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5.3 – Gestão, Clínica e Processos de Subjetivação

No documento Clinicar gerenciando e gerenciar clinicando (páginas 128-132)

Vimos acima que tanto a clínica que usa atividades em saúde mental quanto a gestão dos serviços de saúde mental produzem subjetividades. Também nos desdobramos nos territórios que são criados e lançam ao mundo, a cada novo movimento, novas formas de subjetividades. Resta-nos perguntar o que se pretende produzir com e nesses serviços. Ao buscamos a desinstitucionalização da loucura, não podemos reproduzir as mesmas formas de administrar, formas que já demonstraram que não pactuam em produzir maior grau de autonomia aos diversos atores.

A gestão dos serviços de saúde mental deve resolver uma equação que nos remete a questões como os processos excludentes da população que freqüenta os serviços, a participação social nos processos decisórios e a produção de cuidados em saúde mental.

Falamos então de questões que não se dissociam de uma questão ética. Ética que nos remete novamente à clínica e à gestão. A ética, de êthos, era a maneira de ser e a maneira de se conduzir. Pode se traduzir pelos hábitos, por seu porte, pela maneira de caminhar, pela calma com que responde a todos os acontecimentos. As práticas de liberdade, portanto, estão diretamente ligadas à ética. (FOUCAULT, 2006d).

A ética do profissional de saúde, do profissional que faz uso de atividades em saúde mental, não estará então ligada ao seu papel? Papel que deve ser

“participar deste processo como quem participa de um conflito, de uma disputa, sempre em aberto, não decidida. Deve ter claro também que, mesmo quando participa deste processo junto a um paciente individual, se trata sempre, mais que tudo, de um problema supraindividual. Não é para cada um, individualmente, que este problema da ‘seleção dos afectos’ não está resolvido (nem tampouco para a humanidade que, para este tipo de problema, se constitui numa abstração vazia), mas para os grandes conjuntos humanos, com seus planos coletivos de felicidade. Sua solução não pode resultar apenas de uma ação reflexiva operada sobre si mesmo,

pois as formas culturais e societárias podem ser sempre consideradas como uma solução já dada a respeito de quais são os autênticos afectos de alegria e potência. E é nesse sentido que se pode dizer que a medicina espinosana é uma espécie de ‘Saúde Pública’ ou, pelo menos, de ‘medicina coletiva’ ou ‘do coletivo’” (TEIXEIRA, 2003-2004, p. 70).

Deparamo-nos, pois, com o “modo de sujeição, ou seja, sobre a maneira pela qual o indivíduo se relaciona com essa regra e se reconhece ligado à obrigação de colocá-la em prática” (FOUCALT, 2006a, p. 212). As pessoas se relacionando com as regras de maneira pouco crítica.

Na clínica (seja da terapia ocupacional, seja do uso de atividades em saúde mental) é preciso pensar em um movimento no qual as atividades não busquem dizer o indizível. Que não busquem falar de aspectos inconscientes. Ao contrário, é preciso que o terapeuta seja capaz de captar aspectos saudáveis, possíveis, o “já-dito” pelos sujeitos. Captar o que aumenta a potência dos sujeitos, potencializar os afectos que aumentam a potência do homem. Dessa forma, estará na busca pela constituição de si dos sujeitos.

O terapeuta ocupacional, ou quem estiver trabalhando com o uso de atividades em saúde mental, nessa perspectiva toma a postura de ser, para quem quiser ter cuidados consigo mesmo, não apenas um profissional “conhecido por sua competência e seu saber, mas simplesmente um homem de boa reputação, cuja intransigente franqueza pode-se ter a oportunidade de experimentar” (FOUCAULT, 1985, p. 58).

A gestão deve auxiliar a unir os pensamentos de uns aos outros. Fazer um só. Este uno não pode ser encarado como doutrina, mas “como próprio corpo daquele que, transcrevendo suas leituras, delas se apropriou e fez sua a verdade delas: a escrita transforma a coisa vista ou ouvida ‘em forças e em sangue’ (...). ela se torna o próprio escritor um princípio de ação racional” (FOUCAULT, 2006b, p. 152).

Como Foucault (2006d) nos ensina, as práticas de liberação não são suficientes para definir as práticas de liberdade que serão implementadas e definidas conjuntamente

com os participantes do equipamento de saúde mental, uma maneira aceitável.e satisfatória da sua existência.

As atividades não devem ser utilizadas como recortes mortos de seus autores, mas como possibilidade viva, real e concreta de estar no social, de fazer conexões e pontes com fragmentos de si mesmo. Criar-se a si próprio. Assim o cuidado de si implica pensar em si mesmo, ou que no cuidado de si, cuidem dos outros. A gestão pode procurar ligar-se àqueles que são capazes de ter sobre si um efeito benéfico.

A gestão dos serviços de saúde mental constitui redes que produzem saúde. Elas são feitas pelos próprios protagonistas, de maneira autogestionária86. Isto, pois, no dia-a- dia, na realização de atividades, no trabalho vivo em ato, conexões e linhas de cuidados são maquinadas. Disparadas em várias direções. A criação e invenção na ação cotidiana tornam-se cada vez mais presentes na produção de saúde e no uso de atividades em saúde mental.

Taylor tratou de capturar em sua obra o trabalho, e tentar aproximar do real. Nesse percurso podemos destacar que as atividades podem vir a ser pensadas como promotoras de práticas de liberdade.

“O plano da clínica, comportando esta diversidade, não pode ele mesmo, portanto, ser definido por suas fronteiras, já que essas são constantemente desestabilizadas pelo próprio trabalho da análise. Daí ser difícil pensar uma instituição clínica, a não ser que ela se defina menos pelo que nela está instituído e mais pelo que nela e dela transborda. Uma instituição clínica ao atualizar a instituição da clínica só se sustenta nessa experiência em seu limite, isto é, estando sempre em suas bordas” (BENEVIDES, PASSOS, 2003, p. 334).

Produção de subjetividade que no plano da gestão deve comportar a diversidade. Uma gestão que esteja aberta ao rompimento de fronteiras, das normas. Normas que

86 “O conceito de auto-gestão está associado a um outro, de auto-análise, que significa o ‘processo de

produção e re-apropriação, por parte dos coletivos autogestionários, de um saber acerca de si mesmos, suas necessidades, desejos, demandas, problemas, soluções e limites’ (Baremblitt, 1996 apud FRANCO, 2007, p.469).

possam ser reavaliadas, desestabilizando a normatividade. É o trabalho da gestão colocado em análise. Gestão menos preocupada com as burocracias e a manutenção do que é rigidamente determinado pelas normas. Gestão recheada por forças instituintes para a gestão. Produção de subjetividades feitas na/pela gestão. Subjetividades produzidas que geram forças instituintes, novas formas de gestão.

No documento Clinicar gerenciando e gerenciar clinicando (páginas 128-132)