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Globalização e as religiões de matriz africana no Brasil

CAPÍTULO 1. URBANIZAÇÃO E TERRITORIALIDADE

1.2 Territorialidade e terreiros de Candomblé

1.2.1 Globalização e as religiões de matriz africana no Brasil

A maioria dos países oriundos da expansão colonial europeia não foi capaz de dar origem a elites multiculturais, em que os interesses do conjunto da população fossem viabilizados. O ambiente de integração puramente financeira guiado pelo consenso neoliberal sob o nome de “globalização” está muito distante de uma mundialização que compreendesse uma livre circulação de capital e trabalho (MUNANGA, 2004, p. 101).

Para Milton Santos (2009, p. 142-143),

Para a maior parte da humanidade, o processo de globalização acaba tendo, direta ou indiretamente, influência sobre todos os aspectos da existência: a vida econômica, a vida cultural, as relações interpessoais e a própria subjetividade. Ele não se verifica de modo homogêneo, tanto em extensão quanto em profundidade, e o próprio fato de que seja criador de escassez é um dos motivos da impossibilidade da homogeneização. Os indivíduos não são igualmente atingidos por esse fenômeno, cuja difusão encontra obstáculos na diversidade das pessoas e na diversidade dos lugares.

Muitos poderão dizer: “Por que tratar do tema globalização em uma questão de religiosidade africana como o Candomblé?” Pois é justamente aí que se enganam. Ao globalizar, globaliza-se tudo. Cultura, trabalho, conhecimento, arte e também a religião, a qual tem sido um tema discursivo vigente entre os Estados, tanto nas delimitações dos territórios, dos embargos comerciais, da quebra de divisas e diplomacias, como nas alterações de tratados. Desse modo, temas como o das religiões já não devem ser vistos de maneira secundária em qualquer debate relativo à educação, saúde, política ou tecnologia.

Pelo contrário, estas temáticas cada vez mais se tornam incidentes em debates sociais, nas questões relativas à regulação social, ao papel dos estados e a definição de políticas públicas. Nesse sentido, Said (2005) discute o papel dos intelectuais nessa realidade da globalização:

Aqui, o pensamento corporativo não transformou os intelectuais nas mentes céticas e inquisidoras que venho descrevendo. Indivíduos que representam não o consenso, mas dúvidas racionais, morais e políticas sobre essa

questão, isso para não falar nos aspectos metodológicos. Trata-se antes de um coro que repete a visão política preponderante, instigando-a a aderir a um pensamento mais corporativo e, gradativamente, a uma ideia cada vez mais irracional de que ‘nós’ estamos sendo ameaçados por ‘eles’. O resultado é a intolerância e o medo, em vez da busca do conhecimento e do sentido da comunidade. [...]. Nos dias atuais, uma questão de grande importância para o intelectual é saber como lidar com esse problema (SAID, 2005, p. 43).

No mundo global, é fundamental que os intelectuais tenham uma formação com interações às questões como religiões ou conflitos religiosos no mundo. É indispensável que saibam ou entendam de problemas também globais como o fundamentalismo, o radicalismo, a intolerância e o intervencionismo. Se não entendermos ou estudarmos isso, somente poderemos dizer de maneira genérica “sou contra” ou “sou a favor”, e nunca ou quase nunca “o porquê” ou os interesses, as causas do conflito, o que é muito importante sabermos, quando se trata da formação intelectual do indivíduo em busca do conhecimento para suas práticas de ações futuras.

Como diz o geógrafo Milton Santos (2009, p. 81):

Hoje, com a globalização, pode-se dizer que a totalidade da superfície da terra é compartimentada, não apenas pela ação direta do homem, mas também pela sua presença política. Nenhuma fração do planeta escapa a essa influência. [...] Com a globalização, todo e qualquer pedaço da superfície da terra se torna funcional às necessidades, usos e apetites de Estados e empresas nesta fase da história.

Voltamos a nos referir às discussões sobre os temas religião e globalização porque, na análise dos temas religiosos, dificilmente estão inseridas as religiões de matriz africana. É necessário que quebremos esse paradigma do quanto e como a religião faz parte da cultura, da arte, da música, dos hábitos e costumes da sociedade global. Talvez possamos ver, em breve, as religiões de matriz africana tão respeitadas como todas as outras, não ficando à margem do processo de globalização e respeitabilidade, com ideias, crenças e indivíduos com liberdade de pensar e de ser no universo, na intelectualidade ou no saber oral tradicional.

A proposta de Said (2005, p. 41) aproxima-se dessa proposta, pois defende que “os intelectuais deixassem de pensar em termos de paixões coletivas e se concentrassem em valores transcendentais, ou seja, nos valores universalmente aplicáveis a todos os povos e nações [...]”. Ou ainda como propõe Said (2005, p.

43): “Nos dias atuais uma questão de grande importância para o intelectual é saber como lidar com esse problema”.

Há séculos os pensadores, intelectuais, escritores e também os tecnólogos socializam seus conhecimentos para que a sociedade – ou comunidade – se inclua a intelectuais ou intelectuais orgânicos. Como as comunidades se sentem protegidas e respeitadas, mesmo não fazendo parte de uma mídia ou de um ciberespaço, sentem-se integradas ao globo, no qual tudo e todos são planetários. Essa visão

dramática da história coincide com a de Said (2005), para quem a própria realidade social está dividida entre os que governam e os que são por eles governados.

Penso que a escolha mais importante com que se depara o intelectual é aliar-se à estabilidade dos vencedores e governantes ou – o caminho mais difícil – considerar essa estabilidade um estado de emergência que ameaça os menos afortunados com o perigo da extinção completa e levar em conta a experiência da própria subordinação, bem como a memória de vozes e pessoas esquecidas (SAID, 2005, p. 43).

Assim as comunidades globais poderão caminhar juntamente com os avanços técnicos, científicos e tecnológicos, em um desenvolvimento intelectual em conformidade com os avanços do processo contemporâneo de produção e conhecimento.