• Nenhum resultado encontrado

Religião e pós-modernidade: o caso dos casais recasados na Igreja Católica à luz da concepção de pós-modernidade em Gianni Vattimo

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Religião e pós-modernidade: o caso dos casais recasados na Igreja Católica à luz da concepção de pós-modernidade em Gianni Vattimo"

Copied!
103
0
0

Texto

(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS. ROGÉRIO FELINTO DA SILVA. RELIGIÃO E PÓS-MODERNIDADE: O CASO DOS CASAIS RECASADOS NA IGREJA CATÓLICA À LUZ DA CONCEPÇÃO DE PÓS-MODERNIDADE EM GIANNI VATTIMO. NATAL-RN 2016.

(2) ROGÉRIO FELINTO DA SILVA. RELIGIÃO E PÓS-MODERNIDADE: O CASO DOS CASAIS RECASADOS NA IGREJA CATÓLICA À LUZ DA CONCEPÇÃO DE PÓS-MODERNIDADE EM GIANNI VATTIMO. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção de título de mestre em Ciências Sociais. Orientador: Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior Linha de pesquisa: Dinâmicas e Práticas Sociais. NATAL 2016.

(3) Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA. Silva, Rogério Felinto da. Religião e pós-modernidade: o caso dos casais recasados na Igreja Católica à luz da concepção de pós-modernidade em Gianni Vattimo / Rogério Felinto da Silva. - 2017. 101f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Pós Graduação em Ciências Sociais. Orientador: Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior. 1. Religião e cultura. 2. Sociedade. 3. Casamento. 4. Pósmodernidade. I. Lopes Júnior, Orivaldo Pimentel. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA. CDU 2-67.

(4) ROGÉRIO FELINTO DA SILVA. RELIGIÃO E PÓS-MODERNIDADE: O CASO DOS CASAIS RECASADOS NA IGREJA CATÓLICA À LUZ DA CONCEPÇÃO DE PÓS-MODERNIDADE EM GIANNI VATTIMO. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção de título de mestre em Ciências Sociais.. Aprovada em: __/__/__. BANCA EXAMINADORA. ______________________________________________________ Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior Universidade Federal do Rio Grande do Norte Orientador _______________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Carvalho de Assunção Universidade Federal do Rio Grande do Norte Examinador Interno ________________________________________________________ Profª Drª. Josineide Silveira de Oliveira Universidade Estadual do Rio Grande do Norte Examinadora Externa. NATAL 2016.

(5) SIGLAS DOS DOCUMENTOS DA IGREJA. CIC: Codex Iuris Canonici (Código de Direito Canônico) – (25 de Janeiro de 1983) CaIC: Catecismo da Igreja Católica (11 de Outubro de 1992) CC: Casti Connubii, Carta Encíclica (31 de dezembro de 1930) GS: Gaudium et Spes, Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo (07 de Dezembro de 1965) HV: Humane Vitae, Carta encíclica sobre a regulação da natalidade (25 de julho de 1968) PH: Persona Humana, Declaração (29 de Dezembro de 1975) DVit: Donum Vitae, Instrução sobre o respeito à vida nascente e a dignidade da procriação – resposta a algumas questões atuais, Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé (22 de fevereiro de 1987) LG: Lumen Gentium, Constituição Dogmática sobre a Igreja (21 de novembro de 1964) DV: Dei Verbum, Constituição dogmática sobre a revelação divina (18 de novembro de 1965) AL: Amoris Laetitia, Exortação Apostólica pós-sinodal sobre o amor na família (19 de março de 2016).

(6) RESUMO. Em um mundo marcado pelas incertezas geradas pelas descrenças nos grandes discursos, pela pluralidade de opiniões, de experiências pessoais peculiares e determinantes, inclusive religiosas, de conquistas políticas, econômicas e sociais, que exigem mais respeito e tolerância às novas formas de existência atuais, questiona-se a postura da Igreja Católica. Até que ponto pode-se considerar alguma influência da pósmodernidade dentro desta instituição? Na perspectiva de Gianni Vattimo é possível vislumbrar uma nova condição, chamada pós-moderna, marcada por uma religiosidade desprovida da metafísica, secularizada, mais aberta e plural, precisando ser pautada pela caridade e não por dogmas. O drama dos casais recasados, chamados de “irregulares”, foi tomado como possível indicador de mudanças na Igreja Católica diante dos ventos da pós-modernidade. Analisando as histórias de vida, os discursos e as práticas destes, comparando com os dados de uma pesquisa realizada pelo CERIS, órgão de pesquisas sociais que atua na Igreja Católica no Brasil, acerca de temas relacionados a moral cristã, faz-se uma leitura dos tempos hodiernos a partir da disputa entre a posição oficial da Igreja e a visão e interpretação dos praticantes da religião. A dissertação apresenta casos de sujeitos que lutam por exercitar sua religiosidade na Igreja Católica Romana, e a esperança que o novo Sínodo proposto pelo Papa Francisco representa para eles: será que estamos assistindo à abertura da Igreja para uma religiosidade pós-moderna? Tratase de uma pesquisa qualitativa, tendo como metodologia a observação direta e as entrevistas semiestruturadas, mais análises de documentos oficiais.. Palavras chave: Pós-modernidade; Religião; Casamento; Moral sexual; Secularização.

(7) ABSTRACT. In a world characterized by incertitude produced by unbelief in the great discourses, by the plurality of opinions, peculiar and determinant experiences, including religious ones, of political, economic and social achievements, that claim for respect and tolerance to the new forms of existence, the posture of the Roman Catholic Church is put in check. Whither is it possible to consider the influence of postmodernity inside this institution? In the perspective of Gianni Vattimo, it’s possible to glimpse postmodern condition, characterized by a religiosity without metaphysics, secularized, more open to plurality, that needs to base on charity e not on dogmas. Trough the drama of remarried couples, called of “irregular”, it is possible to see indicators of changes in the Catholic Church facing the winds of postmodernity. Analyzing the life history, discourses and practices of these couples, comparing with the data of a survey did by CERIS, research organization of the Catholic Church in Brazil, about the theme on Christian morals, it was possible to understand the present fight between the official position of the Church and the vision and interpretation of their members. The dissertation presents cases of subjects that are in struggle to practice their religiosity in the Roman Catholic Church, and the hope that the new Synod proposed by the Pope Francisco, brings to them: would be an openness of the Church to a postmodern religiosity. That is a qualitative research, with the main methodology of direct observation and semi structured interviews, plus analyses of official documents.. Key words: Postmodernity ; Religion; Marriage; sexual morality ; Secularization.

(8) DEDICATÓRIA. Dedico este trabalho a minha mãe Elcina Medeiros da Silva e a minha família..

(9) AGRADECIMENTOS. Agradeço a Deus pela oportunidade. Ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFRN. Ao professor Orivaldo Pimentel Lopes Junior, meu orientador, pela compreensão e que pacientemente me ajudou na descoberta do mundo da pesquisa. A Isabelle Cristina do Nascimento pela paciência. Ao nobre professor Jorge Lima. Aos professores Luiz Carvalho de Assunção e a professora Josineide Silveira de Oliveira, que gentilmente se dispuseram para participar da banca de defesa. Agradeço também aos meus coordenadores das escolas públicas e privada, pela compreensão quando em algumas ausências. Aos meus amigos, pela atenção..

(10) EPÍGRAFE. Não existem essências imutáveis, só há interpretações. (VATTIMO, 2007).

(11) SUMÁRIO. 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 12 2 SOBRE O CATOLICISMO E O MATRIMÔNIO ....................................................................... 19 2.1 REGRAS PARA A CONJUALIDADE CATÓLICA ................................................................. 19 2.2 GIANNI VATTIMO E A PERSPECTIVA PÓS-MODERNA ................................................... 32 2.3 FAMILIA TRADICIONAL VERSUS NOVAS FORMAS DE ARRANJOS FAMILIARES ... 47 3 A FAMÍLIA CATÓLICA CONVIVE COM AS REGRAS ......................................................... 54 3.1 VISTA GROSSA OU LUTA POR ACEITAÇÃO PLENA?...................................................... 54 3.2 O SÍNODO DA FAMÍLIA ........................................................................................................... 73 4 MISERICÓRDIA EM MEIO A SOMBRAS SUPERFICIAIS .................................................... 82 4.1 RELIGIOSIDADE DE APARÊNCIAS? .................................................................................... 82 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................... 93 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 96 ANEXO .............................................................................................................................................. 101.

(12) 12. 1 INTRODUÇÃO. Este trabalho parte de uma indagação que surgiu logo após a conclusão da minha graduação em Ciências Sociais: Existe alguma relação entre religião e pós-modernidade de modo que possamos verificar concretamente? A religião recebe alguma influência desta condição descrita por alguns autores, chamada pós-modernidade? Como poderíamos observar isso na prática? A monografia de conclusão do curso tinha como tema “Reflexões sobre a religião na modernidade e na pós-modernidade”. Esta se tratava de uma pesquisa bibliográfica, de cunho apenas teórico. Foi trabalhado vários autores, buscando elucidar o que foi a modernidade, suas características, como também as características da pósmodernidade, buscando relacionar estas temáticas com a religião. Em poucas palavras poderia ser dito que a modernidade surge como um projeto de se libertar da tutela religiosa, uma vez que desde tempos remotos a religião sempre esteve presente influenciando a forma das pessoas interpretarem a sua realidade. Com o antropocentrismo, o homem e a sua racionalidade ocupam o lugar antes reservado para Deus, graças a autonomia que este desenvolve, fruto da educação, do desenvolvimento das potencialidades humanas. A modernidade apresenta vários pensadores, como Descartes, por exemplo, que contribuem para a reflexão e avanço deste novo momento na história, que por meio da dúvida, avança na busca pelo conhecimento. O homem, agora autônomo, busca se superar. Expande seu comércio com as grandes navegações, conquistando novas terras. Coloniza-as e expropria-se das riquezas das terras alheias. Após muitos séculos da imposição de uma única fé, a Europa passa pela experiência da Reforma Protestante, abrindo novas possibilidades de superação de uma fé padronizada, culminando com o surgimento da imprensa, a tradução do texto bíblico para várias línguas e a divulgação para vários países. No plano econômico, o surgimento do Capitalismo, sendo antecedida por discussões acerca do liberalismo econômico, tendo como um dos propositores Adam Smith (1983), defendendo a mão invisível do mercado como um meio de, diante da livre concorrência, todos saírem ganhando, embora guiados pelo interesse individual. No plano político, mudanças de regimes, como do absolutismo para a democracia,.

(13) 13. representando um avanço nas discussões sobre a vida social e as relações de poder. Basta lembrar das várias revoluções na França, primeiro com os burgueses, depois com o povo. O sistema do capital, regido pela ideia de propriedade privada dos meios de produção, cresce com o enriquecimento a partir do trabalho não pago, chamado de mais-valia, por Karl Marx (1988), gerando desigualdades e exploração, recebe influência da religião, especificamente do Cristianismo, por meio dos calvinistas, que motivavam seus fiéis a produzir sem usufruir do lucro com festas, mas investir no próprio negócio, e desta forma glorificar a Deus. Por meio da Revolução Industrial, no século XVIII, o surgimento das máquinas, gera o êxodo rural, fazendo com que milhares de pessoas se desloquem de suas casas e cidades, para residir em locais próximos às fábricas, gerando vários problemas sociais como a mendicância, doenças e o desemprego. Sem contar na mudança significativa de artesão para proletário, assalariado, no qual para garantir sua sobrevivência, é necessário vender sua força de trabalho aos donos das máquinas, tornando-o alienado de sua produção. Dá-se a separação da Igreja e do Estado, tornando o estado laico, livre da influência direta da religião nas decisões políticas. Inicia um processo de laicização e secularização. A burocracia se instala, como lembra Weber (2004), tudo sendo mediado pela racionalidade. Diante de tantas mudanças, tais como a ciência e a tecnologia, que surgem com o ideal de progresso, que configura este momento histórico, numa perspectiva de superação sem volta, apresentando o modelo europeu como ideal e considerando os outros como que “primitivos”, de modo que todos deveriam entrar no processo de “evolução”, superando comportamentos e estilos de vida espontâneo, sendo necessário assumir um modelo moderno, abriam-se mão da liberdade por uma segurança pregada por este mundo moderno. Todavia, segundo autores, como Lyotard (2010), as promessas da modernidade falharam. A ciência, ao se aliar ao capitalismo, passa a agir com fins econômicos, e para isso nem sempre leva em consideração a ética, a dignidade da pessoa humana e o respeito ao meio ambiente. Sinaliza, desta maneira, ao mesmo tempo que evolução, uma certa preocupação para a vida no planeta. Se os países não assumirem posturas rígidas quanto ao tema da sustentabilidade, em um período curto, não será mais possível vida na terra..

(14) 14. Gianni Vattimo sinaliza em sua obra para o fim da modernidade, quando percebe que não existe mais uma história única, retilínea, no caminho do progresso. Mas histórias diversas, culturas diversas, formas de saberes diversos, e não apenas o saber científico. Boaventura de Souza Santos defende também esta tese em seus escritos. A modernidade, na ânsia de se libertar da tutela religiosa e avançar em seu caminho do progresso, se vê sem fundamentos, uma vez que não resolve todas as questões da humanidade, e pior, contribui para o bem, mais, em demasia, também, para o mal. A marca das grandes narrações, metanarrativas, como assinala Lyotard, cai por terra. As grandes apostas ou utopias para as mudanças, não tem mais sentido. Tais teorias na prática falharam, algumas tornaram-se ditaduras. Perdem-se as esperanças, e instala-se a insegurança e a falta de direcionamento. Uma marca muito importante defendida por Gianni Vattimo é que “as pretensões de verdade absoluta devem ser enfraquecidas, de forma que se possa construir um etos contemporâneo baseado na caridade e na tolerância da pluralidade”, comenta o teólogo Thomas Guarino, em entrevista concedida ao IHU ON-LINE, em 29 de setembro 2013, acerca de Vattimo. Para Vattimo, diante de um mundo plural, deve ser buscado a tolerância em todas as relações e instituições. E isto se dá graças ao processo de secularização. O fato é que, embora a modernidade tenha buscado sua autonomia da religião e colocado o homem no centro das atenções, e contribuído muito para o avanço por meio da ciência e da tecnologia, a religião permanece como importante instrumento que dá significado e orientação às pessoas. Embora, a partir de uma observação mais ampla da pós-modernidade, a religião é uma, entre várias outras, formas de interpretar o mundo e dar sentido a ele. E esta permanece mais viva do que nunca nos vários continentes e culturas. Um novo espírito científico, talvez, uma forma muito antiga e muito nova de compreender a realidade, e como tal, atualiza-se conforme as culturas se atualizam. Pensar a religião, por um lado, pelo fato de desde criança participar deste contexto, em ambiente católico, e saber da importância deste assunto na vida de diversas pessoas, de modo que por mais que pensasse escrever sobre outras coisas, tal assunto sempre me perseguia. Por outro lado, por ver neste fenômeno algo de caráter sociológico. Como dizia Durkheim (2008) em As formas elementares da vida religiosa, a religião é algo eminentemente coletivo, ligado a reunião de pessoas. A partir da.

(15) 15. religião grupos de pessoas se organizam, desenvolvem suas práticas, sua ética, sua forma de se comportar e ver o mundo. A princípio, a experiência religiosa se mostra como algo que modifica o estilo de vida dos seus seguidores, após a experiência mística. O fato é que os seguidores passam a ser adestrados a um modelo pregado. Alguns abdicam de outros projetos de vida para assumir o estilo religioso. O Cristianismo, por sua vez, traz em seu histórico vestígios fortes de uma mentalidade marcada pelo rigor e pelas normas de conduta ética. Como o Cristianismo se origina do Judaísmo, a carga pesada das leis do Antigo Testamento é absorvida por ela. Importante lembrar que o Cristianismo ajudou no desenvolvimento da cultura ocidental, que, por sua vez, interiorizou tais práticas. Embora o discurso do Cristianismo seja, desde sua origem, pregar a caridade, a justiça e a tolerância, sua ação na prática tem se mostrado diferente. Historicamente a Igreja Católica Romana realizou obras de caridade em várias partes do mundo, criando instituições com essa finalidade. Esteve ligada ao poder político, a perseguições de outras igrejas, como por exemplo os Valdenses1 no século XIII, condenou à fogueira os chamados heréticos. Desde o século XIX, a partir da encíclica do Papa Leão XIII, chamada Rerum Novarum2, refletindo as mudanças do século com a revolução industrial e o advento do capitalismo, discutindo o caso dos operários, até os dias de hoje, com alguns pontífices mais que outros, tem abordado a luta pela justiça social. Desde sua origem, embora tivesse como emblema a mensagem de Cristo, não eram tão visíveis os sinais de tolerância, como ensinada por seu fundador. Mesmo que apresente elementos de amadurecimento referentes ao tema da questão social, ainda traz uma grande dificuldade em lidar com as temáticas da tolerância e da caridade, e sobretudo, a dificuldade em lidar com a temática da moral cristã. Por tolerância entende-se respeitar o outro, sua cultura, sua crença, sua visão de mundo, sobretudo se a visão do outro vai de encontro a norma estabelecida. Nessa lógica, a caridade está acima das normas ou regras morais. A palavra caridade nos remete a compaixão, benevolência, altruísmo, o mesmo que amor. É a regra máxima do Cristianismo, muitas vezes relegada a segundo plano. O rigorismo moral, embasado. 1. Igreja criada por Pedro Valdo na periferia da Itália. Pregava a prática da pobreza e a pregação itinerante.. 2. Coisas novas..

(16) 16. pelo Antigo Testamento, acaba tendo maior espaço. É o peso que se coloca nos ombros dos outros. A partir de tais perspectivas, propusemo-nos a buscar fenômenos que demonstrassem a tese de como a religião atua no contexto pós-moderno, a fim de saber se tal sofre ou não influencia desta nova condição, dita pós-moderna, ou seja, diante de um mundo plural, que busca a liberdade de expressão, seus direitos, e luta por mais tolerância e respeito às diferenças, passei a observar grupos de jovens que fazem experiências religiosas dentro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN), Campus Central de Natal, por obter informações que nesta instituição, alguns jovens realizam tais práticas. Ora, segundo Vattimo, uma das características deste nova condição pós-moderna seria a busca por experiências religiosas sem necessidade de serem institucionalizadas, uma vez que a ideia de autoridade, hierarquia não condizia mais com a realidade pós-metafísica. O fato foi que só consegui encontrar lá três grupos religiosos. Um grupo de oração católico, administrado pela Comunidade Católica Shalom, grupo conservador dentro do catolicismo, um grupo que trabalha com catequese de jovens, para o sacramento da Crisma, ligados a paróquia de São João Batista, uma vez que o IFRN está dentro da área de responsabilidade desta paróquia, e um grupo de jovens chamado Kerigma, que existe há 23 anos no IFRN e utiliza da dança e do teatro para evangelizar os estudantes desta instituição. Este grupo em específico não tem ligações com nenhuma igreja institucionalizada, o que seria interessante para a pesquisa. O fato foi a dificuldade de acesso ao grupo kerigma, uma vez que suas reuniões aconteciam sempre durante a semana, ao meio dia, horário que era complicado, uma vez que eu me encontrava lecionando sempre neste horário. Já os encontros dos grupos da Igreja Católica aconteciam nos fins de semana, porém ficou claro que não dava para observar tais influencias do contexto pós-moderno em ambientes que reproduzem a lógica das instituições religiosas, ipsis litteris, tal como a catequese da Igreja Católica. O segundo passo foi migrar para outro campo de pesquisa, mantendo o objeto, ou seja, analisar se os ventos da pós-modernidade adentram na estrutura rígida do catolicismo. Após leituras de Boaventura de Souza Santos, acerca dos excluídos e invisibilizados dentro do processo de colonização dos continentes, e do sistema econômico do capital, e a globalização da exclusão provenientes deste sistema, passei a.

(17) 17. focar o olhar para os que ficam a margem do processo. No âmbito da religião, estava acontecendo as discussões acerca do sínodo da família. E temas delicados estavam em debates, como os casais homoafetivos, e sua aceitação ou não dentro da igreja, como também, sobretudo, o caso dos casais recasados, ou de segunda união. Observei que seria interessante direcionar o olhar para as atitudes dentro da igreja, uma vez que sendo uma instituição bimilenar, profundamente marcada pela tradição e por regras, refletir e observar se os ventos pós-modernos haviam adentrado neste contexto parecia relevante. Na banca de qualificação foi então decidido focar nos casais recasados. Estes também são pessoas muitas vezes excluídas e invisibilizadas dentro da esfera religiosa, por ser negado a eles sacramentos tão essenciais para os católicos, como no caso da Eucaristia e da Confissão ou Penitência, e por serem impossibilitados de atuar ou exercer algumas funções na igreja. Diante de um mundo plural, que anseia liberdade e tolerância, em meio ao sínodo da família, é possível visualizar interferência ou influencia deste espírito pós-moderno, ou não passaria de elucubrações acadêmicas que não fazem sentido com a realidade? Hoje as famílias trazem novos arranjos, que diverge muito do sonhado modelo de família tradicional. Afinal, que família tradicional é esta? Casamentos que historicamente foram arranjados, representando apenas um pacto ou troca por interesses financeiros entre famílias diferentes, entre reinos, etc. O modelo defendido pela Igreja, pai, mãe e filhos, a muito tempo vem sendo questionado, diante da real conquista por direitos de ser quem quer ser, longe dos padrões preestabelecidos. Recentemente o atual papa vem falando por meio de gestos, atitudes, para toda a Igreja, sobretudo para um grupo enorme de cardeais e bispos que representam a ala tradicionalista da Igreja, não disposta a dialogar e olhar para o presente em meio às suas mudanças e conquistas. Por que se adia tanto discussões neste nível pelos religiosos? Por que tanta dificuldade para lidar com a dimensão da sexualidade e da família, no atual contexto? Será que após dois anos de discussão, a nova encíclica pós-sinodal que sai agora sobre a família nos dias atuais, trará algo de novo para tantos que aguardam mudanças? Estas serão as reflexões que traremos nos capítulos que seguem. A pesquisa se deu por meio de entrevistas semiestruturadas e observação direta. As entrevistas foram feitas com casais recasados, que narraram suas experiências, a vivência na Igreja em meio às proibições/ impedimentos. Nas entrevistas fica claro os.

(18) 18. sofrimentos vividos e o sentimento de não acolhimento por alguns. Em alguns casos, os fiéis participavam ativamente da Igreja, após separação e novo casamento apenas no civil, alguns se afastaram da Igreja, por não se sentirem bem, devido ao não acolhimento, e após alguns anos voltaram a mesma. Noutros casos, abandonaram apenas as funções que exerciam, mas permaneceram na Igreja. Foram entrevistados também alguns sacerdotes, com o intuito de captar a opinião destes acerca desta temática. No primeiro capítulo foram discutidas as regras para a conjugalidade católica, conhecendo um pouco do Código do Direito Canônico, suas normas e proibições. Na segunda parte deste capítulo abordei a perspectiva do autor Gianni Vattimo, pensador essencial nesta pesquisa, acerca da pós-modernidade, e como isto se reflete nas famílias. Na terceira parte, trabalho o tema da família tradicional versus os novos arranjos familiares. Como se dá esse processo, em meio a um mundo em mudanças. No segundo capítulo, intitulado, a família católica convive com as regras, passei a analisar como acontece, de fato, as experiências das famílias. Como vivenciam tais regras? Fazendo vista grossa ou vivendo tais regras de fato? Como se dá a luta por aceitação plena na Igreja? Assim, será comparado a doutrina oficial da Igreja em relação a alguns assuntos da moral sexual com uma pesquisa desenvolvida pelo CERIS, um órgão de pesquisas sociais da CNBB, e em seguida, com alguns casais recasados que foram entrevistados. Concluo com uma análise do sínodo da família. Por fim, no terceiro capítulo, versando sobre a religiosidade de aparências, são feitas observações de como se dá a vivencia de regras deslocadas neste atual contexto com a vida prática de casais e até mesmo do clero. Parto com uma breve análise da Carta Encíclica Amoris Laetitia, em seguida analiso as entrevistas concedidas por alguns padres, bem como as críticas dos casais recasados às normas eclesiásticas..

(19) 19. 2 SOBRE O CATOLICISMO E O MATRIMÔNIO 2.1 REGRAS PARA A CONJUALIDADE CATÓLICA. Neste primeiro capítulo iremos conhecer as regras estabelecidas pela Igreja Católica para as relações conjugais. Qual a visão oficial que a Igreja prega sobre o casamento, bem como as formas possíveis de tentativas para ser considerado nulo. Nesse ínterim, conheceremos algumas experiências de pessoas que vivenciaram uma relação conjugal que, por diversos fatores, não deu certo, e vieram a se casar novamente. Diante disso, será observado como este processo se desenvolveu diante da relação que os mesmos tinham ou tem com a instituição Igreja, a representação social que a Igreja tem no imaginário das pessoas, como também a forma como ela se coloca no mundo, suas estratégias para se manter, para existir, diante de um mundo em mudanças. Será que a Igreja está falando a linguagem das pessoas, nos dias atuais? Será que recebeu influencias da condição pós-moderna e está sabendo lidar com isso? Para isso, trataremos especificamente da instituição matrimônio, como campo de pesquisa, mais especificamente dos casos de casais recasados, ou seja, que não deram certo numa primeira tentativa e buscaram outra experiência para buscar sua felicidade. Da união entre duas pessoas, de um homem e de uma mulher, a partir da ótica da Igreja Católica. Falamos entre sexos opostos, uma vez que sobre casais de mesmo sexo não se vê horizontes na mesma3. Discutir-se-á as obrigações, finalidades e a essência do matrimônio, sempre na ótica desta Igreja pesquisada, sua doutrina e jurisdição canônica. A questão do divórcio apenas reconhecido civilmente, mas não eclesialmente. Como a instituição Igreja Católica lida com esta realidade. Porque enquadrar os casais recasados na categoria de “católicos irregulares”? É possível se pensar numa Igreja aberta as novas mudanças que a sociedade vem passando nos últimos tempos? A Igreja é toda coesa ou possui polaridades quanto a forma de compreender a doutrina referente a este tema por parte dos seus membros ordenados? Havendo polaridades, pode indicar vestígios do pós-moderno dentro da 3. Trata-se de uma questão ontológica para a Igreja. Esta é uma discussão polêmica, porém, clara na perspectiva católica. A relação entre homem e mulher tem o embasamento bíblico, e para estes, é incontestável. Não iremos discutir tal perspectiva bíblica nesta pesquisa..

(20) 20. Igreja. E a comunidade de fé, os leigos, como se comportam e lidam com a doutrina católica? A partir de entrevistas semiestruturadas com casais de segunda união, passamos a perceber o rosto desta Igreja nos dias de hoje, bem como a forma que estes fiéis veem a mesma. Ao tratarmos de relações matrimoniais, na perspectiva de observar se a religião sofre influência da pós-modernidade, estamos tratando de casos afetivos, familiares, de indivíduos que travam sua dinâmica de vida diante de uma experiência religiosa que pauta suas vidas. Cada casal traz sua história de vida, seus sonhos, alegrias, sofrimentos e angústias. Esta sua experiência a dois se choca com as exigências da Igreja ao qual fazem parte. Esta Igreja, representante do sagrado, da experiência com o divino, pode remeter a uma experiência agradável, de acolhida, de realização espiritual, como pode também remeter a uma experiência de exclusão, de limitação, de não acolhimento diante de situações reais e existências da vida humana. Acompanhar a experiência de alguns casos de casais que vivenciam esta realidade de segunda união na Igreja é essencial para compreendermos este contexto. Sabendo que cada caso é um caso, passemos a analisa-los individualmente. Para Cristiane Dionísio (recepcionista), sua experiência deu-se num contexto de imaturidade, uma vez que o primeiro casamento ter acontecido não por vontade própria: Graças a minha mãe, desde o início, na minha infância, me colocou na Igreja, e vendo ela, desenvolvi a fé. Cresci tendo a fé católica. Tive um período da vida rebelde, quando me afastei (da Igreja), exatamente quando eu tive o primeiro casamento. Eu não me casei, na época, porque eu queria, na Igreja, porque eu acreditava naquilo que a Igreja diz, não. Eu me casei na Igreja para satisfazer a vontade da minha mãe. Tinha 18 anos na época. Comecei a namorar ele com 13 anos. Logo que começamos a namorar, depois da Crisma, comecei a ficar rebelde, em vez da crisma me dar força, fiquei rebelde. Quando eu me casei, (passamos um ano casados), morava na época em Mossoró, perto da Igreja. Para você vê, até o barulho do sino me irritava. Depois que me separei e voltei para Natal, e na dor, voltei para fé. Vejo a Igreja como um apoio, uma graça, uma forma de estar mais unida a Deus. Eu vejo dessa maneira. Através da Igreja católica me sinto mais próxima de Deus. É um apoio. Mesmo sabendo que se viesse a casar novamente, eu seria impedida de alguns serviços na Igreja e de comungar, eu que tenho tanta fé na Eucaristia, tinha e tenho. Claro que Deus é mais que a Igreja. A misericórdia de Deus é maior do que a Igreja. Mas eu não deixaria ela, só se eles não me quisessem lá!. A entrevistada relatou que não tinha noção ou entendimento real do sacramento do matrimônio, na época que o contraiu. O fez para não dar desgosto a mãe, que queria.

(21) 21. muito. Após uma experiência que não deu certo, resolveu terminar, e afirma que nunca existiu o matrimônio, pois faltou o real consentimento e o conhecimento de causa, conforme vai defender a doutrina da Igreja. É preciso estar ciente do que está fazendo. Sendo assim, decidiu dar entrada no processo de nulidade matrimonial4, o que era muito caro5 e demorado. E decidiu esperar. Fica indicado nesta fala que a fiel está operando dentro da lógica pós-moderna, buscando se adaptar as exigências da Igreja, porém consciente da sua liberdade de escolha e que a Igreja não está acima da própria divindade. Uma coisa era quando criança, que nem se falava sobre isso. Mas agora que, se por acaso eu for casar, hoje eu tenho consciência do que é um matrimônio, não vou poder casar mais, porque eu fui unida a uma pessoa para satisfazer a minha mãe. Para usar vestido de noiva. Porque minha mãe era muito religiosa, e se eu não casasse na Igreja iria ficar com desgosto. Eu não achava justo, por isso que eu procurei o tribunal. Eu dizia muito, eu posso até nunca mais me casar, mas eu não quero que esteja casada na Igreja com uma pessoa que eu sei que nunca fui casada. Eu procurei por isso. Eu não tinha ninguém. Aí eu fiz um propósito, que foi uma coisa pessoal. Eu vou esperar. Eu nunca disse pra Deus e nem para nenhum padre, olhe, se meu casamento não for declarado nulo eu nunca mais vou me envolver com ninguém, mas eu fiz um voto íntimo, eu vou esperar, enquanto não sair a resposta, eu não vou me relacionar com ninguém. Vivi esse tempo todo, quase 6 anos, como uma mulher casada, entre aspas, sem ser. Daí quando saiu a resposta final, que foi negada, aí conheci ele (o atual marido), no mesmo ano.. Segundo ela, no processo de nulidade dado entrada em Natal, foi declarado causa ganha pelo tribunal eclesiástico de Natal, depois seguiu para Recife, que também obteve causa ganha, porém, ao chegar no último destino, no tribunal eclesiástico de Fortaleza, onde era a sede deste regional, seu processo foi negado. Apesar de ter feito todo o estudo da minha história, aqui em Natal, porque aqui em natal meu casamento era declarado nulo, lá em Recife foi declarado nulo, lá que prepara tudo. Quando chegou em Fortaleza, que foi negado. Então Fortaleza é a voz maior. Eles disseram não, então foi não. Mas eu não tenho revolta, eu não me sinto menos amada por Deus por isso, porque como falei desde a primeira vez, Deus é mais que a Igreja. Deus está presente na Igreja, sim, o Espírito Santo, sim, eu tenho certeza disso, me sinto mais unida a ele, me sinto fortalecida, através da Igreja, porém Deus é muito mais que isso. Deus conhece a minha história. Deus conhece o meu coração. Deus 4. Cada Arquidiocese possui um tribunal eclesiástico, composto por padres com formação em direito canônico. Estes, avaliando os casos, dão um parecer, e enviavam para outras comissões, noutra diocese, responsável pelo regional. O que demorava muito. Funcionava assim até 21 de setembro de 2015, data que o Papa Francisco publicou a carta apostólica Mitis Iudex Dominus Iesus, sobre a reforma do processo canônico para os casos de declaração de nulidade matrimonial, tornando mais rápidos e simples cada processo, uma vez que passa a ser resolvidos cada caso em sua própria diocese. 5. No ano que a entrevistada deu entrada, custou em média o valor de 4 salários mínimos..

(22) 22. conhece a Cristiane do primeiro casamento e a Cristiane quando tive o segundo casamento, e como estou hoje. [...] A Igreja é iluminada pelo Espirito Santo, eu creio nisso, mas é feita de homens. Tanto que meu processo em um lugar interpretaram de um jeito, no outro lugar, a mesma história, interpretaram de outro. E aqui de outro. O melhor foi aqui. Aqui eles ouviram eu falar. Lá não, foi por papel, não é a mesma coisa! Eu não tive nem como me defender. Eles julgaram lá ou leram, lá, mas não tiveram nenhum momento de me perguntar. Porque de repente eu posso até ter escrito, me expresso de uma maneira errada, não é isso que eu quero dizer, eu estou dizendo isso, mas é bem assim...mas é e eu não estava lá para me defender.. O fato é que a entrevistada sempre foi atuante na igreja. Foi ministra da Eucaristia, ajudava na distribuição da Eucaristia nas celebrações e levava aos doentes, em suas casas. Depois que teve o seu processo negado, deixou de exercer as funções na igreja. Após iniciar um novo relacionamento, passou apenas a frequentar a igreja, o grupo de oração, mas não assumir funções que antes exercia. Paula Pessoa (orçamentista), narrou sua experiência, mostrando que seu caso foi bem diferente. Entrou para a categoria de “católico irregular” por ter se casado com um homem que já havia se casado na igreja, muito embora fosse o primeiro casamento para ela. Sempre foi atuante na igreja, coordenadora de grupo de jovens por vários anos, de viver fazendo pregações nas igrejas, sendo membro da Renovação Carismática Católica. Sempre foi muito bem vista por todos, até a época de iniciar seu relacionamento. Segundo ela, sempre foi bem radical em sua fé, e nunca havia pensado e nem conseguia se ver na condição de casar com alguém que já fora casado. Sofreu na pele a experiência de ser “perseguida” pelas incompreensões das pessoas que frequentam a igreja, chegando a se afastar da igreja por alguns anos. A experiência a fez ampliar sua visão sobre este assunto. Questionada sobre os fatos vivenciados na igreja, ela comenta: [...]como eu era coordenadora do grupo de jovens, a mãe de uma das meninas que frequentava o grupo, quando eu decidi casar, essa mulher me procurou, e ela disse horrores comigo, me colocou no chão. Como é que eu ia casar com um cara que já foi casado, que exemplos eu estava dando para os jovens, e aquilo ali me magoou muito. Que eu estava dando um testemunho falso perante a Igreja. [...] Sobre o matrimônio, pela minha vivência, eu era uma pessoa muito radical, eu não aceitaria jamais casar com uma pessoa que já havia casado, e com certeza eu julguei várias pessoas, o que eu sofri na pele, eu creio que já fiz com outros, de olhar com outros olhos para quem vivia com outra pessoa que já havia casado.. A entrevistada praticamente assumiu os filhos do cônjuge. Fez o papel da mãe. Por muito tempo não comungou. Mesmo o sacerdote de sua paróquia tenha dado.

(23) 23. autorização a ela. Paula vivia sua fé de modo íntegro, sem querer fazer nada fora das regras estabelecidas. A mesma havia passado anos afastada da Igreja por não se sentir mais à vontade frequentando, devido as outras pessoas que não a viam mais com os mesmos olhos. Paula introjetou em si a noção de culpa, pregada pela Igreja, por estar “fora” do ideal pregado. Diante de um clima de rejeição nos grupos que fazia parte, mesmo com um olhar acolhedor do seu pároco, ela não conseguiu se manter à vontade na Igreja, fruto das normas pregadas em seus documentos e catecismo, o que levou aos fiéis adotarem posturas rígidas, tal como a Igreja prega oficialmente. E ela resolveu abandonar a Igreja. Outro caso é o de Fernanda Rocha (técnica em saúde bocal). Segundo ela, casou muito nova, despreparada, simplesmente porque achava que uma vez tendo perdido a virgindade, não conseguiria casar com outro homem. Isso, alega ela, por ter sido criada dentro da igreja, e sempre ouvia falar que a mulher tinha que casar virgem, caso contrário os outros homens só iam querer se aproveitar. Casei com 17 anos pelo fato de ter perdido a virgindade e acreditar que não conseguiria me casar com outra pessoa. Vivemos 4 anos juntos e tivemos 2 filhos. Nos separamos pelo fato de eu não suportar mais as irresponsabilidades e promiscuidades do meu ex-marido.. Um caso emblemático. A entrevistada ao narrar sua história, fala das saídas frequentes do seu ex-marido, das traições, inclusive do fato de quando o seu primeiro filho tinha apenas 3 dias de nascido, ela descobre que seu ex-marido havia noivado com outra mulher, eles estando ainda casados, e descobre quando a “noiva” dele liga para ela. Mesmo diante de tantos problemas no casamento, ela buscava suportar, por acreditar na questão da indissolubilidade, vivendo um sentimento de culpa e resignação. Engravidei no primeiro mês de casada, ou seja, aguentei muito. Pelo fato do casamento ser eterno ou ao menos acreditava nisso. Passei muito tempo me culpando, me sentenciando a sustentar algo que me fazia sofrer por esse motivo. Até que não aguentei mais (grifo nosso).. Em sua fala fica claro o aspecto da mudança de comportamento, sinais desta nova condição. Refletir sobre a Igreja, enquanto um instrumento ou instituição que deve propagar a misericórdia e o amor do Deus, o qual representa, nos leva a ver que ocorre certas discrepâncias entre o discurso e a prática. A Igreja Católica se auto define, no.

(24) 24. Concílio Vaticano II6, como sacramento universal da salvação, quando diz “A Igreja, em Cristo, é como o sacramento ou sinal e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (LG, n. 1). Por sacramento, podemos dizer que “são sinais que contêm, exibem, rememoram, visualizam e comunicam uma outra realidade diferente deles, mas presente neles” (BOFF, 2004, p. 18). No Catecismo da Igreja Católica: A palavra grega "mysterion" foi traduzida para o latim por dois termos: "mysterium" e "sacramentum". Na interpretação ulterior, o termo "sacramentum" exprime mais o sinal visível da realidade escondida da salvação, indicada pelo termo "mysterium". Neste sentido, Cristo mesmo é o mistério da salvação: "Non est enim aliud Dei mysterium, Christus - Pois não existe outro mistério de Deus a não ser Cristo". A obra salvífica de sua humanidade santa e santificante é o sacramento da salvação que se manifesta e age nos sacramentos da Igreja [...] (CIgC § 774).. A Igreja católica possui sete sacramentos, dentre eles o batismo, a eucaristia e o matrimônio. São, assim, “sinais eficazes da graça, instituídos por Cristo e confiados à Igreja, por meio dos quais nos é dispensada a vida divina” (CIgC § 1131). Se esta Igreja representa e/ou age em nome do Cristo, faz ou deveria fazer, teoricamente, suas vezes. O que significa dizer, fazer o que ele faria. Todavia, a pratica é muito questionada. Como dizer que a mesma faz as vezes do Cristo, quando se observa que todo o discurso do Cristo se realizava na prática diária, enraizada no espírito da caridade, do acolhimento, e a Igreja age, muitas vezes, presa a regras eclesiásticas, em um direito que é mais racional que baseado no amor pregado pelo fundador da mesma? A Igreja acredita na sua hierarquia. Enfatiza a tradição dos apóstolos7, o magistério8, toda a produção de ensinamentos, documentos, desenvolvidos pela Igreja ao longo destes dois milênios, após Cristo, colocando no mesmo patamar da importância devotada ao texto bíblico9. Sendo assim, Bíblia e Tradição, possuem o. 6. Trata-se de um evento de grande relevância no contexto católico. Durante sua história houve vários concílios (Trento, Nicéia, Latrão, etc.) que são reuniões do papa com cardeais e bispos do mundo inteiro, discutindo temas relacionados a moral, aos sacramentos e a doutrina da igreja. No Concílio Vaticano II houve uma tentativa de um aggiornamento, de uma atualização da igreja para os dias de hoje, embora muitos críticos afirmam que ela não se abriu suficientemente para estas mudanças, de modo significativo. 7. Conf. Catecismo da Igreja Católica, n. 857. 8. Refere-se a função de ensinar, próprio da autoridade da Igreja, e que deve ser seguido pelos seus fiéis. É tida como infalível quando alguma sentença é proferida pelo papa em comunhão com o colégio episcopal acerca de matérias sobre fé e moral. 9. Constituição Dei Verbum, n. 174..

(25) 25. mesmo grau em importância, como meios de conduzir seus fiéis ao caminho da salvação10, no catolicismo. Todavia, alguns grupos são esquecidos ao longo desta tradição, tais como as mulheres, que não podem assumir o sacerdócio, nem o diaconato, que são funções eclesiásticas reservados aos homens, os homossexuais, que mesmo tendo membros do seu clero com esta característica, a igreja sempre fez vista grossa, não tendo muita habilidade e abertura para dialogar com este tema, e os casais recasados, campo desta pesquisa, que ficaram à margem da Igreja, quando foi negado sua participação na eucaristia, mesmo orientando-os a permanecer na igreja, mas não podendo assumir funções de liderança, por não julgarem serem exemplos para os demais, ou mesmo, não podendo ser padrinhos ou madrinhas em outros sacramentos, como o batismo, por exemplo, sempre enfatizando a questão do testemunho. E como saída, sugerem uma comunhão espiritual, mas permanecem afastando este grupo de aproximar-se da mesa da eucaristia. O fato observado é que os chamados “irregulares”, são assim considerados por não estarem dentro das normas da Igreja, que por algum motivo teve que sair da primeira experiência matrimonial, como em casos que um dos dois terem abandonado a relação, traído, ou, na verdade, nunca tenha existido tal matrimônio, uma vez que nesta perspectiva, precisa existir a reta intenção ou consentimento. Interessante notar que a Igreja se apresenta, em seus documentos, como aquela que se preocupa e quer participar da vida de seus fiéis, acompanhando-os e fortalecendo-os em sua caminhada.. As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. (GS, n. 1).. Entre discurso e prática há uma diferença. A Igreja é organizada de forma burocrática, tendo vários homens em sua administração, divididos em funções como presidentes de congregações, como o da doutrina da fé, do culto divino e disciplina, dos 10. Algumas religiões, como as monoteístas, trabalham com a perspectiva de salvação, ou seja, para se alcançar uma vida eterna, com o Deus, deve ser realizado uma série de ações pelo fiel, em uma espécie de purificação dos pecados. E deve ter, sobretudo, fé no deus seguido..

(26) 26. sacramentos, do clero, da educação católica, etc., sendo estas pessoas que pensam diferente, na prática, travam o avanço nas discussões acerca da moral humana, fixando uma atenção apenas a uma moral ideal, muitas vezes desconectada com o atual tempo. A Igreja, enquanto um espaço para agregar fiéis numa mesma causa, possui seus interditos, regras e estilo de vida. O catolicismo, como não poderia ser diferente, possui seus vários interditos. Ao produzir seus ensinamentos acerca do matrimônio, o faz levando em consideração o texto bíblico, textos presentes no livro do Gênesis11, e nas palavras de Jesus Cristo, presente no evangelho de Mateus12, por exemplo, que trata da união entre dois seres, unidos por um vínculo que o autor sagrado narra como um caminho sem volta. Da mesma maneira, o apóstolo Paulo relaciona o matrimônio com a mesma relação que Cristo fez com a sua Igreja13. Uma relação de fidelidade e entrega total. Tais perspectivas levam a esta Igreja a desenvolver muitos documentos tratando sobre os temas família e matrimônio, envolvendo-os de muitas proibições. Todavia é importante refletir que, sendo a política a instituição primária, e os partidos políticos a instituição secundaria, do qual pode existir política sem partidos políticos, porém não partidos políticos sem política, ou até mesmo pensando a educação enquanto instituição primária, e a escola a instituição secundária, observa-se que pode existir educação sem escola, porém não escola sem educação, podemos chegar à conclusão que, sendo a essência da religião o amor, a Igreja, por sua vez, não pode furta-se desta realidade. Ou seja, a essência da Igreja também é o amor. Tal como é a essência de todas as instituições. Clarificando esta tese, podemos dizer que a Igreja tem produzido muitos documentos expressando seu ponto de vista ao longo dos séculos, construído por homens que conduzem a mesma, em meio a uma burocratização dos sacramentos e das práticas. Tais como as leis civis, às leis religiosas, eclesiásticas, foram produzidas teoricamente querendo fazer justiça aos ensinamentos apreendidos pela tradição da Igreja. No entanto, se estas leis não se coadunam às leis do próprio Cristo, que tinha o amor como parâmetro, tais leis fogem do seu real sentido. O secundário deve se coadunar ao essencial. “Por isso, o homem deixará pai e mãe, para se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne” (Conf. Gn 2, 24). 11. 12. “Portanto, o que Deus pôs sob o mesmo jugo, o homem não deve separar” (Conf. Mt 19, 3-6).. “Maridos, amai vossa esposa, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela” (Conf. Ef 5, 25). 13.

(27) 27. No Código de Direito Canônico14, a Igreja Católica expõe sua visão acerca do matrimônio, de modo objetivo: O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda a vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e a geração e educação da prole, entre os batizados foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacramento (CIC § 1055).. Nesta definição, fica elencado 3 características essenciais do matrimônio cristão. Ele é um pacto, um contrato para toda a vida, ficando de fora qualquer possibilidade de renúncia ou abandono, pelo menos no plano ideal. Está destinado ao bem dos cônjuges, no qual um deverá cuidar e zelar pelo outro, de modo que possam se realizar e se completar, ao longo da vida, uma vez que tem caráter unitivo. E, também, tem a finalidade de gerar a prole, gerar filhos para dar continuidade a espécie e garantir a educação destes, além dos aspectos morais, sociais, profissionais, sobretudo a educação religiosa, garantindo a preservação e continuidade destes na fé que a família vivencia. Tudo isso no plano ideal. No entanto, é importante frisar que a humanidade se caracteriza pela multiplicidade de arranjos, não perceptível pela Igreja Católica. Tal aliança, contraída a partir da intenção de duas pessoas, se enquadra na categoria de estado de vida baseado no consentimento pessoal e irrevogável, como afirma o código de direito canônico e a constituição Gaudium Et Spes, no n. 48. Tratase de um contrato consensual, bilateral e formal, realizado por partes que estão hábeis e livres. Nesta perspectiva se desdobra a reflexão acerca desta instituição, ou sacramento, na linguagem religiosa. Por ter estas características tidas como essenciais, existe toda uma preocupação em volta do matrimônio, uma vez que é por meio dele que surgem as famílias, na perspectiva católica, e que, por sua vez, tem a missão de propagar e salvaguardar a fé que receberam, garantindo a perpetuação não somente da espécie, mas também, da fé católica. Tais famílias são tidas como tradicionais, no sentido de garantir a permanência do modelo de um homem e uma mulher e seus filhos, sendo exemplos para os demais. Será? Desta forma, fica descartada qualquer outra forma de relação amorosa e familiar que não atenda este modelo, uma vez que não garantiriam a permanência destas 14. Livro em que se encontram os cânones, regras estabelecidas pela igreja ao longo dos séculos, como os direitos e deveres dos clérigos e dos leigos, regras para a admissão aos sacramentos, estabelecimento de hierarquia na igreja, entre outros. O código canônico influenciou a elaboração do código civil brasileiro..

(28) 28. características essências, sobretudo do pacto para toda a vida e a procriação e educação da prole. Será? Se não existir a possibilidade de procriar, existem outras formas de criar, como a adoção. Para eles, outras formas de associação familiar vão de encontro ao apresentado em seus textos sagrados. Observando os documentos da Igreja Católica, referente ao matrimônio, nota-se toda uma preocupação em enfatizar a questão da unidade e da indissolubilidade do mesmo. Todos os seus documentos apresentam de modo claro e repetitivo estas dimensões. Unidade no sentido de que existe uma impossibilidade de uma pessoa ficar ligada a outra, já possuindo um vínculo matrimonial. Existe todo um registro no encaminhar do processo matrimonial. Retira-se uma certidão de batismo, solicitada na Igreja de onde os noivos foram batizados, para anexar ao processo matrimonial, quando está para contrair o matrimônio. Após realizada a cerimônia, a informação do ocorrido é registrada no livro de registros matrimoniais, na Igreja de onde solicitou a certidão de batismo. É uma tentativa de evitar a poligamia e proteger o matrimônio no âmbito religioso. Em relação a indissolubilidade, a Igreja parte da perspectiva que o casal decide contrair o sacramento no pleno uso da consciência e da liberdade. Se ambos decidem, teoricamente nada estão os forçando a isto, todavia, este enlace traz muitos deveres e obrigações. A indissolubilidade é a impossibilidade da dissolução do vínculo matrimonial, conforme apresenta o código de direito canônico no cânon 1057. A não ser que um dos cônjuges venha a falecer. Para a Igreja, enquanto o outro cônjuge permaneça vivo, após um divórcio, quem iniciar um novo relacionamento, estará praticando adultério com o respectivo cônjuge em que contraiu o matrimônio anteriormente.. A indissolubilidade vai. de encontro com. o adultério15. A. indissolubilidade é um princípio absoluto para a teologia católica, que se aplica a qualquer matrimônio que tenha sido realizado validamente, conforme reza esta doutrina. Apenas em raras exceções, sobre dissolução do vínculo, conforme consta no cânon 1141, “o matrimônio ratificado e consumado não pode ser dissolvido por nenhum poder. 15. Violação ou transgressão da regra de fidelidade conjugal que é imposta aos cônjuges com o pacto matrimonial, consistindo em não poder ter ato sexual com outra pessoa, fora do casamento. Conforme consta no texto bíblico, no Novo Testamento, fazendo uma referência ao Antigo Testamento, quando Jesus foi questionado pelos fariseus sobre este tema, ele afirmou que Moisés só havia permitido dar carta de divórcio, no passado, por causa da dureza do coração das pessoas. Porém, dentre eles não deveria ser assim. (Conf. Marcos, capítulo 10). Embora a dureza de coração, a meu ver, permaneça a mesma..

(29) 29. humano nem por nenhuma causa, exceto a morte”, e 1150, “em caso de dúvida, o privilégio da fé goza do favor de direito”, se referindo ao cânon 1149, que diz: O não-batizado que, tendo recebido o batismo na Igreja Católica, não puder, por motivo de cativeiro ou perseguição, recompor a coabitação com o cônjuge não-batizado, pode contrair outro matrimônio, mesmo que a outra parte, nesse ínterim, tenha recebido o batismo, salva a prescrição do cân. 1141.. Algumas curiosidades, quando, por exemplo, um marido tiver várias esposas, ambos não sendo batizados, afirma o cânon 1148: O não batizado que tiver simultaneamente várias esposas não batizadas, tendo recebido o batismo na Igreja católica, se lhe for muito difícil permanecer com a primeira, pode ficar com qualquer uma delas, deixando as outras. O mesmo vale para a mulher não-batizada que tenha simultaneamente vários maridos não-batizados.. Sobre separação com permanência de vínculo, o código de direito canônico atesta, no cânon 1151 que: “Os cônjuges têm o dever e o direito de manter a convivência conjugal, a não ser que uma causa legítima o escuse”. Esta é uma das características essenciais do matrimônio, o consórcio para toda a vida, bem como ele está destinado para o bem dos cônjuges, para ambos se realizarem no amor e na corresponsabilidade. Todavia, diante de situações que são insustentáveis, a Igreja até sugere que se afastem, mas não rompam com o contrato selado. A não ser que a causa seja justa. Neste caso, o código de direito canônico vê no adultério, um motivo para o rompimento, caso o cônjuge inocente assim deseje, muito embora ela defenda que permaneçam juntos. Sendo assim, a ruptura do vínculo matrimonial, sendo de fato só jurídico, a Igreja vê que não constitui em si base para uma nova união matrimonial válida. Em último caso, se os cônjuges se sentirem lesados em seus direitos, pode submeter seu caso aos tribunais eclesiásticos diocesanos, para avaliação e tentativa de solução. Caso decida pela separação, devem tomar todas as providencias para o devido sustento e educação dos filhos. Embora se recomende vivamente que o cônjuge, movido pela caridade cristã e pela solicitude do bem da família, não negue o perdão ao outro cônjuge adúltero e não interrompa a vida conjugal, se não tiver expressa ou tacitamente perdoado sua culpa, ele tem o direito de dissolver a convivência conjugal, a não ser que tenha consentido no adultério, lhe tenha dado causa ou tenha também consentido adultério (Cân. 1152)..

(30) 30. Desta maneira, o elemento central que constitui o matrimônio é o consentimento, conforme já sinalizado anteriormente, ou seja, a entrega mútua, de um homem e uma mulher, com reta intenção, desejo e disponibilidade de contrair um pacto para toda a vida. É isto que consta no cânon 1096: “Para que possa haver consentimento matrimonial, é necessário que os contraentes não ignorem, pelo mesmo, que o matrimônio é um consórcio permanente entre um homem e uma mulher, ordenado à procriação da prole por meio de alguma cooperação sexual”. Senso assim, os que não tem suficiente uso da razão, falta grave de descrição de juízo a respeito de direitos e obrigações essenciais do matrimônio, e incapazes de assumir as obrigações essenciais do matrimônio por causas de natureza psíquica, são incapazes de contrair o matrimônio, conforme o cânon 1095. Outros elementos apenas contribuem para a eficácia jurídica da celebração, como a presença de testemunhas. O sacerdote apenas acompanha e abençoa em nome da Igreja, mas quem celebra e realiza o ato são os contraentes. Uma curiosidade para se falar é que a Igreja chama como matrimônio válido ratificado aquele que não houve relação sexual após o casamento, e chama de matrimônio ratificado e consumado se realizaram o ato sexual, que por sua vez, nesta perspectiva, é a que se destina o matrimônio, a procriação da prole. E para isto ela explica detalhadamente como é o ato sexual, em seu código de direito canônico, tamanha é a preocupação dela com essa temática. Um aspecto importante a se destacar são os impedimentos dirimentes, ou seja, proibições legais, baseadas em circunstanciais pessoais de caráter objetivo, tornando inábil para se contrair o matrimônio validamente. Exemplos disso, são os impedimentos reservados a dispensa da Sé Apostólica: impedimento proveniente de ordens sagradas ou voto público perpétuo de castidade num instituto religioso, impedimento de crime de morte, conforme o cânon 1090, quando alguém “com o intuito de contrair o matrimônio com determinada pessoa, tiver causado a morte do cônjuge desta, ou do próprio cônjuge, tenta invalidamente o matrimônio”, a questão do rapto, conforme o cânon 1074, não é considerado válido o matrimônio quando a mulher é raptada para esta finalidade, a questão da disparidade de culto, conforme o cânon 1070, em que os contraentes sejam de religiões ou igrejas diferentes, sendo necessário uma dispensa e a aceitação de regras estabelecidas para este caso específico, e “nunca se dá dispensa do impedimento de consanguinidade em linha reta ou no segundo grau da linha colateral”.

(31) 31. (cânon 1078, § 3). Neste caso entra a discussão da consanguinidade, ou seja, não sendo permitido o casamento de pessoas que descendam por via de geração ou por do mesmo tronco familiar, casos de avós e netas, primos, tios, etc. Da mesma forma, há os impedimentos dirimentes especiais, como por exemplo, o cânon 1084, § 1, que diz “A impotência para copular, antecedente e perpétua, absoluta ou relativa, por parte do homem ou da mulher, dirime o matrimônio por sua própria natureza”, diferenciando do direito civil, que a impotência não é considerada impedimento dirimente, mas apenas circunstância que torna o casamento anulável, no artigo 219, III, do código civil. Embora o cânon 1084, § 3, afirma que a esterilidade não proíbe nem dirime o matrimônio..

(32) 32. 2.2 GIANNI VATTIMO E A PERSPECTIVA PÓS-MODERNA. Gianni Vattimo, filósofo italiano, na obra o fim da modernidade, traz à tona a discussão sobre a pós-modernidade. Baseado no pensamento de Nietzsche, na ideia do eterno retorno, do niilismo16, e em Heidegger, com o ultrapassamento da metafísica, e a dissolução do ser17, no qual “a técnica e a produção de mercadorias configuram cada vez mais o meu mundo como um mundo artificial, em que também as necessidades <<naturais>> essenciais, já não se distinguem das demais que são induzidas e manipuladas pela publicidade [...]” (VATTIMO, 1998, p. 21). Traz reflexões sobre as novas condições da existência no mundo industrial tardio, sob a égide da vida “sem história18”, pós-moderno e pós-histórico, no qual se dá o ocaso do Ocidente e do sujeito. Vattimo recebe influencia também de Gadamer, na perspectiva da hermenêutica, ou seja, na interpretação dos fatos. Com o fim (ou a crise) da modernidade, deu-se a dissolução das principais teorias que julgavam ter rechaçado a religião, tais como o positivismo, o historicismo e o marxismo. Como exemplo, podemos verificar o caso do racionalismo ateísta, que, por sua vez, assumira duas formas na modernidade: “a crença na verdade exclusiva da ciência experimental da natureza e a fé no desenvolvimento da história como pressuposto da plena emancipação do homem em relação a qualquer autoridade transcendente” (VATTIMO, 1998, p. 17-18). Em ambos os casos a religião consistia num erro a ser superado. O fato é que tais concepções ou visões de mundo já foram superadas. Não se acredita mais na possibilidade da existência de uma verdade absoluta, ou verdade objetiva, das ciências experimentais, como também de um progresso da. 16. Para Nietzsche, niilismo é a desvalorização dos valores supremos, tradicionais. A dissolução dos critérios absolutos. “É a sua única chance” (VATTIMO, 1996, p.23), bem como a “explícita tomada de consciência de que o ser e a realidade são posições, produto, do sujeito” (1998, p. 20). Para Heidegger, está ligado ao pensamento metafísico. O esquecimento do ser. É “a redução do ser ao valor de troca” (VATTIMO, 1996, p. 05). E sobretudo, “tomar consciência do fim da metafísica” (VATTIMO, 1998, p. 18). 17. O fato do ser está se tornando manobra da engrenagem geral da produção e do consumo. O ser identificado com o dado objetivado, ou seja, produto. “Parece amplamente difundida na cultura do século XX, em que, sob muitas formas, retorna continuamente a espera de um ‘ocaso do Ocidente’, que nos últimos tempos parece particularmente ameaçadora sob a forma da catástrofe atômica” (VATTIMO, 1996, p. IX). 18.

(33) 33. razão para um esclarecimento. A discussão em torno do desencantamento do mundo19, como afirma Vattimo (1998, p. 18) conduziu-nos ao desencantamento da própria noção de desencanto, como também a noção de demitificação, reconhecendo como mito a própria ideia da liquidação do mito20. Sendo assim, o niilismo é característico desta nova condição pós-moderna, uma vez não cabe mais a certeza como possibilidade de conhecimento da realidade, uma vez que não se acredita mais numa verdade única. Desta forma, Vattimo (1998) consolida sua forma de interpretar a realidade a partir da influência destes dois pensadores, a saber, Nietzsche e Heidegger, “sobre o niilismo como ponto de chegada da modernidade, e sobre a consequente tarefa, para o pensamento, de tomar consciência do fim da metafísica” (VATTIMO, 1998, p. 18). Por niilismo, como já assinalamos, consiste por um lado, na desvalorização de valores tradicionais, supremos e absolutos, como por outro, na tomada de consciência de que o mundo é ditado por interesses, por discursos científicos, objetivados, que limitam o ser humano a se conformar em suas leis, separando o sujeito do objeto, e fazendo do sujeito, objeto do objeto, ou melhor, produto de um mundo que deixa de ser verdadeiro para ser uma fábula, como alude Nietzsche. O pensamento toma consciência de que aquilo que é verdadeiramente real, como dizem os positivistas, é o facto <<positivo>>, isto é, o dado verificado pela ciência; mas a verificação é justamente uma atividade do sujeito humano (ainda que não o seja o individual), e a realidade do mundo de que falamos identifica-se com aquilo que é <<produzido>> pela ciência nas suas experiências e pela tecnologia com seus instrumentos. Já não existe um mundo verdadeiro, ou melhor, a verdade reduz-se àquilo que é <<determinado>> pelo homem, ou seja, à <<vontade de poder>> (VATTIMO, 1998, p. 19).. Por metafísica, para Aristóteles, entende-se aquilo que se encontra para além do mundo físico ou da natureza. É a busca por fundamentos, condições, causas ou princípios, sentido e finalidade da realidade. Aristóteles buscou investigar o ser enquanto ser, ocupando-se das questões últimas da existência. Qual o sentido da existência. Acreditava na ideia do motor imóvel, ou seja, existia uma força suprassensível, para além do material, que movia as coisas. Para Platão, em sua 19. Termo cunhado por Max Weber, identificando o mundo moderno como secularizado, sem o encanto da religião, perdido devido o alto grau de racionalização. 20. Importante lembrar que, embora a consciência crítica humana seja formada pelas consciências mítica, religiosa, intuitiva e racional, como nos lembra a filosofia, na busca por compreender a realidade, a dimensão do mito, do imaginário, do simbólico, foi excluído pela racionalidade moderna..

Referências

Documentos relacionados

Diante disso, este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo estudar e apresentar os melhores algoritmos para assimilar os dados da severidade da soja obtidos no campo por

Para configurar la velocidad de apertura coloque la llave PROG en la posición según indicado en la figura abajo, y presione el botón LEARN de acuerdo con la configuración deseada:.

Já outros artigos investigados na área da Psicologia, intitulados Crianças tímidas: aprendizagem da criança tímida e sua relação no aspecto sócio afetivo nos leva

Procurando atender à demanda dos estudantes estrangeiros da Universidade Federal de Lavras (UFLA), desenhou-se um curso preparatório para o exame CELPE-Bras, ainda a ser

8.1 A hosszú távú finanszírozási döntések fobb jellemzoi 173 8.2 A hosszú távú finanszírozási döntések tartalma 174 8.3 Idegen forrás (adósság) és/vagy saját toke 175

Resumo: Este trabalho apresenta os resultados preliminares obtidos por meio do Projeto Sistemas Agroflorestais como alternativa de recuperação de matas ciliares e geração de renda

A mesma alteração na sinalização noradrenérgica foi encontrada nos machos manipulados repetidamente indicando que a estimulação crônica do sistema

Esta autonomia/diferenciação é necessária na medida em que contribui para o desenvolvimento da pessoa enquanto adulto individualizado, permitindo consequentemente