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A educação, por meio de políticas educacionais, também é afetada pelos impactos da globalização hegemônica pautada numa ideologia neoliberal que é efetivada por organizações bilaterais, multilaterais e internacionais que impõem uma agenda educacional que privilegia políticas de avaliação, financiamento, padrões, formação de professores, currículo, instrução e testes (Burbules; Torres, 2004).

No entanto, como já destaquei, os impactos da globalização na educação variam de país para país segundo sua posição na ordem econômica: país central (impactos menores) ou periférico e semiperiférico (impactos maiores). Assim, buscando exemplificar essa diferenciação dos impactos nos países, Burbules e Torres (ibid.) destacam que do ponto de vista econômico, as pressões impostas externamente (como as condições para empréstimos do FMI) em alguns países poderão levar a reduções brutais nos gastos com a educação; em outros contextos, o desejo por maior competitividade e produtividade poderá levar a maiores gastos com a educação.

Do ponto de vista político, alguns contextos irão organizar a educação em

torno de uma concepção revitalizada de nacionalismo e lealdade do cidadão; em outros, uma noção de cidadania cosmopolita pode prevalecer, encorajando viagens, estudo de línguas estrangeiras e tolerância multicultural. E, do ponto de vista

cultural, algumas nações irão aceitar, e até encorajar, uma confiança maior na mídia,

na cultura popular, ou novas formas de comunicação e informática, como uma possibilidade de se localizarem no mundo global; já outras nações mostrarão resistência e suspeição às influências externas.

Dessa forma, as principais conseqüências da globalização hegemônica para as políticas educacionais são promovidas por fatores econômicos, políticos e culturais, já anunciados no item anterior.

Nessa direção, Burbules e Torres (ibid.) destacam algumas influências do setor econômico nas políticas educacionais. Num sentido específico, a educação profissional deverá rever a formação do futuro trabalhador atendendo e adequando- se às mudanças nesse setor como, por exemplo, reconsiderando a sua missão à luz de mercados instáveis, com vista a um novo ambiente de trabalho, ou seja, pós-

fordista, buscando novas habilidades e a flexibilidade de adaptação às novas demandas do trabalho, lidando com uma mão-de-obra internacional e cada vez mais competitiva. Num sentido mais amplo, alguns efeitos perpassam a organização e a captação de recursos para todos os níveis educacionais, principalmente das escolas públicas que contam, agora, com um Estado neoliberal que busca apenas regular e gerenciar e, não mais investir e prover recursos.

Os efeitos econômicos mais amplos da globalização tendem a forçar políticas educacionais nacionais em uma estrutura neoliberal que enfatiza impostos mais baixos; redução do setor estatal e “fazer mais com menos”; aproximação das abordagens de mercado às escolhas escolares (particularmente por meio de vales); administração racional de organizações escolares; avaliação de desempenho (testes); e desregulamentação para encorajar novos provedores (incluindo provedores on line) de serviços educacionais (BURBULES; TORRES, 2004, p. 23).

Com relação às influências políticas da globalização, os autores destacam uma nova função da educação resultante das possibilidades de mobilidade global, das comunicações globais, do cidadão do mundo. Nesse sentido, a educação deve contribuir com reflexões acerca de questões locais que agora se tornam mundiais como conflitos, crimes, terrorismos, questões ambientais, enfim, a educação estaria contribuindo no sentido da globalização contra-hegemônica, contribuindo para a construção de uma consciência que “[...] pode ajudar a produzir uma concepção crítica de educação exigida pela ‘cidadania mundial’” (id. ibid., p. 23).

Seguindo esse raciocínio, as questões culturais também irão fornecer novos desafios às políticas educacionais como, por exemplo, a questão da multiculturalidade, uma realidade incontestável que não permite mais ser negada ou ignorada. Essa situação impõe às políticas educacionais novos desafios como, por exemplo, os questionamentos levantados por Burbules e Torres (ibid., p. 23):

De que maneira o discurso do pluralismo liberal – que tem sido o modelo dominante para a educação multicultural em sociedades desenvolvidas que estão aprendendo a conviver com outras, dentro de um modelo de tolerância e respeito mútuos – estende-se a uma ordem global em que o leque de diferenças torna-se mais amplo, o senso de interdependência e interesse comum mais atenuado, os fundamentos da afiliação mais abstratos e indiretos (se existirem de fato)? Com as crescentes pressões globais sobre as culturas locais,

será papel da educação ajudar a preservá-las? De que maneira a educação deveria preparar os estudantes para lidarem com elementos de conflitos locais, regionais, nacionais e transnacionais, à medida que culturas e tradições, cujas histórias de antagonismo podem ter sido mantidas parcialmente suspensas por Estados- nação fortes e poderosos, se desintegram, quando essas instituições perdem um pouco de sua força e legitimidade? Até que ponto a educação pode ajudar a sustentar a construção do self e, em um nível mais geral, a constituição de identidades?

Essas questões demonstram que a globalização oferece à educação uma nova realidade que precisa ser levada em consideração na elaboração e definição das políticas educacionais. Nesse novo contexto, a multiculturalidade passa a ser uma questão central que deve ser pensada e analisada na formulação dessas políticas. A educação não pode mais restringir-se apenas às necessidades locais e individuais dos alunos, mas deve formar pessoas para viverem num mundo global, além da sua própria comunidade. Assim, os objetivos educacionais vão em direção à flexibilidade e adaptabilidade, à aprender a coexistir com o outro em espaços públicos diversos (carregados de conflitos) e à ajudar a formar e sustentar um senso de identidade que possa permanecer viável dentro de contextos múltiplos de afiliação.

Em síntese, busquei demonstrar, até o momento, em linhas gerais, as influências da globalização hegemônica para a educação, a qual ocorre, principalmente, por meio da influência dos organismos internacionais que pressionam a aceitação de “recomendações” nas políticas educacionais nacionais como condição para que continuem participando do mercado mundial e recebendo financiamentos das agências bilaterais, multilaterais e transnacionais.

Assim, compartilho das idéias de Dale78 (apud Cortesão; Stoer, 2005) a respeito dos efeitos da globalização sobre as políticas educacionais. Segundo ele, é possível identificar três grandes efeitos: a) o lócus das políticas educacionais é externo; b) seu âmbito abrange quer os objetivos das políticas (neoliberais) quer os processos da política educativa; c) sua origem não pode ser encontrada em qualquer Estado-nação, mas, somente, nos países centrais.

78 Refere-se à obra: DALE, Roger. Specifying Globalization effects on national policy: a focus on the

Esses efeitos, por sua vez, são gerados por diversos mecanismos como: a intervenção das organizações internacionais e a normalização dos planejamentos educacionais, existentes desde as décadas de 1950/60. Todavia, há outros mecanismos mais recentes: a “harmonização”; a “disseminação” (por exemplo, de prioridades impostas pela OCDE); a “estandardização” (como as ações da UNESCO acerca dos Direitos Humanos); a “implantação de interdependência” (principalmente as ações de ONGs79) e a “imposição” (medidas obrigatórias associadas a empréstimos para a educação pelo Banco Mundial) (Cortesão; Stoer, 2005, p. 380).

Dessa forma, destaco alguns eventos realizados nos últimos anos que exemplificam como as políticas educacionais nacionais são determinadas pelos organismos internacionais por meio de acordos mundiais. Buscando demonstrar quais assuntos foram importantes no período de 1990 a 2005, assuntos que “estavam na ordem do dia” nas discussões internacionais sobre educação, selecionei alguns acordos que enfatizam uma grande atenção à diversidade e às diferenças, realçando a necessidade de situar as questões multiculturais como ponto central nas políticas educacionais.

Nesse sentido, considero como primeiro evento importante a ser destacado, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, ocorrida em Jomtien, na Tailândia, em 1990, na qual os países participantes (num total de 183) assinaram a

Declaração Mundial sobre Educação para Todos - Satisfação das Necessidades

Básicas de Aprendizagem. Logo no artigo 1, que trata dos objetivos da Declaração, o documento estabelece que todos devem estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem com respeito às diferenças culturais, de classe social, de religião, assegurando o respeito e a valorização cultural. Em seguida esclarece:

2. A satisfação dessas necessidades confere aos membros de uma sociedade a possibilidade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de respeitar e desenvolver a sua herança cultural, lingüística e espiritual, de promover a educação de outros, de defender a causa da justiça social, de proteger o meio-ambiente e de ser tolerante com os sistemas sociais, políticos e religiosos que difiram dos seus, assegurando respeito aos valores humanistas e aos direitos humanos comumente aceitos, bem como de trabalhar pela paz e pela solidariedade internacionais em um mundo interdependente.

3. Outro objetivo, não menos fundamental, do desenvolvimento da educação, é o enriquecimento dos valores culturais e morais comuns. É nesses valores que os indivíduos e a sociedade encontram sua identidade e sua dignidade (UNESCO, 1990, p. 2).

No artigo 3, que trata da universalização do acesso à educação e promoção da eqüidade, a questão do gênero é destacada como a prioridade mais urgente, a garantia de acesso à educação para meninas e mulheres no sentido de superar os obstáculos que impedem que elas participem ativamente do processo educativo. Assim, define que os preconceitos e estereótipos de qualquer natureza devem ser eliminados da educação. Além disso, ressalta o respeito às diferenças como um compromisso efetivo que deve ser assumido para a superação das disparidades educacionais.

4. Um compromisso efetivo para superar as disparidades educacionais deve ser assumido. Os grupos excluídos – os pobres; os meninos e meninas de rua ou trabalhadores; as populações das periferias urbanas e zonas rurais; os nômades e os trabalhadores migrantes; os povos indígenas; as minorias étnicas, raciais e lingüísticas; os refugiados; os deslocados pela guerra; e os povos submetidos a um regime de ocupação – não devem sofrer qualquer tipo de discriminação no acesso às oportunidades educacionais (id, ibid., p. 3).

Com relação aos professores, no artigo 7 é destacada a importância do fortalecimento de alianças para o desenvolvimento da educação. O documento ressalta que são necessárias novas e crescentes articulações e alianças em todos os níveis, inclusive entre todos os subsetores e formas de educação, reconhecendo o papel especial dos professores, dos administradores e do pessoal que trabalha em educação, entre outras. Também salienta a importância de melhorias urgentes nas condições de trabalho e a situação social do pessoal docente de todos os países signatários da Recomendação Relativa à Situação do Pessoal Docente OIT80/UNESCO (1966).

A partir dessa Declaração Mundial sobre Educação para Todos, a questão da multiculturalidade, principalmente no tocante às diferenças, começa a ser considerada como direito de todos e percebida como fator importante que interfere no desenvolvimento da educação.

Uma década mais tarde, em 2000, a UNESCO realizou em Dakar, no Senegal, o Fórum Mundial de Educação de Dakar, após avaliações no mundo todo sobre os progressos do compromisso assumido em Jomtien. Nesse encontro a questão da multiculturalidade é novamente reforçada. No item 7 do documento, os governos se comprometem a:

[...]

II. assegurar que todas as crianças, com ênfase especial nas meninas e nas crianças em circunstâncias difíceis e pertencentes a minorias étnicas, tenham acesso à educação primária, obrigatória, gratuita e de boa qualidade até o ano de 2015;

[...]

V. eliminar disparidades de gênero na educação primária e secundária até 2005 e alcançar a igualdade de gênero na educação até 2015, com enfoque na garantia ao acesso e ao desempenho pleno e eqüitativo de meninas na educação básica de boa qualidade (UNESCO, 2000, p. 7).

Esse compromisso de Educação para Todos, assumido desde Jomtien, envolveu muitos países e a UNESCO se comprometeu a coordenar, avaliar e secretariar o programa educacional que envolve questões econômicas e políticas muito claras.

Portanto, é essencial que novos compromissos financeiros concretos sejam firmados pelos governos nacionais e também pelos doadores bilaterais e multilaterais, entre os quais o Banco Mundial, os bancos regionais de desenvolvimento, a sociedade civil e as fundações (id, ibid., p. 11, grifo meu).

O discurso é muito interessante. A palavra “doadores de recursos financeiros” passa a impressão de que esses organismos internacionais estão realmente preocupados com a educação de todas as nações que apresentam desigualdade educacional, camuflando, no entanto, os reais interesses econômicos dessas “doações”, que na realidade são empréstimos, além de interesses políticos como a dependência desses países devedores às determinações dos países ricos que comandam esses organismos internacionais.

De acordo com as avaliações realizadas pela UNESCO antes do Fórum de Dakar, alguns desafios persistem inclusive com relação ao tratamento da

multiculturalidade. Segundo o documento, muitos governos e órgãos centralizaram seus esforços em questões mais fáceis de serem atingidas desprezando outros como, por exemplo, aqueles que são excluídos da educação fundamental, quer por razões sociais, econômicas ou geográficas. Além disso, a educação das meninas continua, ainda, a ser um desafio importante a enfrentar. O documento deixa claro que a Educação para Todos deve abarcar todas as instâncias da educação, utilizando tanto abordagens formais quanto informais, e “deve levar em conta as necessidades dos pobres e dos mais desfavorecidos, entre eles as crianças que trabalham, lavradores e nômades que vivem no campo, e as minorias étnicas e lingüísticas [...]” (UNESCO, 2000, p. 13).

Uma das estratégias para melhoria da educação assinaladas no documento de Dakar refere-se aos professores, vistos como atores essenciais na promoção da educação de qualidade, como defensores e catalisadores da mudança. Dessa forma, é recomendado elevar o status, a moral e o profissionalismo dos professores.

Nenhuma reforma educacional será bem sucedida sem a participação ativa e a preponderância dos professores. Em todos os níveis da educação, os professores devem ser respeitados e adequadamente remunerados; ter acesso à formação, ao desenvolvimento e ao apoio profissional permanente, inclusive mediante o ensino aberto e a distância, e ser capaz de participar, local e nacionalmente, das decisões que afetam a vida profissional e o ambiente de ensino. [...]

Os professores devem ser capazes de compreender a diversidade de estilos de aprendizagem e de desenvolvimento físico e intelectual dos estudantes e de criar ambientes de aprendizagem estimulantes e participantes (UNESCO, 2000, p. 24-25).

Nesse contexto, a atenção às questões multiculturais ultrapassou o limite das discussões. Assim, em2001 a ONU realizou a Conferência mundial sobre “Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância”, em Durban (África do Sul) e, logo após, nesse mesmo ano, a UNESCO aprovou a

Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural.

Na continuidade das discussões e avaliações do programa educacional de Educação para Todos, em 2001, a UNESCO reuniu os países da América Latina e Caribe para reafirmar e viabilizar o compromisso assumido em Dakar. Essa reunião foi realizada em Cochabamba na Bolívia. Nesse documento os governos declaram,

entre outras coisas, a importância de uma educação que se preocupe com a multiculturalidade e a respeite.

[...]

5. que, em um mundo pluralista e diversificado, a América Latina e o Caribe têm muito a oferecer se tirarem proveito da riqueza de sua diversidade de etnias, línguas, tradições e culturas. Para tanto, nossa educação deve não só reconhecer e respeitar essa diversidade, mas também valorizá-la, transformando-a em um recurso de aprendizado. Os sistemas educacionais devem abrir oportunidades de aprendizado a cada criança, jovem e adulto, cultivando uma diversidade de capacitações, vocações e estilos, e dando ênfase especial às necessidades especiais de aprendizado. Os governos e as sociedades têm a responsabilidade de respeitar integralmente esse direito, promovendo todos os esforços ao seu alcance para garantir que as diferenças individuais, socioeconômicas, étnicas, lingüísticas e de gênero não se transformem em desigualdade de oportunidade ou qualquer outra forma de discriminação (UNESCO, 2001, p. 4).

Também destacam a importância dos professores, argumentando que estes possuem um papel insubstituível para assegurar um aprendizado de qualidade na sala de aula. Por isso, argumentam que as mudanças pretendidas com a reforma se baseiam na vontade e na preparação do magistério, e comprometem-se a enfrentar e resolver o problema dos professores com uma abordagem compreensiva e fundamental nos próximos cinco anos. Destacam que a função e a formação docente necessitam ser repensadas com um enfoque sistêmico que integre a formação inicial com a continuada, a participação efetiva em projetos de aperfeiçoamento, a criação de grupos de trabalho docente nos centros educacionais e a pesquisa numa interação permanente. Indicam que na formação docente precisam ser considerados, com urgência, todos os outros temas que afetam a capacidade dos professores de realizar suas tarefas em condições de trabalho apropriadas, que abram oportunidades para o crescimento profissional contínuo: remuneração adequada, desenvolvimento profissional, aprendizado ao longo da carreira, avaliação do rendimento e responsabilidade pelos resultados no aprendizado dos estudantes.

Enfim, partindo desses exemplos de alguns acordos internacionais que delimitam direções a serem seguidas pelos países no tocante às políticas educacionais, não pretendi questionar a relevância desses acordos, pois reconheço e destaco sua pertinência para que a multiculturalidade seja repensada e analisada nos contextos locais, mas, sim, demonstrar que as políticas educacionais nacionais são influenciadas pelos organismos internacionais que representam interesses econômicos mais amplos, pautados em todas as mudanças que busquei demonstrar no decorrer deste capítulo.

Esses exemplos evidenciam que a atenção à multiculturalidade vem sendo destacada nas políticas educacionais há vários anos e reforçada periodicamente como uma questão ainda não resolvida.

Na segunda parte deste estudo localizarei como essas recomendações afirmadas nos acordos internacionais, promovidos principalmente pela UNESCO, interferem nas políticas educacionais do Brasil e de Portugal, enfatizando a importância da multiculturalidade.

Dando seqüência à construção dos elementos teóricos desse trabalho, no próximo capítulo discutirei alguns conceitos centrais, muitos dos quais se apresentam como um imbróglio teórico, mas concentrarei todos os meus esforços em compreendê-los e torná-los compreensíveis, pois serão fundamentais para as análises que farei posteriormente.

2 EDUCAÇÃO E MULTICULTURALISMO

Neste capítulo busco compreender o conceito de multiculturalismo na sociedade contemporânea e o sentido que lhe é atribuído na educação. O contexto social, político, econômico e cultural da sociedade atual caracterizado pela globalização, como definido no capítulo anterior, fornece os princípios para a compreensão e definição dos conceitos que abordarei e para o entendimento da própria educação, tanto no Brasil como em Portugal. A multiculturalidade é uma das conseqüências desse contexto e se torna um fator que exige atenção e um repensar sobre a educação como um todo, desde seus métodos de ensino e estrutura curricular até a formação dos futuros professores.

O termo multiculturalismo, tal como referem vários autores [Leite, 1997b, 2002a; Candau, 2002; Moreira, 2001; Araújo (et al.), 2007] apresenta-se com uma diversidade de concepções e entendimentos, sendo tratado por diferentes correntes teóricas com significados muito diversos, ou seja, é um conceito polissêmico. Por isso, neste capítulo, primeiramente discuto os conceitos-chave deste trabalho, apresentando diferentes interpretações e entendimentos. Em seguida, localizo esses conceitos dentro da postura teórica que adoto como referência; e, num terceiro momento, relaciono esses conceitos com a educação de uma forma geral.

2.1 DEFININDO CONCEITOS

A convivência com culturas diferentes é uma conjuntura que a história nos mostra há muito tempo. De acordo com Ponce (2001), o contato entre pessoas com diferentes costumes, hábitos, línguas etc., ocorreu, essencialmente, quando as comunidades começaram a produzir mais do que o necessário para o seu próprio sustento e iniciaram o processo de intercâmbio de mercadorias, saindo da sua localidade para conviverem com outros grupos dando início ao processo de troca entre comunidades vizinhas e, posteriormente, entre comunidades mais longínquas. Essa relação comercial, que a princípio ocorreu de forma rudimentar, caracteriza os primeiros contatos entre grupos culturalmente diferentes.

Esse processo de convivência entre culturas diferentes foi intensificando-se com a expansão européia do século XV e XVI, novamente permeado pela questão econômica. Santos (2003) caracteriza esse momento histórico como o nascimento do capitalismo, o início da globalização, com a busca por novos espaços e pessoas a serem sujeitadas à lei do mercado com um número cada vez maior de atividades, produtos e serviços. Para esse autor, a globalização atual, na sua forma hegemônica, não é algo novo, mas de alguma maneira, “[...] é o clímax de todo este processo e traz com ele a presença de todos estes passados” (p. 7).

Portanto, a constituição de sociedades multiculturais se intensificou com a expansão européia e foi se ampliando com a crescente migração e deslocamento dos povos, produzindo sociedades étnica ou culturalmente “mistas”. Hall (2003) argumenta que são várias as razões pelas quais as pessoas mudam de lugar buscando sempre melhores condições de vida, desde razões de ordem natural como desastres naturais, alterações ecológicas e climáticas, como questões econômicas e políticas: guerras, questões religiosas, exploração do trabalho, colonização, escravidão, semi-escravidão, repressão política e subdesenvolvimento econômico.

Assim, as sociedades contemporâneas são formadas por grupos