2.9 CONTROLE DA PROLIFERAÇÃO CELULAR E DA DIFERENCIAÇÃO
2.9.1 GJIC e carcinogênese
Na ausência de processos patológicos, a proliferação das células é um
processo estritamente controlado em todos os órgãos. A capacidade das células de
proliferar é freqüentemente relacionada à sua capacidade de se diferenciar ou de
expressar marcadores de diferenciação. No caso da pele, por exemplo, a renovação
das células se faz por multiplicação de células tronco que se diferenciam, perdendo
progressivamente, sua capacidade de proliferação. Nas células cancerosas, este
equilíbrio entre proliferação e diferenciação está rompido.
A carcinogênese é um processo multi-estágio: na etapa de iniciação,
alterações genéticas se acumulam progressivamente em uma célula até que ela
adquira um conjunto completo de genes modificados (cinco a seis genes alterados)
conduzindo à expressão do fenótipo maligno, em seguida, a etapa de progressão
resulta na expansão clonal de células iniciadas. Quando estes grupos de células
adquirem alterações genéticas suficientes, elas se tornam neoplásicas e adquirem
um comportamento de independência e de invasividade originando metástases. Os
genes modificados freqüentemente encontrados nos diferentes cânceres humanos
estão em geral implicados no controle da proliferação celular, por exemplo, o p53 e o
ras. Além destes genes convencionais implicados no controle do ciclo celular de células individuais, existe um segundo grupo de genes de controle da proliferação
celular que intervém no quadro de harmonização do comportamento proliferativo de
implicadas nos processos de reconhecimento e de comunicação intercelular com as
moléculas de adesão celular ou as Cx.
As primeiras observações sobre a implicação da CIJG na carcinogênese
foram obtidas por Loewenstein e Kanno, 1966, que observaram que as células
cancerosas apresentavam decréscimo da capacidade de comunicação intercelular
em relação às células normais. Estas observações foram mais tarde confirmadas em
tecidos cancerosos ou linhagens celulares estabelecidas a partir de célula tumorais
ou por transformação de células tumorais. Da mesma forma foi mostrado que a
comunicação juncional entre as células tumorais (comunicação homóloga) ou entre
células tumorais e células normais (comunicação heteróloga) está geralmente
diminuída ou interrompida. Isto foi observado tanto in vivo quanto in vitro
(KRUTOVSKIKH et al., 1991; YAMASAKI, 1990). Yamasaki et al. (1990) mostraram
que a restituição da capacidade de comunicação reverte o fenótipo canceroso de
certas linhagens celulares. Sabe-se atualmente que a diminuição da CIJG em
células tumorais pode ser devida a uma perda de expressão das conexinas ou a sua
localização aberrante (FITZGERALD et al., 1989; KRUTOVSKIKH et al., 1994; LEE
et al., 1991). A presença das JG protege as células de um desenvolvimento
anárquico. Numerosos outros argumentos mantêm esta hipótese tais como:
A adição de agentes promotores de tumor como o TPA;
A expressão de oncogenes como o src, o antígene T de SV40, ras; e inversamente o fato de que:
A adição de agentes anit-tumorais ou quimiopreventivo (retinóides, glicocorticóides, AMPc, flavonóides, compostos do chá verde) estimulam a GJIC (YAMASAKI, 1990; YAMASAKI et al., 1996).
O restabelecimento da comunicação via JG em linhagens celulares com
comunicação deficiente, consecutivamente a transfecção de cDNA de Cx, é
freqüentemente correlacionada inversamente com o nível de proliferação destas
células; a observação inversa é feita no caso da inibição da CIJG pelo bloqueio da
expressão de Cx endógena.
De maneira interessante, na maioria dos casos estudados até hoje, não foram
encontradas mutações nos genes das conexinas nos tecidos cancerosos, com
exceção de uma mutação do gene da Cx32 em neoplasma hepático de rato
quimicamente induzido, levando a uma localização aberrante da Cx (YAMASAKI et
al., 1995). Além de mutações silenciosas no gene da Cx43 em linhagens de células
de carcinoma de rato Lewis e uma mutação no gene da Cx43 em câncer de cólon
(DUBINA et al., 2002) foram observadas. Nenhuma mutação do gene da Cx37 foi
observada entre os angiosarcomas hepáticos humanos expostos ao cloreto de vinil,
adenocarcinomas pulmonares ou carcinomas esporádicos de mama
(KRUTOVSKIKH et al., 1996; SAITO et al., 1997).
Devido à ausência de mutações nos genes das conexinas nos cânceres, as
conexinas foram classificadas como genes supressores de tumores do tipo II
após estudos de hibridização subtrativa em células de carcinoma mamário (LEE et
al., 1991). Diferentemente dos genes supressores de tumores, como é o caso do
p53 que é freqüentemente encontrado mutado, nesta classificação encontram-se as
proteínas cuja presença é importante para a manutenção da homeostasia, porém
nenhuma mutação importante foi descrita.
Na maioria dos tumores, a localização aberrante das conexinas tem sido
descrita. Esta perda na GJIC em células tumorais foi primeiro descrito por
células cancerosas perdem ou apresentam diminuída capacidade de GJIC (LEE et
al., 1992; NEI et al., 1999; SAITO et al., 1998). Recentemente, Nishimura et al.
(2003) mostraram que células tumorais que apresentavam conexinas anormalmente
localizadas estavam diretamente ligadas a expressão da caderina E. A caderina E é
uma molécula de adesão dependente de Ca+2 que, associada com α, β, e γ catenina, constituem a principal componente das junções aderentes nos vertebrados e esta
combinação é essencial para o estabelecimento do contato físico célula com célula
(NEI et al., 1999). Nishimura et al. (2003), mostraram que a expressão da caderina E
é down-regulated na célula através de ilhas de metilação 5’CpG, que indiretamente
provoca a supressão da capacidade de comunicação entre as células via conexinas
em células de carcinoma endometrial.
A anomalia da comunicação intercelular via JG observada nos cânceres,
também permitiu elaborar novas terapias com o objetivo de bloquear a formação de
tumores. Uma técnica direta consistiria em expressar os genes das Cx por
transgênese nas células tumorais com a finalidade de restabelecer a comunicação
com as células normais e assim, tentar reverter o fenótipo maligno. Outra opção
seria a de explorar a faculdade de determinadas células cancerosas de se
comunicarem entre si, mas não com as células normais. Dessa forma, pode-se
injetar diretamente no tumor uma substância tóxica que se limitaria a eliminar esta
população em particular.
Uma variante desta técnica, que não é explorada diretamente, é a técnica
conhecida como “efeito bystander” (ou efeito de proximidade). Esta técnica consiste
em expressar especificamente nas células cancerosas o gene que codifica para a
timidina cinase (tk-HSV). Esta enzima, de origem viral, permite a fosforilação do
ganciclovir fosforilado no material genético para a replicação do DNA e conduz à
morte celular. Se as células tumorais são forçadas a se comunicar entre si (graças à
expressão de uma Cx alvo, por exemplo), o ganciclovir fosforilado se difundirá de
uma célula a outra e levará a morte um grande número de células tumorais,
compreendendo mesmo as células que não expressam a tk (MESNIL et al., 1996;
YAMASAKI; KATOH, 1988). Assim, estudos in vitro têm mostrado que em uma
população de células HeLa, entre as quais apenas 10% das células incorporaram o
gene da timidina quinase, a expressão concomitante da Cx43 (ou da Cx26), permitiu
a eliminação da população toda após a adição do ganciclovir (MESNIL et al., 1997).
Há relatos da utilização desta técnica in vivo (DUFLOT-DANCER et al., 1998),
porém, sua utilização no homem ainda está distante de ser utilizada devido à
escassez de vetores que possam levar os trans-genes necessários a células
específicas.