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Gestão de Cooperativas no Contexto Teórico da Administração

3 GESTÃO DE COOPERATIVAS

3.1 Gestão de Cooperativas no Contexto Teórico da Administração

O termo gestão ou o ato de gerir, geralmente, estão relacionados com o processo de planejar, organizar, dirigir e controlar, com a finalidade de alcançar determinados fins nas organizações (Fischer & Pinho, 2006). Sendo assim, conforme Tenório (2001, p. 22), gerenciar “é a ação de estabelecer ou interpretar objetivos e de alocar recursos para atingir uma finalidade previamente determinada”.

Cabe ressaltar que essas funções gerenciais já eram valorizadas na Teoria Clássica da Administração, sendo conhecidas como funções administrativas, relacionadas à previsão, à divisão do trabalho, à execução e ao acompanhamento (Fischer & Pinho, 2006).

Cabe ressaltar que a administração, como é praticada atualmente, é um produto de longa evolução histórica e traz a marca das contradições sociais e dos interesses políticos em jogo na sociedade (Paro, 1990, p. 18), ou seja, a administração como ciência e como ação traz consigo algumas determinações históricas, próprias de um modo de produção.

A administração, em sua essência, é a utilização racional de recursos para a realização de determinados fins (Paro, 1990). Em uma sociedade

capitalista, a gestão está voltada para o lucro, de modo que as relações de produção constituem relações de exploração de uma parte da população sobre outra, sob a forma da apropriação do produto do trabalho alheio (Idem, p. 35). Para que isso aconteça, as organizações criam instrumentos de gestão, como a divisão pormenorizada do trabalho, que está relacionada com o controle do trabalho pelo capital (Paro, 1990, p. 45). Esse modelo de gestão, denominado heterogestão, garante que os donos do capital mandem e os trabalhadores executem, concentrando na mão de poucos a tomada de decisões.

Contudo, esse autor afirma que, em uma perspectiva de transformação social, os elementos de uma administração capitalista (construída historicamente em uma sociedade de classes) devem ser depurados para que se possa colocá-los a serviço de propósitos não-autoritários (Paro, 1990).

Nesse sentido, as cooperativas poderão constituir espaços administrativos de propósitos não autoritários. Como observado no segundo capítulo desse trabalho, as cooperativas são sociedades de pessoas e não de capital, cujo objetivo é o bem-estar do associado e não a acumulação do lucro.

Contudo, este tipo de gestão, segundo Bialoskorski Neto (1994), introduz um elemento fundamental de análise, sob a ótica da teoria da organização industrial, na qual a pessoa física (associado) é agente e principal, ou seja, o próprio associado que participa na tomada de decisões é quem vai se beneficiar com estas decisões tomadas. Nas palavras do autor:

(...) a própria pessoa física participa das decisões estratégicas através das

assembléias e se “autocontrata” para as etapas posteriores do processo produtivo, inclusive com independência para influir na remuneração dos contratos, ou seja, na sua própria remuneração, como agente deste instrumento contratual (Bialoskorski Neto, 1994, p. 57).

Sendo assim, um problema relacionado a esse aspecto ocorre quando o mesmo “agente” que executa a função de controle sobre a decisão é aquele que toma a decisão. Bialoskorski Neto (1994) argumenta que, em termos de gestão,

as sociedades cooperativas são de difícil controle por parte dos associados, individualmente, ou por parte da assembléia geral, coletivamente. Isso porque, no caso das cooperativas agrícolas, há certo despreparo administrativo por parte dos associados, além da falta de rotatividade nos cargos de presidência ou diretoria.

Esse autor argumenta que os associados que participam da diretoria não são devidamente experientes ou profissionais na área de negócio, visto que não há divisão entre a propriedade e o controle (Idem, p, 60), mas que esta situação pode ser amenizada com a contratação de profissionais para a gerência da cooperativa.

No entanto, o fato de contratar um profissional para gerir a cooperativa pode dificultar o princípio de gestão democrática e a tomada de decisões coletiva. Além disso, de acordo com Bialoskorski Neto (1994), a contratação de um gerente pode causar conflitos, isso porque, de acordo com a teoria econômica, o gestor que alcançar renda e prestígio, objetivando, por um lado, o crescimento da empresa e a lucratividade, o que leva a aumentar os preços dos serviços prestados aos associados; por outro lado, reter as sobras para investimentos, enquanto o associado prefere pagar preços menores para os serviços da cooperativa e a distribuição das sobras no fim do exercício fiscal. Nesses aspectos, cabe ressaltar que esses são princípios cooperativistas desde os pioneiros de Rochdale.

Por outro lado, em se tratando de cooperativismo popular, conforme Cançado (2007, p. 54), a maioria das experiências dessas cooperativas não possui recursos para contratar empregados e, mesmo que possuísse, sua orientação é estranha a esse processo, isso porque essas cooperativas assumem, pelo menos teoricamente, a autogestão como prática administrativa e sua orientação é voltada para a gestão democrática somente por seus associados.

Bialoskorski Neto (1994) apresenta o modelo latino-americano de organização cooperativista que, segundo esse autor, é também o modelo brasileiro previsto na legislação:

FIGURA 1: Organograma básico de uma cooperativa Fonte: Adaptado de Bialoskorski Neto (1994, p. 61)

Conforme esse autor, o organograma acima estabelece que os conselhos administrativo e fiscal são representações da assembléia geral e que o diretor- gerente tem uma linha de mando proveniente do conselho de administração e uma linha de controle proveniente do conselho fiscal (Idem, p. 62).

Atualmente, o organograma básico de uma cooperativa está representado na Figura 2. Nesse organograma, a Assembléia Geral continua sendo o órgão máximo de deliberação. O conselho fiscal está ligado por uma linha pontilhada que indica que não manda em ninguém, porém é dotado de poderes para fiscalizar todas as operações ou atividades da cooperativa (Crúzio, 2002, p. 45). O conselho administrativo – formado por um presidente, um vice-presidente, um secretario e um tesoureiro – localiza-se abaixo da assembléia geral, pois acata as decisões desta (Crúzio, 2002).

Assembléia geral

Diretor gerente

Conselho fiscal Conselho de administração

FIGURA 2: Estrutura básica de uma cooperativa

Fonte: Adaptado de Crúzio (2002) e Juvêncio et al. (2004).

Crúzio (2002) apresenta diversos problemas identificados em estudos sobre cooperativismo, que podem prejudicar a gestão de uma cooperativa, como: participação em assembléias gerais sem conhecer os direitos e deveres dos associados, o estatuto ou a pauta da reunião; omissão de discordância nas reuniões; trocar o voto por benefícios extras; comparecer nas assembléias apenas para votar e se ver livre de suas obrigações de associado; votar em propostas vagas ou recomendadas pela direção sem refletir sobre as conseqüências desta ação e descuidar da fiscalização sobre os atos da direção e dos conselheiros fiscais, dentre outros.

Observa-se que esses problemas estão relacionados com a comunicação interna, a participação efetiva dos associados e o comprometimento para organização e fiscalização da cooperativa.

Além disso, quanto ao conselho fiscal, dentre os problemas apresentados por Crúzio (2002), dois merecem destaque: o enfraquecimento da fiscalização, mediante aliança corporativa com a direção, comprometendo a apuração de possíveis irregularidades administrativas (Idem, p. 64). O fato de haver

Assembléia geral

Conselho fiscal

revezamento de certos associados, entre os cargos dos conselhos de administração e fiscal, durante um longo período de tempo. Ou seja, problemas de manipulação de informações, alianças corporativas, balancetes falsificados estão presentes nas empresas cooperativas e devem ser fiscalizados, o que exige, também, comprometimento e cobrança por parte dos associados.

Cabe ressaltar que a gestão de uma organização também se relaciona com o ambiente externo da mesma. Nesse sentido, Bialoskorski Neto (1994) menciona a importância da cooperação intersetorial e intercategorias. Esta discussão também está presente nos encontros de economia solidária, no sentido de fortalecer a cadeia produtiva por meio da cooperação entre cooperativas populares e empreendimentos solidários ou, mesmo, de fortalecer laços entre cooperativas de um mesmo segmento, com objetivo de aumentar o poder de negociação, tanto para compras coletivas como para a distribuição dos produtos. Relacionado a este aspecto, nos termos da teoria organizacional, observam-se as Novas Formas Organizacionais, como as “redes”. Conforme Mendonça (2007), no plano teórico–operacional, o conceito de rede está vinculado a uma trama de relações que prioriza o fluxo e a circulação.

Neste contexto, o conceito de rede social está relacionado com o conjunto de pessoas ou organizações ligadas por relações sociais de tipos específicos, como amizade, transferência de fundos ou outros (Peci, 1999). Em outras palavras, Withaker (1998) 12 define:

Uma estrutura em rede (...) corresponde também ao que seu próprio nome indica: seus integrantes se ligam horizontalmente a todos os demais, diretamente ou através dos que os cercam. O conjunto resultante é como uma malha de múltiplos fios, que pode se espalhar indefinidamente para todos os lados, sem que nenhum dos seus nós possa ser considerado principal ou central, nem representante dos demais. Não há um chefe, o que há é uma vontade coletiva de realizar determinado objetivo.

Desta forma, Peci (1999) argumenta que alguns estudiosos utilizam o termo “rede” como uma forma distinta da atividade econômica coordenada, que se opõe aos mercados e às hierarquias. Sendo assim, o conceito de rede tem relação direta com o conceito de gestão social, em oposição ao modelo heterogestionário.

Nesse sentido, serão apresentados os três conceitos de gestão utilizados nesse trabalho: heterogestão, gestão social e autogestão, esse último no contexto da economia solidária.