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3 MUSICALIZANDO DA GESTAÇÃO AO PRIMEIRO ANO: O RELATO

3.1 A GESTAÇÃO

A descoberta da gestação foi um choque para o pai e para mim, pois não foi uma gestação planejada. Estando no final do Curso de Licenciatura em música, a gravidez seria uma mudança muito grande no nosso cotidiano (tanto o pai quanto eu somos do mesmo curso). Apesar da surpresa, a chegada de um bebê foi muito bem-vinda na nossa família. Ficamos muito felizes e esperançosos com a sua chegada. Primeiro neto da avó materna e sétimo neto da avó paterna, recebeu muita atenção de todos. O cuidado dos exames cansativos e os cuidados que vêm com a gestação, fez com que ele fosse esperado ansiosamente mais a cada dia, tanto por mim quanto pelo pai.

Não havia um dia que o pai e eu não conversássemos com ele, desde o primeiro mês de gestação. Mesmo sabendo que o feto não estava ouvindo, insistimos em falar com ele para que sentisse que tinha algo o esperando. Ilari (2002) destaca que,

[...] o feto tem o sistema auditivo completo e escuta relativamente bem, ainda dentro do útero. Através de experimentos realizados usando métodos como a inserção de microfones minúsculos no útero de gestantes em trabalho de parto ou logo após o parto, muitas informações importantes sobre o ambiente acústico-sonoro do útero humano foram obtidas (para exemplos consulte Lecanuet, 1996) (ILARI, 2002, p. 84).

Todos os dias eu fazia massagem com hidratante na barriga, pois já era uma preparação para pele que iria esticar com a gestação, e nessa rotina eu conversava bastante, pois,

A voz materna constitui, indubitavelmente, a ‘massa sonora’ sobre a qual se vai moldar a linguagem. A mãe exprime o seu vivido, os seus sentimentos e, em particular, o seu amor materno através de um material acústico bem específico percebido de uma forma singular pelo feto (TOMATIS, 1987, p. 157).

Eu perguntava como era lá dentro, se era apertado ou se tinha espaço para ele nadar, mesmo sabendo que ele não ouvia. Mas, eu já queria realizar esse estímulo. Fazia perguntas que aparentemente não são importantes para outras pessoas, mas que para mim era um momento especial. Eu parava para ver como meu corpo e minha mente mudavam com o decorrer dos meses.

Desde o nascimento, a criança tem necessidade de desenvolver o senso de ritmo, pois o mundo que a rodeia, expressa uma profusão de ritmos evidenciados por diversos aspectos. (FERREIRA et al, 2007) No quarto mês da gestação descobrimos o sexo do feto e a partir daí,

começamos a chamar ele pelo nome, Édgar. Sempre bem agitado, fizemos três ultrassonografias para descobrir o sexo. A partir do quarto mês da gestação, intencionalmente começamos a inserir músicas que a gente escutava no nosso cotidiano. O momento da massagem na maioria das vezes era quando íamos dormir. Era um momento bem especial, pois o pai e eu ficávamos conversando com ele e colocávamos a música no celular perto da barriga, uma música ambiente e bem calma, enquanto conversávamos sobre o nosso dia a dia ou sobre a música que estava tocando, se era um violino que se destacava ao tocar ou um violoncelo. O que era mais comum nesse momento era o violão e o piano. As músicas mais comuns que nós colocávamos eram a peça Lágrimas de Francisco Tarrega no violão e Sparrow - piano interpretado por Miika Met Tiainen.

[...] na aculturação, crianças pequenas são expostas à música de sua cultura, e assim elas são capazes de basear os sons de seu balbucio musical e seus movimentos nos sons musicais que elas escutam em seu ambiente. Quanto mais variada a música que as crianças ouvem, isto é, quanto mais rico seu ambiente musical é em tonalidades, harmonias, e métricas, e quanto mais elas são encorajadas a interagirem com o que elas ouvem através da orientação musical informal, mais elas irão se beneficiar (GORDON, 2003, p.43). Os estudos de Barreto e Silva (2004) vêm ao encontro de nossos anseios, no sentido de mostrarem que a música ajuda a equilibrar as energias, desenvolve a criatividade, a memória, a concentração, autodisciplina, socialização, além de contribuir para a higiene mental, reduzindo a ansiedade e promovendo vínculos. A musicalização nos traz conhecimento variado e tem como objetivo despertar e desenvolver o gosto musical, desenvolvendo a sensibilidade, a criatividade, o senso rítmico, o prazer de ouvir música, a imaginação, a memória, a concentração, atenção, motivando a autodisciplina, o respeito ao próximo, a socialização e a afetividade e contribuindo também para uma efetiva consciência corporal e de movimento (BRÉSCIA, 2003). Havia noites que eu fazia a musicalização sozinha e percebia diferenças, pois Édgar ficava bem agitado entre chutes brincalhões que me lembravam que eu não estava mais sozinha, tornando-me consciente do meu poder interior. Ele tinha uma relação com o pai que eu não conseguia explicar. Algumas noites eu não conseguia dormir, porque ele mexia muito. Eu conversava com ele, pedia para que ficasse mais quieto, afinal eu precisava dormir. Mas, ele só parava quando o pai conversava com ele, ou somente depois que ele colocasse a mão na barriga. Acredito que ele sentia que era a mão do pai e não a minha. A gente mudava com frequência os gêneros musicais, inclusive aqueles que eu particularmente não gostava, pois eu queria que ele tivesse uma sensação diferente.

A partir do quinto mês de gestação o cantar foi ficando cada vez mais complicado, minha respiração foi ficando cada vez mais apertada e o repertório por mais simples que fosse ficava

bem difícil. Na hora que eu cantava, ele mexia muito e chutava minhas costelas. Quando chegou no oitavo mês, eu não conseguia mais cantar e, mesmo assim, cantei no Madrigal (coral da UFRN) até completar oito meses de gestação. Após esse período, participei como ouvinte.

Se um feto de 8 meses está em posição cefálica, de cabeça para baixo, ele receberá o som através da condução óssea, pois sua cabeça está apoiada diretamente sobre os ossos da pelve de sua mãe. E se o bebê está em posição podálica, sua cabeça estará mais perto da placenta e do coração materno (FEDERICO, 2013, p.105).

A música está presente em todas as culturas e pode ser utilizada como fator determinante nos desenvolvimentos motor, linguístico e afetivo de todo ser vivo. (MARTINS, 2004). Durante a gestação me matriculei em uma disciplina chamada Seminário em Educação Musical Infantil, com a professora Carolina Gomes, que me fez refletir mais sobre a forma que estava musicalizando o nosso bebê e fui adquirindo mais conhecimento sobre ele.

Figura 5: Apresentação do trabalho de musicalização com gestantes Fonte: Karina Alves (2019)

Figura 6: Registro de uma parte da turma de Seminário em Educação Musical Infantil. Fonte: Karina Alves (2019)

Em uma atividade que planejamos, mostrei minha forma de musicalização para toda a turma, sentei em uma cadeira e coloquei uma música que particularmente gosto muito e que pertencia à lista das músicas do momento da massagem. Todos acharam muito interessante a forma que ele se mexia na barriga ao ouvir a música no momento em que eu coloquei o aparelho bem perto da barriga. Com tudo isso é necessário observar qual o tipo de contribuição que ocorre com o trabalho de musicalização para bebês, como pode acontecer isso e as influências que pode proporcionar na formação e no desenvolvimento futuro dos seres humanos (MARTINS, 2004).

Até o nascimento continuamos com os estímulos sonoros via celular, por meio das massagens e conversas noturnas/diurnas.

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