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PARTE II – INDÚSTRIA CULTURAL E HOMOGENEIZAÇÃO: A REPETIÇÃO DE

4. Personagens

4.2. Ghostface: o múltiplo uno

A tarefa de tentar pensar a figura do monstro é bem mais complexa que a da heroína. Popularmente, o gênero horror é diferenciado dos outros justamente pela imagem do monstruoso: é bastante comum, em críticas não especializadas de revistas, e também em comentários pessoais, achar expressões como “É um filme de vampiro”, o que ajuda a qualificar e, por consequência, comercializar o filme. Em grande parte isso se dá porque frequentemente as obras de horror, tanto no cinema quanto na literatura, trazem o monstro em posição de destaque, acima de qualquer herói a partir do título137 (não é à toa que muitas pessoas acham que Frankenstein é o nome do monstro e não do cientista); e, sem dúvida, não há trabalho que trate do gênero horror sem uma parte dedicada à figura do monstro, definindo e interpretando-a de acordo com seu momento e universo de amostragem.

Por conta disso, as interpretações tendem a seguir alguns modelos mais ou menos pré-estabelecidos e de escopo amplo, especialmente de direcionamentos alegórico-sociais ou psicologistas, o que dificulta a tarefa de escapar deles. Assim, esta seção tentará pensar como a construção dos monstros se dá, avaliando as diretrizes dessas correntes principais e seus problemas, reelaborando-as sempre que necessário.

Essa seção estará dividida em uma primeira parte, que tentará discutir o que vem a ser um monstro e suas possíveis características, seguida de um afunilamento para o cinema

slasher e, por fim, uma caracterização do monstro da trilogia Pânico, o Ghostface, sob a

hipótese de leitura de que, inversamente ao caminho na criação de Sidney Prescott, a narrativa tenta homogeneizar tudo que há de heterogêneo nele, com a função de fabricar uma sobrenaturalidade não passível de explicação, que desemboca ulteriormente em uma superdiferenciação dos corpos condizente com o capitalismo tardio.

A palavra monstro vem do latim “monstrum”, significando agouro ou sinal (MACHADO, 1959, p. 1531), e que também serve de base etimológica para palavras como

137 Ademais, a presença do monstro é a principal característica repetida em seqüências de filmes de horror.

Poucos, como A hora do pesadelo 7 ou Brinquedo assassino 2, trazem os heróis novamente, enquanto o mais comum é trazerem, no máximo, alguma personagem menor, como o Dr. Loomis na série Halloween.

mostrar e demonstrar, criando um vácuo entre aquilo que é compreendido positivamente e aquilo que, negativamente, escapando à capacidade de elaboração, pode somente ser mostrado. Sérgio Luiz Prado Bellei (2000, p. 14-15) aponta o surgimento do monstro nos parâmetros modernos como uma saída para as limitações flagrantes do sistema platônico/aristotélico de compreensão da realidade, indicando que

Para a ‘representação’ de tais realidades por definição não representáveis, tornava-se necessário o recurso à via negativa, ou seja, a um sistema de significados que demonstrasse a validade limitada da lógica por meio de um discurso que, em sua deformação monstruosa, fosse capaz de confundir categorias pela negação da sistematicidade lógica só aparentemente reveladora da correspondência entre a palavra e a coisa. [...] O monstro e o discurso da monstruosidade constituem uma linguagem reveladora daquilo que, não podendo ser re-presentado, pode apenas, como sugere a origem etimológica de ‘monstro’, ser mostrado ou demonstrado (‘monstrare’). (grifos do autor).

Em geral, as definições do que vem a ser um monstro seguem a premissa básica de que monstro é tudo aquilo que não pode ser explicado racionalmente. É essa negatividade que ronda o mundo inteligível, oscilando frequentemente entre considerar somente espectros imateriais, ou incluir também seres materiais, como os serial killers, por exemplo. Nesse caso, o subgênero slasher é bastante representativo, pois apresenta, em sua micro-história, da década de 1970 até os dias de hoje, um mini-universo das divisões na crítica especializada. Peter Hutchings (2004) divide o gênero em três fases principais: primeiro, o

slasher propriamente dito, produzido mais ou menos entre 1978 e 1981, em que não há uma

explicação sobrenatural para os poderes do monstro, incluindo filmes como Halloween (1978), Sexta-feria 13 (1980) e Feliz aniversário para mim (1981)138; o neoslasher, denominação para o resto da década de 1980 e a primeira metade de década de 1990, em que os monstros ganham características sobrenaturais como a imortalidade, incluindo as sequências de Sexta-feira 13 do período (1981; 1982; 1983; 1984; 1985; 1986; 1988; 1993)

138 Isso não quer dizer que não houvesse espaço para o fantástico, no sentido estabelecido por Todorov

(2007): enquanto os assassinatos em filmes como Feliz aniversário para mim (1981) podem ser explicados pelo fato de que as vítimas são pegas de surpresa, há nessa primeira leva slasher filmes como Halloween (1978) e Sexta-Feira 13 (1980), nos quais perguntas permanecem não respondidas: como se explicaria que, nunca apressando o passo, Michael Myers sempre alcança suas vítimas, que correm, ou que a Sra. Vorhees, de idade um pouco avançada, tem força para realizar cenas de violência extrema, como atravessar um arpão primeiro através de um colchão e depois através da nuca de um dos rapazes com uma única mão, posto que a outra o segurava.

e a série A hora do pesadelo (1984; 1985; 1987; 1988; 1989; 1991; 1994); e, finalmente, os pós-slashers, a partir da segunda metade da década de 1990, que apresentam ambas as possibilidades, tanto nos assassinos humanos da trilogia Pânico (1996; 1998; 2000) quanto na Morte completamente sobrenatural de Premonição (1998).

A crítica especializada segue a mesma divisão. Enquanto os teóricos mais tradicionais, como Todorov (2007), tentam diferenciar aquelas histórias com explicações lógicas ou não, na presença ou ausência de explicações sobrenaturais para os elementos fantásticos, os mais recentes tentam abarcar todas as qualidades de monstro possíveis, como o brasileiro Luiz Nazário (1998), num gesto característico da Teoria da década de 1990 de não discriminar os diferentes em qualquer instância, sendo todos parte de um grande

melting pot que dialoga e se hibridiza. No entanto, como a trilogia Pânico traz uma única

figura monstruosa, que aparenta sobrenaturalidade, mas, a rigor, não a possui, essa distinção deixa de ser importante em si para este trabalho, passando a o ser somente para a relação da trilogia com o gênero slasher como um todo.

De qualquer forma, o universo, sobrenatural ou não, aceito por cada teórico sempre resulta em uma tentativa de explicação do irracional-feito-imagem, como na definição de Noël Carroll (1990), de que o monstro seria necessariamente ameaçador e impuro, implicando em um monstro explícito, ou, pelo menos, assim sugerido. Essa relação entre o monstruoso e o explícito permeia o termo estranho [unheimlich], desenhado por Freud (1996a) em artigo homônimo de 1919 e impossível de desconsiderar em qualquer trabalho sobre horror. A re-elaboração de elementos familiares [heimlich] para que pareçam estranhos apontam para uma dimensão recalcada dos termos: aquilo que pertence ao reino do familiar permanece escondido, privado, enquanto aquilo que é estranho ou não-familiar é (ou pode ser), por conseguinte, exposto e público, seguindo a mesma lógica de elaboração secundária dos desejos nos sonhos.

O motivo do recalque teorizado por Freud embasa, de um jeito ou de outro, todas as teorias que tentam nominar o monstruoso, em suas três correntes principais: por um lado, 1) a crítica socio-alegórica usa os monstros como metáforas de males recalcados socialmente, onde, por exemplo, um extraterrestre de qualquer filme da década de 1950 vira um russo ou chinês; por outro, 2) a crítica psicanalítica parte do princípio de que o monstruoso é

acionado pelo rastro de uma cena primal escondida no inconsciente, transformando qualquer assassino em um violentador sexual ou uma personificação do falo; mas, reconhecendo por fim os limites de uma abordagem unidirecional, isto é, uma objetivação e uma subjetivação, 3) a maioria dos críticos contemporâneos tenta negociar entre as duas tendências, mesmo usualmente impondo uma delas sobre a outra e fazendo uma salada em que todo o aparato teórico é aplicado superficialmente139.

Da mesma forma que as correntes são mais ou menos as mesmas, os equívocos de interpretação também são repetidos à exaustão, como se pode constatar nas obras que tratam do monstruoso. No Brasil, os estudos sobre os monstros são capitaneados por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, em especial, na área de Letras, pelo grupo de estudos “Crimes, pecados e monstruosidades: o mal na literatura” e na área de Cinema pelo professor Luiz Nazário. Os trabalhos desses pesquisadores mostram-se bastante característicos, negociando as duas vertentes como se pode observar em livros com enfoque nos Estudos Culturais, como Monstros e monstruosidades na literatura (2007), organizado pelo líder do grupo Julio Jeha, ou no livro de vertente predominantemente psicanalítica Da natureza dos monstros, de Nazário (1998).

Os dois caem nos mesmos problemas básicos: inicialmente, mesmo que haja uma repetição ad infinitum dos motivos monstruosos140, é impossível tentar essencializar o que seria um monstro, especialmente em se tomando como ponto de partida o universo de amostragem, em que Jeha, no artigo “Monstros como metáforas do mal” (2007b), tenta englobar todas as formas do monstruoso e suas definições ao longo dos séculos, e Nazário, seguindo ambição semelhante, inclui todas as formas monstruosas presentes na literatura e cinema ao longo da história da humanidade.

O segundo equívoco comum na caracterização dos estudos sobre os monstros, que por vezes se sobrepõe à essencialização, é a generalização totalizante de um objeto complexo, tanto artisticamente quanto em termos de contexto e repercussões. Jeha, por exemplo, caracteriza o monstro de Frankenstein como a inauguração “de uma linhagem de

139 A respeito das origens, características e limites da Teoria contemporânea, ver Durão (2004a).

140 W. D. Gagliani (2007, p. 156), em um artigo voltado a aspirantes de escritores de horror, fala que, diante

da improbabilidade de se criar novos monstros, deve-se revitalizar os antigos para dar vida nova às histórias, “fazendo de algo familiar algo novo”.

monstros que falam de nosso mal-estar perante o desenvolvimento da ciência e o progresso tecnológico, assim como diante de guerras e genocídios” (2007a, p. 7) e, por fim, “a metáfora do remorso, tanto de Frankenstein como de Mary Shelley” (2007b, p. 24). Na primeira citação, temos duas imprecisões causadas por essa supergeneralização: a “linhagem de monstros” e o “mal estar” sugerem que não haverá nuances ambivalentes no próprio Frankenstein em relação ao progresso, desmentido pela posição ambígua do monstro como personagem, protagonista e, em certo momento, narrador no romance, e sua busca por um propósito que lhe foi negado, nem em seus seguidores, como Neuromancer, publicado em 1984 por William Gibson, cuja imbricação da tecnologia nos corpos humanos implica em uma ambiguidade indecidível; além disso, as “guerras e genocídios” só passaram a ser diretamente ligados ao processo tecnológico no Século XX, a partir da utilização de aviões, tanques e armas químicas na Primeira Guerra Mundial, ou a exterminação industrializada dos judeus, na Segunda Guerra141; na outra citação, mais problemática ainda, o autor relaciona a escrita do romance ao remorso de Mary Shelley em relação ao suicídio de Harriet Westbrook, esposa do poeta Percy Bysshe Shelley, abandonada grávida e já com um rebento, recorrendo a um psicologismo biográfico para metaforizar a criação do monstro.

Por outro lado, Nazário cobre um direcionamento mais voltado à psicanálise, mas não menos problemático em termos de generalização. No capítulo “O que é o monstro?” (1998, p. 9-22), após fazer um inventário das inúmeras formas que um monstro pode assumir, ele identifica o “caráter sexual” dos monstros em geral, assemelhando-os a um falo, o que inclui os representantes fundamentais do gênero, como Drácula (ibid., p. 20):

Até o monstro antropomorfo apresenta as características de um falo: o Drácula descrito por Bram Stoker, peludo e de lábios muito vermelhos exala um cheiro horrível; deixa as pessoas abobalhadas; rouba a beleza e a força alheias; cresce e encolhe; dorme de dia e acorda à noite, quando se ergue excitado e rijo do ataúde, subindo pelas paredes. Como o membro viril está preso ao testículo, o vampiro o está ao caixão, que tem de carregar por toda parte: a terra natal onde repousa é sua potência sexual, e a capa preta que adotou no cinema remete ao prepúcio. Esse falo que o vampiro representa é essencialmente mau, perverso, violentador, viciando os que o experimentam: Drácula não penetra senão convidado mas, depois que penetra, não precisa mais de convite. O fato do

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espelho não refletir sua imagem liga-se à ideia de que o falo é a parte secreta do homem, que não se exibe publicamente. E as receitas para liquidar um vampiro reafirmam o simbolismo: o sol, a água corrente, o alho e as coisas sagradas o amolecem, mas ele só desaparece mediante um ritual simbólico de castração – fulminado a bala benta, com uma estaca cravada no coração ou tendo a cabeça cortada.142

Mesmo desconsiderando a falta de atualização no discurso psicanalítico, pode-se observar a preferência de Nazário, da mesma forma que Jeha, por textos canônicos, como se um texto fundador de uma tradição implicasse em sua continuidade imutável, e não em diálogos infindáveis, a ponto do ur-text não poder mais ser reconhecido; também, essa predileção pelo cânone do horror geralmente recalca a inabilidade de lidar com objetos contemporâneos, de forma que o Drácula só é pensado como um objeto vitoriano e, no cinema, das décadas de 1930 e 1950, sendo o filme de Francis Ford Coppola (1992) relegado a discussões de como os velhos arquétipos são revitalizados, ao invés de relacioná-lo individualmente a seu momento. Além disso, ainda que se conseguisse direcionar a metáfora básica do falo intacta somente para vampiros, a essencialização necessária para agrupar objetos tão díspares como o Drácula, do romance de Bram Stoker, todas as suas adaptações para o cinema, quadrinhos, etc., o vampiro negro Bláckula, do filme homônimo (1972), o vampiro híbrido Blade (1998) e o vampiro juvenil Edward Cullen, da franquia Crepúsculo (2008; 2009; 2010; 2011; 2012), terminaria por deformar a todos143.

Por fim, o terceiro e último problema é bastante comum nos Estudos Culturais, especialmente na área de estudos de cinema, e, como tal, mais presente no livro de Nazário (1998): há uma tendência dos pesquisadores que trabalham com cinema em dar ênfase à formação de repertório, em detrimento da análise de objetos singularizados, deslocando o foco das interpretações de um aprofundamento da forma para uma rizomatização de

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Deve-se fazer uma menção à confusão de vampiros contida nesse parágrafo, também um perigo da celebração indiscriminada da multiplicidade. À descrição do Drácula de Bram Stoker, somam-se diversas características advindas das adaptações para o cinema, como a capa, reconhecida como tal, mas também o levantar rijo do caixão, do filme Nosferatu (1922), e a fraqueza diante da bala benta e da água corrente, presentes nas produções da Hammer dos anos de 1950 e 1960 (no romance, como Drácula poderia viajar de navio até a Inglaterra? Mesmo que o oceano não contasse como água corrente, o barco ainda precisaria adentrar Londres pelo Rio Tamisa).

143 Isso considerando somente um tipo de monstro, sem tentar fazer a metáfora abraçar Zumbis, animais

inúmeros objetos e seus conteúdos144. Isso faz parte das diretrizes dos Estudos Culturais de celebrar a variedade da diferença, e pode ser constatado em qualquer capítulo de Da

natureza dos monstros: por exemplo, ao enumerar a quantidade de obras

citadas/interpretadas no capítulo “A integração do vampiro”, pode-se contabilizar 47 artefatos, dentre cinema, literatura e até música popular, em apenas 12 páginas, numa média de quase 4 objetos por página. Essa abundância de objetos toma um tom quase irônico perante a falta de opções de interpretação de todos os itens, reduzidos a poucos em relações de univocidade, em que a capa é necessariamente o prepúcio e o caixão o testículo (sic) para todos os casos, terminando, inadvertidamente, por corroborar a homogeneidade da indústria cultural propagada por Adorno e Horkheimer (1985).

Para o cinema slasher, tanto o destaque da figura monstruosa quanto as abordagens principais e os equívocos permanecem mais ou menos inalterados. Após o sucesso do primeiro filme e a realização das continuações, a esteira da produção de massa das franquias mais populares do gênero tiveram um efeito interessante nas estratégias comerciais dos estúdios: à medida que as vítimas rasas e sem atrativos passaram a ser intercambiadas praticamente sem perda para a narrativa, o monstro passa a figurar como a mola propulsora da série, figurando em todo o material promocional e outros produtos associados a ela. Com efeito, a máscara de Michael Myers, a máscara de hóquei usada por Jason Vorhees e o nome145 e o rosto desfigurado de Freddy Krueger tornaram-se marcas distintivas de cada série, substituindo o rosto do herói e dividindo as escolhas das crianças nas festas de halloween146.

Há uma relação direta entre o uso das máscaras e o sucesso dos personagens/franquias. Nenhum dos assassinos da primeira leva de slashers que mostrou um rosto humano conseguiu emplacar continuações, mesmo, em alguns casos, sendo

144 Uma consequência comum desse tipo de abordagem pode ser encontrada no livro Nightmares in red White and blue, de Joseph Maddrey (2004), em que o subtítulo, uma evolução do cinema de horror americano,

implica quase que totalmente em um encadeamento de momentos históricos e os diversos filmes que foram produzidos em cada um, sem fornecer tentativas de conexão entre eles, especialmente a partir da década de 1960.

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No primeiro filme da série, ele é conhecido somente como Fred Krueger; o –dy de Freddy, diminutivo carinhoso, só foi acrescentado após seu sucesso, especialmente com as crianças, o que resultou também em uma personagem mais ativa e brincalhona nas sequências.

146 O mesmo acontece com os filmes de super-heróis, em que o rosto do ator fica secundário, em termos de

bancados por grandes estúdios e profissionais relativamente conhecidos, como A morte

convida para dançar (1980) e Feliz aniversário para mim (1981); por outro, a máscara de

Michael Myers influenciou toda a indústria, que começou a verificar uma relação entre a máscara e a taxa de sucesso com o público. O exemplo mais claro dessa verificação aconteceu na série Sexta-feira 13: a Sra. Vorhees, praticamente sem rosto no filme original foi substituída pelo filho no episódio seguinte, que aparece com a cabeça coberta por um saco; a máscara de hóquei, marca característica da série, só foi introduzida no terceiro capítulo, passando automaticamente a figurar como signo maior da franquia. A máscara que despessoaliza o assassino, permitindo do ponto de vista da indústria147 que o ator mude e a franquia não seja prejudicada economicamente, estandartiza os sujeitos do horror, vestindo- os com um véu de anonimidade148 que tem conseqüências psicológicas importantes na plateia: por um lado, o não reconhecimento do inimigo, material e único, em consonância com a continuação da tela na vida real (v. ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p. 118), ocasiona na crença da existência de um ser nessas características, e não em práticas impessoais que não têm um rosto real (nem tão claramente metafórico); por outro, o rosto por trás da máscara pode ser preenchido individualmente, causando na ausência um efeito de horror maior que a presença149.

Verifica-se a importância comercial do rosto monstruoso ao justapor o material de apresentação de A hora do pesadelo, em dois momentos diferentes, o cartaz do filme quando exibido nos cinemas150 (fig. 4.20) e a capa do DVD (fig. 4.21):

147 Em geral, toda vez que o ator, responsável pela imagem do filme, muda, isso é reconhecido como um sinal

de perda de qualidade e, consequentemente, há perdas econômicas; no entanto, considerando as relações entre ator e cinema slasher, o mais natural é que alguém que faz um papel de destaque em um filme de horror queira largá-lo antes que o estigma o atinja, ou ficará limitado a papéis do gênero.

148 Sobre os perigos de uma mercantilização generalizada, desembocando em estandartização e anonimidade,

ver Durão (2008a, p. 29).

149

Esse recurso de sugerir e não mostrar é bastante utilizado desde a década de 1940, quando o produtor Val Lewton, em parte por falta de recursos, mas também por perceber que as pessoas apresentavam mais medo diante de uma tela escura, ao invés de um monstro explícito, passou a utilizar os mecanismos do cinema noir (chiaroscuro, luz lateral, enredos com faltas) em filmes como Sangue de pantera (1941).

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Figuras 4.20 e 4.21: Pôster de cinema e capa do DVD A hora do pesadelo

O pôster para exposição nos cinemas e a capa do DVD têm contextos bem diferentes e isso perpassa o conceito de sua produção. Para o primeiro, a plateia não conhecia ainda o filme, nem, por consequência, o assassino Freddy Krueger; assim, o marketing responsável pela apresentação do pôster escolheu por criar suspense em relação ao rosto de Krueger, mostrando apenas suas garras, ao passo que destaca a heroína e introduz o contexto do