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Gianni Vattimo, filósofo italiano, na obra o fim da modernidade, traz à tona a discussão sobre a pós-modernidade. Baseado no pensamento de Nietzsche, na ideia do eterno retorno, do niilismo16, e em Heidegger, com o ultrapassamento da metafísica, e a dissolução do ser17, no qual “a técnica e a produção de mercadorias configuram cada vez mais o meu mundo como um mundo artificial, em que também as necessidades <<naturais>> essenciais, já não se distinguem das demais que são induzidas e manipuladas pela publicidade [...]” (VATTIMO, 1998, p. 21). Traz reflexões sobre as novas condições da existência no mundo industrial tardio, sob a égide da vida “sem história18”, pós-moderno e pós-histórico, no qual se dá o ocaso do Ocidente e do sujeito. Vattimo recebe influencia também de Gadamer, na perspectiva da hermenêutica, ou seja, na interpretação dos fatos.

Com o fim (ou a crise) da modernidade, deu-se a dissolução das principais teorias que julgavam ter rechaçado a religião, tais como o positivismo, o historicismo e o marxismo. Como exemplo, podemos verificar o caso do racionalismo ateísta, que, por sua vez, assumira duas formas na modernidade: “a crença na verdade exclusiva da ciência experimental da natureza e a fé no desenvolvimento da história como pressuposto da plena emancipação do homem em relação a qualquer autoridade transcendente” (VATTIMO, 1998, p. 17-18). Em ambos os casos a religião consistia num erro a ser superado. O fato é que tais concepções ou visões de mundo já foram superadas. Não se acredita mais na possibilidade da existência de uma verdade absoluta, ou verdade objetiva, das ciências experimentais, como também de um progresso da

16 Para Nietzsche, niilismo é a desvalorização dos valores supremos, tradicionais. A dissolução dos

critérios absolutos. “É a sua única chance” (VATTIMO, 1996, p.23), bem como a “explícita tomada de consciência de que o ser e a realidade são posições, produto, do sujeito” (1998, p. 20). Para Heidegger, está ligado ao pensamento metafísico. O esquecimento do ser. É “a redução do ser ao valor de troca” (VATTIMO, 1996, p. 05). E sobretudo, “tomar consciência do fim da metafísica” (VATTIMO, 1998, p. 18).

17 O fato do ser está se tornando manobra da engrenagem geral da produção e do consumo. O ser

identificado com o dado objetivado, ou seja, produto.

18 “Parece amplamente difundida na cultura do século XX, em que, sob muitas formas, retorna

continuamente a espera de um ‘ocaso do Ocidente’, que nos últimos tempos parece particularmente ameaçadora sob a forma da catástrofe atômica” (VATTIMO, 1996, p. IX).

razão para um esclarecimento. A discussão em torno do desencantamento do mundo19, como afirma Vattimo (1998, p. 18) conduziu-nos ao desencantamento da própria noção de desencanto, como também a noção de demitificação, reconhecendo como mito a própria ideia da liquidação do mito20. Sendo assim, o niilismo é característico desta nova condição pós-moderna, uma vez não cabe mais a certeza como possibilidade de conhecimento da realidade, uma vez que não se acredita mais numa verdade única.

Desta forma, Vattimo (1998) consolida sua forma de interpretar a realidade a partir da influência destes dois pensadores, a saber, Nietzsche e Heidegger, “sobre o niilismo como ponto de chegada da modernidade, e sobre a consequente tarefa, para o pensamento, de tomar consciência do fim da metafísica” (VATTIMO, 1998, p. 18). Por niilismo, como já assinalamos, consiste por um lado, na desvalorização de valores tradicionais, supremos e absolutos, como por outro, na tomada de consciência de que o mundo é ditado por interesses, por discursos científicos, objetivados, que limitam o ser humano a se conformar em suas leis, separando o sujeito do objeto, e fazendo do sujeito, objeto do objeto, ou melhor, produto de um mundo que deixa de ser verdadeiro para ser uma fábula, como alude Nietzsche.

O pensamento toma consciência de que aquilo que é verdadeiramente real, como dizem os positivistas, é o facto <<positivo>>, isto é, o dado verificado pela ciência; mas a verificação é justamente uma atividade do sujeito humano (ainda que não o seja o individual), e a realidade do mundo de que falamos identifica-se com aquilo que é <<produzido>> pela ciência nas suas experiências e pela tecnologia com seus instrumentos. Já não existe um mundo verdadeiro, ou melhor, a verdade reduz-se àquilo que é <<determinado>> pelo homem, ou seja, à <<vontade de poder>> (VATTIMO, 1998, p. 19).

Por metafísica, para Aristóteles, entende-se aquilo que se encontra para além do mundo físico ou da natureza. É a busca por fundamentos, condições, causas ou princípios, sentido e finalidade da realidade. Aristóteles buscou investigar o ser enquanto ser, ocupando-se das questões últimas da existência. Qual o sentido da existência. Acreditava na ideia do motor imóvel, ou seja, existia uma força suprassensível, para além do material, que movia as coisas. Para Platão, em sua

19 Termo cunhado por Max Weber, identificando o mundo moderno como secularizado, sem o encanto da

religião, perdido devido o alto grau de racionalização.

20 Importante lembrar que, embora a consciência crítica humana seja formada pelas consciências mítica,

religiosa, intuitiva e racional, como nos lembra a filosofia, na busca por compreender a realidade, a dimensão do mito, do imaginário, do simbólico, foi excluído pela racionalidade moderna.

filosofia, existe um mundo das ideias, onde residem as perfeições, a verdade, no qual a realidade terrena é apenas uma cópia, acreditando numa existência além desta21. Para Heidegger, como em toda metafísica, busca um ponto de apoio absoluto, para que todo o conhecimento possa decorrer deste. Na obra Ser e o tempo analisa o mundo moderno tendo como imperativo a ciência e a técnica. A metafísica da modernidade é a metafísica da subjetividade, que instaura a relação entre sujeito e objeto. O sujeito que manipula e o objeto que é manipulado. Mas o próprio sujeito torna-se objeto e também é manipulado22. Entende-se o processo de redução do ser à valor de troca, ou seja, a reificação do ser, o tornar-se uma coisa, ou mercadoria, dentro do processo de alienação, no sistema do capital23. “O ser se aniquila na medida em que se transforma completamente no valor” (VATIMO, 1996, p. 04). A identificação do ser com o dado objetivo, ou seja, “a metafísica da objetividade [...] que identifica a verdade do ser com a calculabilidade, mensurabilidade, e em definitivo, manipulabilidade do objeto da ciência-técnica” (VATTIMO, 1996, p. 20), está nas bases da engrenagem geral da produção e do consumo do sistema capitalista. Na verdade, neste caso, para Heidegger, deve ser superado tal realidade, conscientizando-nos do fim da metafísica, ou seja, do fim dos discursos gerais e absolutos, das verdades eternas, das estruturas dadas. Deve ser abandonado o ser como fundamento24. Heidegger adota uma nova postura diante dos postulados da tradição e dos antigos ensinamentos da metafísica.

Heidegger, recusa a concepção metafísica – objetiva, estável, estrutural, do ser – em benefício apenas da experiência da liberdade, o que significa que, se existimos como projetos, esperanças, propósitos, medos, enfim, como seres acabados que têm um passado e um futuro e não são simplesmente aparências, então, o ser não pode ser pensado nos termos da metafísica objetivística. (VATTIMO, 2004, p. 10).

21 Importante lembrar que Platão e Aristóteles são as bases da teologia patrística e medieval. Platão

influencia Santo Agostinho e Aristóteles influencia Santo Tomás de Aquilo, pensadores de peso da formatação do pensamento cristão.

22 Com a tecnologia, e o desenvolvimento do utilitarismo, deu-se o banimento da reflexão. Através da

razão instrumental, como faz a crítica a Escola de Frankfurt, o ser humano se afasta da possibilidade de pensar, tornando-se massa manobrável, acrítica. E com isso, afasta-se do seu ser.

23 Neste ponto Heidegger usa de elementos da reflexão de Karl Marx.

24 Heidegger, como Nietzsche, acredita que não se pode mais crer num fundamento último da realidade,

em forma de uma estrutura objetiva do ser. O resultado desta crença, na modernidade, foi, por exemplo, os regimes totalitários, quando achava-se que possuíam uma verdade absoluta.

A partir destas concepções Vattimo desenvolve seu pensamento propondo o debilitamento do ser, influenciado por Heidegger, categoria afirmativa da ontologia25. Uma ontologia hermenêutica, que leva em consideração a interpretação dos fatos, das experiências do ser em seu evento.

O esquecimento do ser seria, [...]algo diverso, não mais o elemento superficial de uma mera desconsideração do ser (como o vazio), mas o não questionamento da verdade do ser como fundamento [...]. A primeira história do ser, desde a φύσις até o “eterno retorno”, é um início declinante (HEIDEGGER, 2010, 183. 185).

φύσις (physis), em grego, significa natureza, gênese, realidade não pronta, mas em movimento, em transformação. Para ser considerado pós-moderno, o ser e o homem devem ser compreendidos como uma realidade instável, em movimento, sem fundamentos, não ligados a estruturas fortes.

Enquanto o homem e o ser forem pensados, metafisicamente, platonicamente, em termos de estruturas estáveis que impõem ao pensamento e à existência a tarefa de “fundar-se”, de estabelecer-se (com a lógica, com a ética) no domínio do não-deveniente, refletindo-se em toda uma mitificação das estruturas fortes em qualquer campo da experiência, não será possível ao pensamento viver positivamente aquela verdadeira idade pós-metafísica que é da pós-modernidade (VATTIMO, 1996, p. XVIII).

Ora, não se trata de uma negação do humano, como ele mesmo afirma, mas abrir-se como campo de possibilidades26. A verdade se daria não mais presa a discursos metafísicos, em meio a estruturas fortes, mas em meio a experiências de caráter débil, frágil, comparada às estruturas fortes da modernidade.

Nietzsche e Heidegger influenciaram Vattimo pensar o ser como evento. Para Vattimo: “A ontologia nada mais é que a interpretação da nossa condição ou situação, já que o ser não é nada fora do seu ‘evento’, que acontece no seu e nosso historicizar-se” (1996, p. 08). O ser humano faz a sua experiência no caminhar, no devir, no escolher livremente. Vattimo chega ao centro do seu pensamento: o pensiero debole, ou seja, o pensamento fraco, a ontologia fraca, o enfraquecimento do ser como única saída para superar a metafísica e como única possibilidade de emancipação.

25 Estudo do sentido do ser.

26 A aberta concepção não metafísica da verdade. “Em termos gerais, a experiência pós-moderna é uma

experiência estética e retórica, o que não reduz a experiência da verdade a emoções e sentimentos subjetivos” (1999, p. 19).

É nesse mundo que a ontologia se torna efetivamente hermenêutica, e as noções metafísicas de sujeito e objeto, ou melhor, de realidade e de verdade- fundamento, perdem o peso. Nessa situação, deve-se falar, na minha opinião, de uma “ontologia fraca” como única possibilidade de sair da metafísica – pelo caminho de uma aceitação-convalescença-distorção que não tem mais nada de ultrapassamento crítico característico da modernidade. Pode ser que resida, para o pensamento pós-moderno, a chance de um novo, francamente novo começo (VATTIMO, 1996, p. 190).

Tudo o que foi dito até aqui se refere ao posicionamento de Nietzsche, no qual Vattimo absorveu, (e que em Heidegger encontra-se um significado análogo) a respeito da morte de Deus. “Em Nietzsche, como se sabe, Deus morre precisamente na medida em que o saber não precisa mais chegar às causas últimas, o homem não precisa mais crer-se uma alma imortal, etc.” (1996, p. 29). Importante frisar que a afirmação de Nietzsche sobre a morte de Deus não se refere, diretamente ou principalmente à questão do ateísmo, como Vattimo sinaliza. Dizer que Deus morreu não significa dizer que Deus não existe, até porque estaria voltando-se à metafísica, a uma verdade absoluta, o que na pós-modernidade não há espaço. Sendo assim, “a negação de Deus, ou o registro da sua morte, não pode dar lugar hoje a nenhuma ‘reapropriação’ pelo homem de uma sua essência alienada no fetiche do divino” (VATTIMO, 1996, p. 37). Senão, no ser que vive sua experiência no devir, em seu evento. A morte de Deus representa a morte do Deus metafísico. Em Heidegger dá-se a crise do humanismo (o fato de ver o homem como medida das coisas), que é constatada como causa da morte de Deus. O pensamento de Heidegger se aproxima de uma onto-teologia, que caracteriza, por sua vez, a metafísica ocidental. O homem, ao se colocar na posição de senhor de todas as coisas, acaba por cavar sua própria cova. Heidegger identifica o humanismo como metafísica, “como teoria geral do ser do ente, que pensa esse ser em termos ‘objetivos’[...]. Não há humanismo a não ser como desenvolvimento de uma metafísica em que o homem determina um papel para si, que não é necessariamente central ou exclusivo” (VATTIMO, 1996, p. 18. 19).

É bem verdade que a crise do humanismo tem ligação com o surgimento da técnica e, portanto, com o fim da subjetividade:

A crise do humanismo está ligada a perca da subjetividade humana nos mecanismos da objetividade científica, e mais tarde, tecnológica: da crise geral de civilização que se desenvolveu assim só se sai através de uma recuperação da função central do sujeito (VATTIMO, 1996, p. 21-22).

Esta noção de crise do humanismo, enquanto aspecto da crise da metafísica, deve passar por um ultrapassamento, ou seja, um novo sentido do ser, seu Ereignis27. Portanto, deve acontecer uma recuperação da noção de sujeito, uma vez que ele é ultrapassado da condição anterior. “Humanismo é a doutrina que atribui ao homem o papel de sujeito, isto é, de autoconsciência como sede de evidência” (VATTIMO, 1996, p. 52). A técnica pode ser considerada a raiz da desumanização (mesmo reconhecendo todo o seu valor), quando a sua produção é pautada puramente por interesses capitalistas, e o sujeito é comparado a objetos, ou o sujeito do objeto, tornando-se objeto de manipulação.

Sintetizando o que já foi exposto, Vattimo atesta que a época que vivemos pode ser considerada pós-moderna, ao afirmar que ela:

É aquela em que não mais podemos pensar a realidade como estrutura fortemente ancorada em um único fundamento, que a filosofia teria a tarefa de conhecer e a religião, talvez, a de adorar. O mundo efetivamente pluralista em que vivemos não mais se deixa interpretar por um pensamento que deseja unifica-lo a qualquer custo, em nome de uma verdade definitiva, pois este, entre outras coisas, esbarraria nos ideais democráticos [...] (2004, p. 11).

Todo o pensamento vattimiano apresentado até aqui, refletindo o enfraquecimento das estruturas fortes, sejam elas no âmbito político, cultural, social, filosófico, científico-técnico, pode muito bem ser aplicado ao fenômeno religioso na pós-modernidade. A religião, especificamente o Cristianismo, é assunto chave na perspectiva deste filósofo italiano. Baseado no seu pensamento fraco, referente à religião, Vattimo apresenta sua proposta, que provavelmente não exista em nenhum lugar, embora seja a forma como ele pensa:

O mesmo Cristianismo se apresenta como ainda possível só na forma do “debolismo”. [...] A ideia de emancipação como enfraquecimento (da peremptoriedade) do ser metafísico (eterno, necessário, dado como fundamento cognoscitivo e como norma ética universal) é essencialmente um ideal histórico e, portanto, também político. A pergunta sobre “o que fazer” não pode ter respostas fundadas sobre alguma essência eterna, só pode dar lugar a uma releitura do “onde estamos” para entender – de maneira arriscada e com toda a incerteza da interpretação – o sentido para onde ir. O niilismo e o enfraquecimento são, além do (único?) modo de ser cristãos hoje, também o mais razoável programa político que pode ser proposto. Não se trata da ideia de construir (por fim) uma sociedade “justa”, ou seja, conforme o verdadeiro modelo que já era o sonho de Platão; senão, se quiser, uma sociedade “aberta”, que pode ser tal só se, primeiramente, liquidar os tantos tabus metafísicos (os Valores, os Princípios, as Verdades) que serviram aos

privilegiados para manter e reforçar os seus privilégios, e se abrir para o diálogo entre pessoas e grupos. A política que o “debolismo e a hermenêutica querem inspirar é radicalmente realista, até os extremos do maquiavelismo. Não existem essências imutáveis, só há interpretações [...]28.

Neste mundo dito pós-moderno, religião só é possível sem o amparo da metafísica, destituída do eixo extraterreno, secularizada, fenômeno intrínseco ao Ocidente devido ao alto grau de racionalização e desenvolvimento técnico-científico. Sendo assim, com a transformação de valores, como resultado da secularização, só é concebível a religião não-religiosa, uma ressignificação da religiosidade tradicional.

Gianni Vattimo contrapõe o pensamento fraco às diversas formas de pensar a realidade, o mundo, sobretudo aquelas legadas à revelação cristã. Este filósofo italiano, durante sua juventude, fez sua experiência religiosa no catolicismo. Foi militante da Ação Católica, grupo de leigos que a partir da fé cristã, atuavam na sociedade na perspectiva de mudar a realidade social e política locais. A Igreja Católica atuava com estes grupos em vários países, buscando lutar a favor das minorias, sejam elas operários, camponeses, juventude. No entanto, este mesmo filósofo, descontente com outros aspectos de sua Igreja, decide deixá-la. É sobre este afastar-se, mas não completamente, que vamos buscar compreender os argumentos de Vattimo, sobre a questão da religião, na pós-modernidade.

Vattimo reflete sobre a religião partindo da herança cristã recebida e, em seguida, relaciona-a ao niilismo nietzschiano-heideggeriano. A herança cristã, desde o seu início, defendeu a afirmação de Deus, de sua existência, e de seu poder criador. Basta lembrarmos dos concílios realizados nos primeiros séculos da era cristã para definir dogmas (verdades de fé), como também lembrarmos das perseguições aos chamados “heréticos”, pessoas que não aceitavam tais verdades de fé. Na Idade Média, as inquisições são uma das marcas deste tempo na Igreja, profundamente ligada à metafísica tradicional. Para isso a herança cristã fez e faz uso de categorias metafísicas, tais como chamar a Deus de onipotente, onisciente, onipresente, absoluto, eterno. Aquele que tem todo o poder, que sabe de todas as coisas, que está em todos os lugares, e que seria a verdade absoluta. A herança cristã utilizou-se do mecanismo vitimário, o papel de um Deus muitas vezes terrível, bravo, castigador, como narrado no Antigo

28 VATTIMO, Gianni. O pensamento dos fracos. Disponível em:

Testamento. Mais ainda, um Deus violento, sedento por vingança, como analisa René Girard. “O Deus violento de Girard é, em suma, nesta perspectiva, o Deus da metafísica” (VATTIMO,1998, p. 29).

A tradição o cercou de atributos que o fazia afastar-se do povo, como um ser nas alturas, distante do homem, cá na terra. Sagrado e, portanto, separado, afastado do profano, da realidade humana. No qual, “o homem tende a manter-se distante do sagrado, como sempre acontece diante do que se teme, e ao mesmo tempo é por ele atraído, como se pode ser com relação à origem de que um dia nos emancipamos” (GALIMBERTI, 2003, p. 11). Diferentemente, o espirito pós-moderno prega o fim dos atributos metafísicos,das verdades eternas e absolutas, o fim das certezas. Busca-se uma sociedade aberta, tolerante, dialogal, que leva em consideração a pluralidade de opiniões, de culturas, de modos de expressão de fé variados, desenraizados.

Heidegger, por sua vez, influencia Vattimo quanto ao seu ponto de vista da dissolução do sagrado, do sagrado violento, como falava o paleontólogo francês Rene Girard. Vattimo retoma a ideia de René Girard, ao atribuir ao Deus metafísico uma religiosidade da violência. No passado, falar de Deus era falar de um deus sanguinário, tribal, tremendo, violento, que preferia sacrifícios, vítimas. Como que um deus sádico, que se comprazia no sofrimento das vítimas, para alcançarem o perdão e purificarem-se de seus pecados29. Girard afirma que a violência é contagiosa, possuindo natureza mimética nas relações humanas. Diante de uma dada situação, uma comunidade inteira se agrega contra uma única vítima. Busca-se um bode expiatório. Tal caso aconteceu com Cristo e é utilizado pelo Cristianismo. “A linguagem dos Evangelhos confirma a interpretação da morte de Cristo como bode expiatório: um dos seus epítetos, cordeiro de Deus” (GIRARD; VATTIMO, 2010, p. 105). Tal sacrifício abolia todas as outras formas de sacrifícios, antes praticados com animais, por exemplo. Essa contextualização de violência, investe-se de atributos sagrados, tornando-se objeto de culto, fundamentado numa vítima sacrificial.

Girard sustenta, na minha opinião com boas razões, que esta leitura vitimaria das Escrituras é errada. Jesus não se encarna para fornecer ao Pai uma vítima adequada à sua ira, mas vem ao mundo para revelar e, portanto, também liquidar, o nexo entre a violência e o sagrado. É morto porque tal revelação é

29 Neste contexto do Antigo Testamento, o povo de Deus era cercado por muitas leis duras de serem

cumpridas. Não conseguindo cumpri-las, uma vez por ano ofereciam animais em sacrifício em expiação de seus pecados. O sangue do animal era aspergido sobre o altar.

demasiado intolerável para uma humanidade radicada na tradição violenta

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