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CAPÍTULO 4. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS REALIZADAS

4.2 Sobre o uso da internet nos terreiros de Candomblé

Considerando que a questão do uso da internet nos terreiros de Candomblé se apresentou como sendo uma questão central na análise deste estudo, observamos que os atores, que são representantes do Candomblé e possuem cargos de grande hierarquia dentro dos terreiros, de forma geral não consideram que o uso da internet seja adequado dentro da religião. Em geral, justificam suas preocupações a partir dos pressupostos históricos da religião e de seus dogmas, a

importância da tradição, da hierarquização e da oralidade. Em muitos momentos, o que se observou é que os adeptos do Candomblé que foram entrevistados neste estudo rechaçaram os outros fiéis que utilizam esta tecnologia para publicizar de uma ou de outra forma a religião. No mesmo sentido, vê-se que os adeptos reconhecem a importância do uso da internet, mas acreditam que esta tecnologia pode ser utilizada para “outros fins” que não para destacar a religião e as suas especificidades.

Neste sentido, observou-se que as falas dos atores, considerando minha representação e inserção na pesquisa, por ser pesquisadora/Iyalorisà, os adeptos problematizaram questões importantes ao destacar o “uso da internet” que, conforme dito, está relacionado, de forma direta, com questões que estes consideram “essenciais dentro da religião”, ligadas, sobretudo, aos valores tradicionais, isso de forma mais constante e direta durante as entrevistas.

Destaca-se que os adeptos foram respondendo às questões propostas dentro do roteiro da pesquisa sempre dialogando de forma tranquila como sendo uma conversa informal comigo pesquisadora justamente porque havia uma identidade religiosa entre os adeptos do Candomblé e eu. Ou seja, muitas vezes, os conteúdos expressos nas falas evidenciavam questões privilegiadas sobre a religião considerando que também possuo um cargo de hierarquia no Candomblé.

Vejamos, a título de exemplo, o que os adeptos do Candomblé da Nação Bantu consideraram sobre o uso da internet. Vê-se que a resposta da Iyalorisà para o não uso da internet está diretamente ligada com as suas divindades: os Orisàs.

Entrevistadora: O que a Sra. acha da internet no Candomblé?

Mãe Eluá – Nação Bantu: Eu acho que não tem a ver com os orisàs. De repente, eu estou fora, mas eu acho...

Entrevistadora: Por quê?

Mãe Eluá – Nação Bantu: Porque eu acho que a raiz de Angola, ela é segredo, é mistério. E eu acredito que a internet expõe a verdadeira beleza do orisà, que é o segredo (Entrevistada: Iyalorisà Eluá – Nação Bantu).

Sobre a utilização da internet nos terreiros Mãe Eluá continua:

Entrevistadora: O que acha da utilização da internet nos terreiros? Mãe Eluá – Nação Bantu: É mesma coisa.

Entrevistadora: Como a internet pode ajudar e no que ela pode atrapalhar? Mãe Eluá – Nação Bantu: Então, a mim eu acredito que não me ajuda em nada e também não atrapalha em nada. De repente a utilidade que não tem pra mim, tem para outros zeladores.

Observou-se na fala da Iyalorisà da Nação Bantu que a internet não lhe ajuda em relação aos espaços religiosos. É, no dizer dela, como sendo “nula”, mas também não atrapalha, contudo ela explicita que para outros zeladores (Iyalorisàs e Babalorisàs) de Candomblé o uso da internet pode ser diferente.

No mesmo sentido, quando observamos as falas dos adeptos do Candomblé da Nação Ketu, vê-se que quando questionamos sobre o uso da internet, a Iyalorisà afirma ser “totalmente contra”. Ela acredita que o Candomblé, historicamente, não precisou de internet, sobretudo quando destacou a história de seus ancestrais. Vejamos trechos que exemplificam:

Pesquisadora: O que a Sra. acha da internet?

Mãe Vanda – Nação Ketu: Eu sou totalmente contra. O candomblé, nossa religião, é uma religião de matriz africana, ela não precisou de internet. Que os nossos ancestrais não conheceram nem a internet, nem televisão, então. E nunca existiu briga, a nossa briga é dos nossos mais velhos que hoje são os nossos ancestrais passando o conhecimento de pai pra filho, de filho pra sobrinho, pra neto e aí seguia de irmão pra irmão (Mãe Vanda. Nação Ketu).

No mesmo caminho, o entrevistado da Nação Jêje destacou não ser contrário ao uso da internet de forma geral, mas fez críticas sobre o uso da internet no Candomblé, sobretudo no que diz respeito aos ritos que para os religiosos são considerados sagrados e, por isso, devem ser preservados.

Diz o Babalorisà:

[...] nesse caso ajuda, eu não uso [internet], mas eu não proíbo e nem sou contra que se use, é natural que se use. Agora, usar de maneira honesta e religiosa. Porque tudo o que acontece no abassá é público, agora o que acontece no quarto de santo é secreto. O que a gente chama de santo em português, o que acontece no roncó, o que acontece no rondeime, o que acontece no baquissô, isso é segredo sagrado e não adianta eu perguntar a você qual é o material que você usou para iniciar alguém porque o básico são iguais, mas tem o que completa. Então eu não vou dizer a ninguém, a não ser o povo da minha etnia, qual é o material que se completa para iniciar alguém no Jêje (Babalorisà Marcelino Gomes de Jesus. Nação Jêje).

Já em relação ao uso da internet, o entrevistado considera que há questões positivas para os terreiros de Candomblé porque serviria para divulgar a própria existência do espaço e a existência da religião. Porém, percebeu-se um cuidado por parte dele quando apresentou uma preocupação com os critérios escolhidos para divulgar informações sobre os espaços religiosos e a religião, com os conteúdos

selecionados para a divulgação sobre os mesmos e com o público que fora direcionado à divulgação sobre os espaços religiosos e a tradição do Candomblé.

Vejamos trechos que destacam a questão explicitada pelo Ogã da Nação Bantu. “E a internet, digamos, serve para a gente divulgar que existimos, mas teria

que ter critérios pra isso, teria que ser [...] pensar no que divulgar, pra que divulgar e pra quem divulgar” (Ogã Carlos Roberto Leite. Nação Bantu).

Da mesma forma que problematizamos “o uso da internet” nos terreiros indagamos também sobre o “uso dos e-mails” de forma especial. Sobre esta questão, observou-se que pessoas que são adeptas dos espaços religiosos utilizam

e-mail, mas, segundo os atores, não é para fins de divulgação da religião.

A Iyalorisà da Nação Bantu não acessa o seu e-mail e não possui e-mail. Já o Ogã Carlos, também da Nação Bantu, informa que tem sim e-mail. Ele troca e-mails com pessoas ligadas à cultura afro, professores e trocam informações. Diz: “Eu tenho. Quem acessa, são bastantes pessoas. Tem um pessoal ligado à

cultura afro, tem bastante professores que trocamos informações constante, que divulgamos” (Ogã Carlos Roberto Leite. Nação Bantu).

Sobre utilizar e-mail o Babalorisà da Nação Jêje informa que não faz uso dessa forma de comunicação.

Eu não [uso e-mail] pro terreiro até agora não. Não, eu ainda não utilizo e- mail para as minhas atividades religiosas. Ah, sim, na minha fundação sim, na minha fundação cultural sim. Eu não uso ainda religiosamente (Toté [Babalorisà] Marcelino Gomes de Jesus. Nação Jêje).

Ainda sobre a utilização da internet, Mãe Vanda, da Nação Ketu, considera como sendo errado usar essa tecnologia na divulgação da religião. No dizer dela, seria como “vender segredos da religião”. Vejamos o trecho que explicita este debate:

Pesquisadora: O que a Sra. acha da utilização da internet aqui nos terreiros?

Mãe Vanda – Nação Ketu: Errado, não precisa disso. Aí é vender segredos da nossa religião e são coisas que não podem ser vendidas. Tem que ser preservada, respeitadas para que esses encantos não venham a quebrar a força dos encantos.

Mesmo com as críticas ao uso da internet nos terreiros de Candomblé, na forma de divulgação da religião, as adeptas admitem que haja espaços religiosos do

Candomblé que utilizam a tecnologia da internet. Vejamos o depoimento da Ekedi Vilma – Nação Ketu:

Ekedi Vilma – Nação Ketu: Tem uma Mãe de Santo aí, que eu não vou citar o nome, que diz aos iaôs todos ir pra internet e coloca a obrigação na internet...

Mãe Vanda – Nação Ketu: Não tem jogo de búzios na internet?... chegou uma pessoa aqui, essa pessoa chegou revoltada e falando se eu já tinha visto... obrigação, fazendo iaô e sendo filmado e mostrando na internet... Ekedi Vilma – Nação Ketu: É nome de iaô na internet, é tudo. Por isso que aqui nós não aceitamos esse negócio, nem fotografia...

Mãe Vanda – Nação Ketu: Mas a minha Mãe de Santo não aceitava esse tipo de coisas, mas isso eu lhe digo e dou bronca. Você já leu um livro do Pierre Verger?

Entrevistadora: Já.

Ekedi Vilma – Nação Ketu: Quem começou com essa esculhambação? O

precursor de tudo isso foi ele, realmente, o primeiro livro a nível nacional e depois internacional com fotos de iaôs, obrigação na cabeça. Aí começou a disputa, cada um quer mostrar mais, mais, mais e mais. Chegou ao ponto do ridículo, que é mostrar segredos.

Ekedi Vilma continua problematizando o uso da internet nos terreiros de Candomblé fazendo relação com outras igrejas que não têm seus ritos publicizados na internet:

Ekedi Vilma – Nação Ketu: Você já viu alguma coisa de maçons na internet?

Entrevistadora: Então.

Ekedi Vilma – Nação Ketu: Por que que a nossa tem que ser?

Mãe Vanilda – Nação Ketu: Não se localiza porque é uma sociedade fechada.

Ekedi Vilma – Nação Ketu: Você passa na rua e você não sabe dizer, aí tem uma maçonaria [...], ninguém sabe onde eles se encontram, ninguém sabe de nada!

Entrevistadora: E por que as nossas coisas são tratadas assim?

Ekedi Vilma – Nação Ketu: Você sabe o segredo de padre ou de freira? Eles têm, eles têm uma concentração aí na missa que parece que eles recebe alguma coisa. Ele conta? De jeito nenhum. E tem vários lugares que tem proibida a entrada de pessoas estranhas, que tal?

Continua:

Ekedi Vilma – Nação Ketu: Independente de internet e tudo, vaidade, vaidade, um querendo aparecer mais do que o outro, aí foi essa disputa. Vaidade. E é aquilo que nós falamos antes, venda, dinheiro, é usado na internet. Pai de Santo ou Mãe de Santo famosa que sabe muito, muito, aí pra leigos de dinheiro procura e aí botam seus terreiros com brilhos [...] como a gente estava falando aquela hora no barracão. Cheio de glamour. E nós somos senzala...

Ainda sobre o uso da internet, pelo que se observou na fala anterior alguns espaços religiosos se utilizam da internet para fazer divulgação e atrair fiéis com dinheiro para transformar os terreiros em espaços de “brilhos” e “cheios de glamour” (Ekedi Vilma) enquanto que os outros terreiros que manteriam a forma tradicional de atuação, no dizer da Ekedi seriam a “senzala” (que para a tradição significa compromisso, renúncia). Ou seja, pelo que interpretamos na fala da Ekedi, esses espaços vivem de forma bastante simples, mas tradicionais.

Ainda, da Nação Ketu, de acordo com a Mãe Vanda a internet não ajuda e só prejudica no caso especial das religiões de matriz africana.

Pesquisadora: Como a internet pode ajudar? Mãe Vanda - Nação Ketu: A internet só prejudica. Pesquisadora: No que ela pode atrapalhar?

Mãe Vanda - Nação Ketu: Em tudo na nossa religião. Ela funciona bem para outras coisas, mas na nossa religião de matriz africana ela só atrapalha.

Esse terreiro da Nação Ketu não utiliza a internet para fins da religião.

Pesquisadora: Como o seu terreiro tem utilizado essa ferramenta? Ekedi Vilma - Nação Ketu: Da internet? Não utilizamos.

Pesquisadora: Quem acessa o seu e-mail? Tem e-mail?

Ekedi Vilma - Nação Ketu: Aqui tem, mas não se usa pra isso, só se usa para o trabalho social [projeto social desenvolvido pelo terreiro]. Para comunicação do trabalho social que é desenvolvido aqui neste terreiro. Mas pra nada da religião de Matriz Africana. Nada de fundamento. Quem utiliza [a internet] é o meu neto.

Pela fala da entrevistada, vê-se que o espaço religioso só utiliza o e-mail para fins de trabalho social e, no dizer dela, não há divulgações que versem sobre a religião de matriz africana. Contudo, é mister destacar que o terreiro da Nação Ketu possui sim computador, mas conforme ressaltado é para comunicação do trabalho social que é desenvolvido pelo terreiro.

Considerando que o terreiro Bantu desta amostra não possui computador, os seus membros entrevistados também não utilizam internet ou possuem banda larga:

Pesquisadora: O Ilê possui computador? Mãe Eluá: Não.

Ogã Carlos: Da roça [terreiro], não.

Ainda sobre a internet, vê-se que o Ilê da Nação Ketu está na preparação de um site, não possui blog ou Twitter. A Ekedi ainda afirmou que seu filho usa a

internet no dia a dia, e Mãe Vanda informa que o uso da internet no Ilê é mais para a parte social (para convites de festas, contatos sobre projetos etc.).

Pesquisadora: Possui e-mail? Possui site?

Ekedi Vilma – Nação Ketu: Estão preparando o site. Pesquisadora: Possui blog?

Mãe Vanda – Nação Ketu: Não. Pesquisadora: Possui twitter? Mãe Vanda – Nação Ketu: Não.

Pesquisadora: Possui outras formas de uso da internet?

Ekedi Vilma – Nação Ketu: O meu filho, no caso, usa várias formas da internet, mas sempre para lida no dia a dia.

Mãe Vanda – Nação Ketu: A parte social.