negação quebra sua alança com as forças reatvas, abandona-as e volta-se mesmo contra elas. (…) As forças reactvas ao serem negadas tornam-se actvas; a negação é convertda, torna-se o alarde de uma afrmação pura, o modo polêmco e lúdco duma vontade afrmatva que passa a estar a servço dum excedente da vda” (Deleuze, 1996: 52-3).

Nessa perspectva Deleuze, como nos dz Orland (2002), toma a déa de polítca num sentdo mas radcal e afrma ser a polítca o “elevado momento da étca” que ressoa o “esplendor do acontecmento e da subjetvdade”. Para entender sso melhor, Orland acrescenta:

a avalação das ações teórcas e prátcas desencadeadas em face de problemas crados ou vndos à pauta há de ser sempre retomada, como dz Deleuze, “no nível de cada tentatva”. Ao dzer que se trata de avalar cada tentatva em sua “capacdade de resstênca ou, ao contráro sua submssão a um controle”, o que Deleuze está valorzando, precsamente, é um novo tpo de relação com o “mundo”, mundo do qual nos desapossaram, dz ele. (Orland, 2002: 234).

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Zourabchvl (2000: 347) esclarece: “a polítca começa ou recomeça, portanto, cada vez que uma coletvdade encontra suas própras condções de exstênca (ela já está em jogo quando um ndvíduo, por sua própra conta, encontra as suas ou as dos outros)”.

Trajeto 3: A gestão como intervenção-combate no PAS

Tomando essa perspectva problemátca da polítca, voltamos ao nosso trajeto: em janero de 2001 o governo muncpal recém-assumdo convdou uma equpe de profssonas para ncar um processo de ntervenção nas undades de saúde anda sob a admnstração do PAS. Essa equpe tnha como função acompanhar o período de transção das undades de saúde, sob a gerênca das cooperatvas, e voltarem para a gestão dreta da Secretara Muncpal de Saúde.

Fo um período dfícl, de grandes tensonamentos, já que a mudança de admnstração10 indicava também uma estratégia de transformação dos serviços ora

privatizados, em serviços públicos que se pautassem pelas diretrizes do SUS.11

As perguntas de Foucault no prefácio do livro de Deleuze e Guattari, O AntiÉdipo nos guaram nessa travessa pergosa porque se faza étca e não partdára: “Mas como fazer para não se tornar fascsta mesmo (e sobretudo) quando se acredta ser um mltante revoluconáro? Como lberar do fascsmo nosso dscurso e nossos atos, nossos corações e nossos prazeres? Como desentranhar o fascsmo que se ncrustou em nosso comportamento?” (Foucault, 1977: 199).

O cenáro da saúde em São Paulo em janero de 2001 era catastrófco. Com o objetvo da redução orçamentára da saúde, o PAS transferu a gestão das undades de assstênca em saúde para catorze cooperatvas formadas tanto por servdores muncpas como pessoal contratado.

10 O “Governo da Reconstrução” fo o slogan da gestão da prefeta Marta Suplcy em São Paulo, o que, a nosso ver, acarretou um problema de entendmento por parte dos trabalhadores: se por um lado era necessáro reconstrur a cdade, por causa dos anos de desgoverno da gestão Maluf/Ptta, a preposção re, fo entendda por mutos (prncpalmente na área da saúde) como uma repetção (do dêntco) da gestão da prefeta Luíza Erundna.

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Segundo Osvaldo Antono Donnn,

com a prvatzação, a SMS teve sua organzação pratcamente estruturada em dos subsstemas. De um lado, a coordenação das dez Admnstrações Regonas de Saúde que passava a admnstrar cerca de quarenta undades de saúde e ações de vglânca epdemológca que não nteressavam às cooperatvas, que admnstravam pouco mas de duzentas undades de saúde. Os Dstrtos de Saúde foram extntos e as ARS dexaram de ser Undades Orçamentáras (Donnn, 2003: 34).

A trágca experênca de prvatzação desartculou totalmente o sstema muncpal: dos 40.000 funconáros dexados pela admnstração anteror trabalhando na rede muncpal sobraram 28.000, sendo que, desses, 13.000 estavam na Secretara da Saúde em projetos dtos menores, 5.000 nas cooperatvas do PAS, e 10.000 exlados em outras secretaras. Fo procedda, nesse período, a uma grande movmentação de pessoal.

Eduardo Jorge argumenta:

os prmeros passos dados pela prefeta Luza Erundna [1989 a 1992] foram bruscamente nterrompdos por duas gestões extremamente reaconáras que tentaram uma experênca de prvatzação selvagem e que destruu a rede muncpal de saúde (uma poderosa rede com mas de 40.000 trabalhadores de saúde), e que acabou se tornando um caso de políca pelos seus desmandos e rregulardades admnstratvas e fnanceras (Eduardo Jorge, 2003: 26).

Com sso posto e anda guados por Foucault, perguntávamos: como saltar de uma gestão por ora prvatzada para outra que se desejava públca? Como gerar estratégas de construção de polítcas públcas sem a permanente ntermedação do Estado? Como não crar um novo regme de domnação?

E fo novamente Foucault no prefáco ao AntÉdpo quem nos ndcou um modo de pensar, essa arte de vver contrára ao fascsmo nstalado pelo PAS:

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postvo e múltplo, a dferença à unformdade; o fluxo às undades; os agencamentos móves aos sstemas. Consdere que o que é produtvo, não é sedentáro, mas nômade; não magne que seja precso ser trste para ser mltante, mesmo que a cosa que se combata seja abomnável. É a lgação do desejo com a realdade (e não sua fuga, nas formas da representação) que possu uma força revoluconára… (Foucault, 1977/1996).

Esse gua, “manual de sobrevvênca étco” dexado por Foucault, nos ndcava um camnho: posção de gestão. Como produzr um modo de gestão que conectasse novamente trabalhadores de saúde ao processo de trabalho produtvo desfazendo a equação dor-ressentmento-trabalho?

Barros e Benevdes Barros novamente nos deram uma dreção ao destacarem duas dretrzes para o enfrentamento do problema: a co-gestão e a clínca amplada:

Em ambas dretrzes é o sentdo de amplação que comparece: da gestão e da clínca. A amplação da gestão se dá, como vmos, pela posção de nseparabldade entre os termos que a compõem: saberes, sujetos, poderes. Aumentar o grau de democraca nterna das organzações, problematzar a relação entre a atvdade da gestão e a gestão da atvdade, nstalar dspostvos que permtam a crculação da palavra e tomadas de decsão mas partcpatvas são alguns dos modos que acredtamos ser possível a amplação da gestão. Mas também a amplação da clínca, seja pela nstalação de modos de funconar que convoquem dferentes saberes/poderes a entrar em relação na construção de objetos de nvestmentos mas coletvos, seja pela desestablzação da própra noção de clínca (Barros & Barros, 2007: 8).

Trajeto 4: A gestão no CECCO-PAS

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essa ntenção que ncamos, em feverero de 2001, a ntervenção no Centro de Convvênca e Cooperatva (CECCO) do Parque Prevdênca gerencado pelo PAS.

Enquanto subíamos as velhas escadaras do Parque Prevdênca, acompanhados pelo dretor da admnstração regonal de saúde, fomos tomados por um assombro: O CECCO Parque Prevdênca tnha mudado, dfera muto do servço anteror ao PAS. Essa dferença não era um saudossmo, e também não era sentda apenas pela mudança da equpe, nem dos usuáros, nem tampouco dos mobláros da nsttução. A atmosfera do CECCO é que não tnha mas o mesmo encanto. Já na entrada

poda-se perceber que uma outra gestão do trabalho hava sdo al nstaurada: em mesas e salas, dvddas por bombos, espalhavam-se usuáros segregados em suas patologas ou faxas etáras (dosos, defcentes, cranças com problemátcas escolares) em trabalhos que eram denomnados como “ofcnas”. Mas de que ofcnas falavam?

Certamente não aconteca naquele espaço o trabalho de ofcnas cujo trajeto é habtar um campo híbrdo, a dversdade; habtar o lugar onde acontecem as msturas e os encontros, e por sso habtar sempre esse espaço fronterço dos agencamentos de város campos. Se um outro modo de gestão hava sdo mplementado naquele servço, certamente as ntervenções que al se produzam estavam relaconadas com o método desta gestão.

Para além do encontro com o espaço físco do CECCO, desde a fragmentação provocada pelos bombos, e uma dvsão patologzada e terapeutzada das pessoas que al se encontravam, aquele espaço estava prncpalmente trste: corpos enclausurados nas própras atvdades, um slênco dsfarçado pela músca ambente de uma rádo FM qualquer. Tudo al encobra na memóra, a alegra dos encontros que outrora expermentamos naquele mesmo espaço físco.

As “ofcnas”, dspostvo tão precoso que nasceu como um devr mnortáro12

das ntervenções em saúde mental, e fo dsparador de tantas novações no campo da clínca ps, estavam al totalmente capturadas no seu modo de exstênca tornando-se padrão de sujeção e controle. Se al havam colocado em prátca um método de gestão pautado pela doença, as ntervenções anda denomnadas de ofcnas perderam sua especfcdade: a força de agencamento, e a potênca de colocar em jogo o hbrdsmo da vda.

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Instaurou-se um grande estranhamento no reencontro com aquele servço. Ao entrar no salão de atvdades era como se tvéssemos sdo jogados num passado

que não se lembrava exstr. Como fala Calvno em seu lvro As cidades invisíveis, “a surpresa daqulo que você dexou de ser ou dexou de possur revela-se nos lugares

estranhos e não conhecdos” (Calvno, 2000: 28).

O reencontro com o CECCO não se deu pela alegra dos encontros saudáves e sm com conversas surdas, com o slênco dos corpos e gestos sem movmentos, com o trabalho sem vda, com o enclausuramento nas tarefas.

Após um período de espera em que se observava o trânsto do servço, a dretora nos recebeu com o mapa de produtvdade do servço, nformações quanttatvas dos atendmentos, se apressando em mostrar dados comparatvos dos números de atvdades e números de usuáros antes e depos do PAS, obvamente, qualfcando a superordade do PAS em relação aos números anterores.

Era um quadro assustadoramente grande: cnqüenta e duas “ofcnas” que se dstrbuíam pela semana atendendo, segundo ela, “todos os usuáros portadores de transtornos mentas, defcentes, dosos, cranças com necessdades especas, encamnhados pelos servços de saúde e escolas da regão, e encaxados segundo crterosa avalação dos técncos da equpe”.13

Em documento desse período verificamos que o CECCO Parque Previdência possuía uma equipe técnica formada por seis profissionais: um assistente social, dois psicólogos, um terapeuta ocupacional, um fonoaudiólogo e um educador em saúde pública, que se revezavam no quadro das cinqüenta e duas oficinas semanais. Os profissionais trabalhavam isolados nas suas atividades e oficinas não havendo a prática de reuniões de equipe para planejamento coletivo das ações e tampouco partilhar do cotidiano institucional. Para a diretora do serviço, os técnicos tinham como função “oferecer atividades para pessoas com problemas especiais”.14

Segundo o Relatório de Intervenção do CECCO Parque Previdência, PMSP 2001,15 “a oficina é a única forma de intervenção no CECCO. Não existe nenhuma

outra forma de convívio entre as pessoas que freqüentam a unidade”.

13 Regstro de entrevsta, feverero 2001.

14 Relatóro de Intervenção do CECCO Parque Prevdênca, Coordenadora de Saúde do Butantã, PMSP, 2001.

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Ainda segundo esse documento a população inscrita no CECCO Parque Previdência em fevereiro de 2001 era de 1.125 usuários. Destes somente 115 freqüentavam o serviço regularmente, sendo que 40% estavam diagnosticados como portadores de transtornos mentais, 20% portadores de deficiências, 20% crianças com problemas de aprendizagem, 20% idosos com algum comprometimento físico ou mental.16

Um clássico serviço de atenção à doença aparecia tanto nos relatórios oficiais do CECCO-PAS como nas entrevistas com a direção da unidade daquele período que novamente encobria a memória dos encontros alegres saudáveis pautados no desejo de se “estar com”.

A gestão desse serviço de saúde estava ali pautada pela inclusão (no serviço) de pessoas ditas “excluídas”. Aqui aparece claramente o conceito de inclusão encontrado muitas vezes nos programas de atenção à saúde: a inclusão como vetor de verticalidade. A oposição inclusão/exclusão como categorias do positivo/ negativo, como hierarquização piramidal faz com que os serviços proponham estratégias que visam “atender os excluídos do social”.

As oficinas do CECCO-PAS tinham um compromisso claro com essas estratégias que se propunham à formação de grupos estratificados e doentes.

O diretor da administração regional de saúde, após uma quantitativa apresentação do serviço e do seu funcionamento, comunicou àquela direção, que a instituição seria acompanhada dali para frente por um interventor que teria como objetivo realizar a passagem da unidade, ora gerenciada pelas cooperativas, para a gestão direta da Secretaria Municipal de Saúde.

Assumir o compromisso de iniciar a atividade interventora, foi acompanhado de um emaranhado de sensações, e as perguntas que também nos trouxeram para este trabalho de intervenção e igualmente de pesquisa começaram a insistir: Como fazer funcionar novos regimes de produção de trabalho? Como criar aberturas para novas composições? O que será que não havia ficado retido do CECCO na experiência do PAS? O que continuou em movimento?

Referências

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