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CAPITULO III – Religião e saúde nos terreiros pesquisados

3. A prática umbandista para a recuperação da saúde

3.2. A Gira de Pajé de Cura

Vários são os processos terapêuticos utilizados pela Umbanda para a recuperação da saúde de alguém, neste tópico vamos tratar da Gira de Pajé de Cura. Nas várias ocasiões em que estivemos no Terreiro B foi possível constar que é um dos dias onde há uma maior concentração de consulentes. Mas de onde vêm estes Caboclos? Quem são eles?

O início de tudo se deu com a religiosidade Tupi, embora várias nações indígenas habitassem o território brasileiro durante os primeiros anos da colonização europeia, nenhum grupo foi tão influenciado pelos portugueses quanto os tupis, que no século XVI dominava quase todo o litoral brasileiro e era formado pelas tribos: Potiguar, Tremembé, Tabajara, Caeté, Tupinambá, Aimoré, Tupiniquim, Temiminó e Carijó. É praticamente impossível tentar reconstruir com detalhes as tradições religiosas e crenças dos tupis na época do descobrimento do Brasil, pois o que sabemos sobre elas deve-se aos relatos feitos por europeus que se estabeleceram aqui no início do período colonial, os quais não se preocuparam em estudar e deixar registros detalhados das mesmas. Porém, o que podemos aprender dos poucos relatos deixados pelos primeiros colonizadores sobre a religiosidade tupi foi que seu ponto central era o culto à natureza deificada ou divinizada. O pajé e o feiticeiro, ou xamã, eram os que

tinham acesso ao mundo dos mortos e dos espíritos da floresta, e geralmente a eles competiam realizar rituais de cura de doenças, expulsarem maus espíritos que se alojavam nos corpos das pessoas e desfazer feitiços mandados pelos inimigos.

Os Caboclos, na Umbanda, são entidades que se apresentam como indígenas e incorporam nos médiuns. Eles, de acordo, com planos pré- estabelecidos na chamada “Espiritualidade Maior”, chegam até nós com alta e sublime missão de desempenhar a tarefa da mais alta importância: “curar”, por serem espíritos muito adiantados e caridosos. Os Caboclos vêm auxiliar na caridade do dia a dia aos nossos irmãos enfermos. Por essa e outras razões, na maior parte dos casos, os Caboclos são escolhidos por Oxalá para serem os Guias-Chefes dos médiuns. Podem ser também índias, caso concreto se dá no Terreiro A onde a Mãe Jandira também recebe a Cabocla Jurema, está entidade é responsável de incorporar nos dias em que são realizados no Terreiro A o descarrego28.

Os caboclos em sua maioria são Velhos (Pajés) são espíritos de muita luz e como tal, assumem a forma de “índios” ou “índias” prestando uma homenagem a esse povo que foi massacrado pelos colonizadores. Tem profundo conhecimento das ervas e seus princípios ativos, e muitas vezes, suas receitas produzem curas inesperadas. Usam em seus trabalhos ervas (folhas) 29 que são passadas, “receitadas” para banho de limpeza e chás para a parte física. Alguns caboclos na Umbanda: Caboclo Pena Branca, Caboclo Humaitá, Caboclo João da Mata, Caboclo Bororó, Caboclo Vira Mundo, Cabocla Araci, Cabocla Jacira, Cabocla Jurema, Cabocla Indaiá, Cabocla Jussara entre tantos outros.

Alguns terreiros em lugar da Gira de Pajé de Cura adotam a denominação “Pajelança”. Trata-se de um ritual terapêutico, onde o pajé reza e fuma ao mesmo tempo, baforando a fumaça do tabaco sobre o corpo doente. Enquanto isto sustenta nas mãos o maracá, cujo ruído assinala a aproximação do espírito. A pajelança é um ato-ritual de cura, levada a cabo por vários pajés de diversas

28

Ritual de limpeza do corpo, sobretudo das doenças (Mãe Jandira, 2012, Terreiro A). 29

tribos. Nestas ocasiões eles se reúnem para fins curativos ou cuidar da realização de um feitiço que beneficie todas as comunidades participantes do evento.

A crença fundamental da pajelança cabocla é assentada na figura do encantamento, ou seja, é um culto a encantaria30. Os pajés servem de

instrumentos para a ação dos encantados. Não é nossa preocupação aqui discutir a relação entre formas diferentes e concorrentes de terapias de curas nas diversas religiões, porém, nos parece oportuno recorrer à citação retirada do clássico: Magia, ciência e religião:

Não existem povos, por mais primitivos que sejam, sem religião nem magia. Assim como não existem, diga-se de passagem, quaisquer raças selvagens que não possuam atitude científica ou ciência, embora esta falha lhes seja freqüentemente imputada. Em todas as sociedades primitivas, estudadas por observadores competentes e de confiança, foram detectadas dois domínios perfeitamente distintos, o sagrado e profano, em outras palavras, o domínio da magia e da religião e o da ciência (Malinowski, 1988,19).

Este posicionamento de Malinowski contém certo pensamento evolucionista e ao mesmo tempo influências da sociologia da religião de E. Durkheim, ao mesmo tempo é um grande avanço em relação às concepções anteriores que tendiam a não reconhecer a presença de um elemento científico nas sociedades tribais.

Em uma de nossas idas ao Terreiro B em uma das Gira de Pajé de Cura, ocasião em que pudemos constatar como os consulentes colocam-se, entregam- se nas mãos do médium incorporado do Orixá (Caboclo ou Cabocla), muito me chamou atenção um garotinho o qual deve ter por volta de uns cinco (cujo registro imagético com consentido pela mãe foi feito por nós), a maneira com que ele sentado em um banquinho em frente à médium incorporada conversa com o Caboclo e ao final permitiu que o mesmo fizesse todo o trabalho de benzimento

30 Refere-seàaà se esà ueà s oà o side adosà o al e teài visíveisà sàpessoasà o u sà eà ueàha ita à oà fu do ,àistoàé,à u aà egi oàa aixoàdaàsupe fí ieàte est e,àsu te eaàouàsu a u ti a,à o he idaà o oàoà

utilizando uma folhagem a qual acompanhada de orações feitas pelo Caboclo foram passadas pelo “pequenino corpinho” dos pés a cabeça por várias vezes, terminando o benzimento o menino correu para a mãe alegre, feliz. No ponto seguinte procuraremos entender as motivações que levaram as pessoas a buscar a cura na Umbanda a partir das entrevistas por nós realizadas.