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Gestão processual e direitos processuais assegurados às partes

3 PRÁTICAS DE GESTÃO JUDICIÁRIA EM VARAS DO TRABALHO

3.2 Gestão processual

3.2.1 Gestão processual e direitos processuais assegurados às partes

No desempenho da gestão processual, o juiz, se por um lado deve atuar de modo a reduzir o tempo de tramitação dos processos e ampliar a utilidade do seu resultado – voltado, portanto, ao alcance da efetividade e celeridade da atividade jurisdicional –, por outro deve fazê-lo atento à necessidade de permitir o exercício dos direitos processuais elementares assegurados às partes.

A propósito do perigo que representa a excessiva idolatria dos ideais de efetividade e celeridade em detrimento de outros valores informadores do processo, José Joaquim Calmon de Passos alerta:

Distorção não menos grave, outrossim, foi a de se ter colocado como objetivo a alcançar com as reformas preconizadas apenas uma solução, fosse qual fosse, para o problema do sufoco em que vive o Poder Judiciário, dado o inadequado, antidemocrático e burocratizante modelo de sua institucionalização constitucional. A pergunta que cumpria fosse feita - quais as causas reais dessa crise - jamais foi formulada. Apenas se indagava - o que fazer para nos libertarmos da pletora de feitos e de recursos que nos sufoca? E a resposta foi dada pela palavra mágica "instrumentalidade", a que se casaram outras palavras mágicas - "celeridade", "efetividade", "deformalização" etc. E assim, de palavra mágica em palavra mágica, ingressamos num processo de produção do direito que corre o risco de se tornar pura prestidigitação. Não nos esqueçamos, entretanto, que todo espetáculo de mágica tem um tempo de duração e de desencantamento.140

E, com a mesma preocupação, José Carlos Barbosa Moreira observa que “Se uma justiça lenta demais é decerto uma justiça má, daí não se segue que uma justiça muito rápida seja necessariamente uma justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem; não, contudo, a qualquer preço”.141

A doutrina atual é unânime quanto à necessidade de compatibilizar a efetividade da atividade jurisdicional e a razoável duração do processo com as demais garantias processuais asseguradas às partes.

140 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Instrumentalidade do processo e devido processo legal. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3062>. Acesso em: 10 jan. 2009.

[...] não se pode olvidar, nesse particular, a existência de dois postulados que, em princípio, são opostos: o da segurança jurídica, exigindo, como já salientado, um lapso temporal razoável para a tramitação do processo (“tempo fisiológico”), e o da efetividade deste, reclamando que o momento da decisão final não se procrastine mais do que o necessário (“tempo patológico”). Obtendo-se um equilíbrio desses dois regramentos – segurança/celeridade -, emergirão as melhores condições para garantir a justiça no caso concreto, sem que, assim, haja diminuição no grau de efetividade da tutela jurisdicional.142

O processo, como instrumento destinado à atuação do direito material, não prescinde da aferição das reais circunstâncias da lesão ocorrida para o restabelecimento das coisas em seu status quo ante, até em homenagem a um elementar postulado de segurança jurídica. Em razão disso, impossível que propicie prontamente tutela definitiva. [...]

Por outro lado, a excessiva demora do processo, mesmo que se tenha ao final, uma decisão segura – com a entrega do bem da vida perseguido a quem de direito – gera nas partes litigantes, principalmente no vencedor da demanda, independentemente de fatores de compensação (juros e correção monetária), inconteste dano marginal. Trata-se de um fator depreciativo, de faceta emocional e material, do objeto que deveria ser prontamente tutelado pelo processo.

Certamente, o grande desafio do processo civil contemporâneo reside no equacionamento desses dois valores: tempo e segurança. A decisão judicial tem que compor o litígio no menor tempo possível. Mas deve respeitar também as garantias da defesa (due process of law), sem as quais não haverá decisão segura. Celeridade não pode ser confundida com precipitação. Segurança não pode ser confundida com eternização.143

A preocupação não é sem sentido. Tanto que a Constituição da República, ao viabilizar amplo acesso à Justiça – e, assim, reconhecer o direito à efetividade e tempestividade da atividade jurisdicional –, também assegura, em contrapartida, certas garantias inerentes ao exercício desse direito.

Assim como o próprio acesso ao sistema judicial de proteção dos direitos e os mecanismos disciplinadores do seu funcionamento pronto e eficaz, boa parte dos direitos processuais elementares se encontra catalogada no texto constitucional pátrio entre os direitos fundamentais, sob a forma de princípios informadores do processo – e, pois, da própria atividade jurisdicional. E, entre esses, interessam o princípio do devido processo legal e o princípio do contraditório e da ampla defesa, os quais, em síntese, expressam os direitos processuais elementares assegurados às partes.

A busca da rápida solução do processo não deve se transformar no objetivo único do juiz, pois ao lado do valor celeridade se encontra a segurança, proporcionada pelo devido processo legal, de modo que ambos devem ser levados em consideração pelo juiz na condução

142 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia do processo sem dilações indevidas. In: CRUZ E TUCCI, José

Rogério. Garantias constitucionais no Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 237.

do processo.144 Efetivo é o processo justo, o processo que, com a celeridade possível, mas com respeito à segurança jurídica (contraditório e ampla defesa), proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material.145

O princípio do devido processo legal, consagrado no inc. LIV do art. 5º da Constituição da República – “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” –, consiste em uma síntese geral de todos os demais princípios que informam o processo, os quais, então, encontram nele a sua origem e o seu fim. Da sua adoção, pois, já decorrem todos os outros princípios que ensejam a garantia de um processo e uma sentença justos.146

O devido processo legal significa o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes de natureza processual e, do outro, legitimam o exercício da atividade jurisdicional.147 Visto sob a dimensão procedimental, o princípio assegura tanto o exercício do direito de acesso à Justiça como o modo regular de desenvolvimento do processo, ou seja, em consonância com normas previamente estabelecidas. Pressupõe, principalmente, a existência de juiz natural e imparcial, o respeito ao contraditório e a submissão a procedimento ordenado.

Pressupondo submissão a procedimento ordenado, o princípio impõe respeito ao formalismo, o qual compreende “não só a forma, ou as formalidades, mas especialmente a delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, coordenação de sua atividade, ordenação do procedimento e organização do processo, com vistas a que sejam atingidas suas finalidades primordiais”148 e se investe das tarefas de:indicar as fronteiras para o começo e o fim do processo; circunscrever o material a ser formado; estabelecer os limites de cooperação e ação das pessoas atuantes no processo para o seu desenvolvimento; emprestar previsibilidade ao procedimento; disciplinar o poder do juiz; controlar os eventuais excessos de uma parte em face da outra, atuando como fator de igualação; e formar e valorizar o material fático de importância para a decisão da causa.149

Conquanto indispensável à garantia do devido processo legal, a atenção ao formalismo

144 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. In: MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código de processo civil

interpretado. São Paulo: Atlas, 2004, p. 348.

145

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – Teoria geral do direito processual

civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 20. v. 1.

146 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004, p. 60.

147 CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

geral do processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 84.

148

não autoriza ritualismos exagerados, a ponto de o processo se tornar um fim em si mesmo e, com isso, impor prejuízos à necessária eficiência que deve presidir a prática dos atos processuais.

Já o princípio do contraditório e da ampla defesa, positivado no inc. LV do art. 5º da Constituição da República – “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” –, é constituído pelos elementos informação – que se refere ao conhecimento que deve ser dado às partes sobre as ocorrências verificadas no curso do procedimento – e reação – que consiste na possibilidade de as partes, cientes das ocorrências verificadas no curso do procedimento, manifestarem a sua posição –, os quais, por sua vez, propiciam a real participação das partes no processo e, por extensão, no próprio exercício da atividade jurisdicional. O princípio significa que “Os contendores têm direito de deduzir suas pretensões e defesas, de realizar as provas que requereram para demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito de serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos”.150 Dele decorrem três consequências básicas: a sentença atinge somente os sujeitos participantes da relação processual, ou seus sucessores; a relação processual completa somente existe após regular citação do demandado; e as decisões podem ser proferidas somente depois de ouvidas ambas as partes.151

No particular, contudo, procede a advertência formulada por Luiz Guilherme Marinoni:

Os conceitos de ampla defesa e de contraditório devem ser construídos a partir dos valores das épocas. Quando a preocupação do direito se centrava na defesa da liberdade do cidadão diante do Estado, a uniformidade procedimental e as formas possuíam grande importância para o demandado. Nesse sentido, a rigidez dos conceitos de ampla defesa e contraditório assumiam função vital para o réu.

Entretanto, como não poderia deixar de ser, a ampla defesa e o contraditório eram vistos como garantias em relação ao Estado, e não como elementos que, quando conjugados, podem viabilizar a formação de procedimentos adequados às necessidades das diferentes situações de direito substancial, não se pensava na possibilidade de concessão da tutela do direito mediante a postecipação da defesa, do contraditório ou da produção da prova.152

No desempenho da gestão processual, a atuação do juiz deve incluir a ponderação de todos esses valores fundamentais, “postos em relação de adequada proporcionalidade, por meio de uma delicada escolha dos fins a atingir e de uma atenta valoração dos interesses a

149 OLIVEIRA. Do formalismo ..., p. 7-9. 150 NERY JUNIOR. Princípios ..., p. 172. 151

THEODORO JÚNIOR. Curso ..., p. 20. v. 1.

tutelar”, segundo a concepção de que “o que interessa realmente é que nessa difícil obra de ponderação sejam os problemas da justiça solucionados num plano diverso e mais alto do que o puramente formal dos procedimentos e transferidos ao plano concernente ao interesse humano objeto dos procedimentos: um processo assim na medida do homem, posto realmente ao serviço daqueles que pedem justiça”.153

Em síntese, a ponderação desses valores fundamentais visa ao exercício mais justo da atividade jurisdicional e, a tanto, é imprescindível ter presente que o processo “é mero instrumento para o atendimento das necessidades materiais relacionadas ao direito disputado em Juízo, sem o que não se pode cogitar de realização do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, o que constitui simples resposta ao dever de proteção atribuído aos órgãos estatais”.154

Essa necessidade de permitir o exercício dos direitos processuais elementares assegurados às partes, de resto, é inerente à perspectiva de processos organizacionais ou processos de trabalho, em cujo contexto o direito ao devido processo legal e o direito ao contraditório e à ampla defesa se enquadram como insumos, porque, em síntese, fazem parte das normas que disciplinam a execução das atividades (transformação).