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Na atualidade, assiste-se a toda uma nova conjuntura social, política e econômica mundial, formada – pelo menos do modo como hoje é percebida – a partir das grandes revoluções tecnológicas e informacionais. Em decorrência disto, ocorrem no período atual significativas mudanças na forma como as fronteiras, ou mesmo os territórios nacionais, são compreendidos, bem como emergem desta problemática novos conceitos para as Ciências Sociais, como o de sociedade global. Esta conjuntura é genericamente definida como globalização (ALMEIDA, 2001; ARROYO, 1998; IANNI, 1997, 2004; PROCÓPIO, 2003; RIFKIN, 1995).

Em uma definição preliminar, a globalização pode ser vista como sendo a intensificação das relações inerentes à sociedade em escala mundial, o que, por sua vez, tem o poder de ligar localidades distantes, independentemente de suas fronteiras geográficas e políticas, de tal forma que as ocorrências locais estão conectadas a eventos que ocorrem em regiões muito longínquas, sendo que o mesmo se processa ainda em sentido inverso (GIDDENS, 1991).

Colocando em evidência estas transformações espaciais – e temporais – do mundo atual, Harvey (1998, 2004) traz uma interessante visão a respeito disso, ao salientar que a ascensão do termo globalização assinala uma profunda reorganização geográfica do próprio capitalismo. De um lado, o autor aborda a questão referente à compressão do tempo-espaço, sendo esta, uma aceleração do ritmo de vida, facilitada pela tecnologia. De outro, Harvey (2004) afirma que o conceito de “fábrica”, e por conseqüência o de manufatura, não possui o significado estanque de antes sendo, pois, a definição de um espaço de produção que pode estar vinculado geograficamente apenas de forma momentânea e contingente.

As conseqüências da reorganização espacial, temporal e produtiva inerentes à globalização, além de desafiadoras para categorias-chaves da sociologia como a do trabalho – cujas condições se encontram em constante degradação –, também denotam uma renovada dinâmica na mobilidade do capital internacional, em especial

o especulativo. (CASTEL, 1999; CHAHAD, 2003; LARANGEIRA, 1997; OFFE, 1995; DE LA GARZA TOLEDO, 2000; ARROYO, 1998).

Em termos políticos, Beck (1999, p. 30) define a globalização como um processo “[...] em cujo andamento os Estados nacionais vêem a sua soberania, sua identidade, suas redes de comunicação, suas chances de poder e suas orientações sofrerem a interferência cruzada de atores transnacionais”.

Desse modo, na conjuntura política atual perpetrada pela globalização, o Estado-nação passa por um movimento contínuo de debilidade em termos de soberania e democracia, o que tem o efeito de reforçar o próprio processo globalizador. Não obstante, existem ainda críticas a que essa debilidade se configure realmente em um enfraquecimento, pois a gerência do auto-desmonte exigiria um Estado com estruturas relativamente fortes para afastar as possibilidades de graves conflitos sociais (MARTINS, 1995; GUGLIANO, 2000).

A esse respeito, o que parece claro e evidente é o fato de que, como bem aponta Mario Rapoport, as implicações da transnacionalização põem em questão o papel dos Estados-nação ou debilitam suas soberanias, no entanto, é necessário incorporar a esta reflexão certos elementos que relativizam estes pontos:

[...] En primer lugar, se confunde el “debilitamiento” del Estado com un fenómeno distinto aunque fuertemente asociado al proceso internacional y al del pensamiento que lo acompaña cual es el cambio de las políticas económicas predominantes [...]. En segundo lugar, se parte de un presupuesto falso al concebir el escenario de las relaciones internacionales anterior como regido por la acción exclusiva de los Estados [...]. En tercer

término, al iniciarse el siglo XX gran parte de la población del mundo no

vivía bajo la jurisdicción de Estados soberanos sino en el marco de diversas formas de dominácion colonial y semicolonial. [...] En cuarto lugar, en el contexto de los cambios actuales los Estados-naciones conservan aún un rol destacado. [...] En quinto lugar, el peso aún vigente de los Estados- naciones, particularmente el de las grandes potencias, se hace más visible en el plano político, estratégico y militar [...]. En sexto lugar, el proceso de reformulación de la fuerza y debilidad de los diversos Estados tiene su base no en la extinción sino en la perduración y recreación del fenómeno nacional, en un proceso de interacción con la globalización, incluso en el plano económico. [...]. Finalmente, es necesario remarcar que los propios proyectos de integración regional a la vez que tienden a recortar las soberanías nacionales, expresan una tendencia a la constitución de suprasoberanías que contradicen los presupuestos de la “aldea global” (RAPOPORT, 2003, p. 52-5, grifos nossos).

Sinteticamente pode-se afirmar que, por um lado, a ação dos Estados ainda se constitui em parte essencial das relações entre os países, pois é pouco provável que o processo de globalização avance sem a mediação de um regulador coletivo

no setor econômico e social das nações e, por outro, existe um claro movimento de aproximação entre os Estados nacionais que busca reforçá-los pela cooperação econômica e política, sendo este o caso de blocos regionais como a União Européia, o Nafta e o Mercosul. Do ponto de vista de Hirst e Thompson (1998), a existência destes blocos podem ser indicadores de potencialidades emergentes para um novo governo econômico mundial.

Como se pode observar, o tema relativo à globalização é bastante complexo, assim como também o é o debate acerca de se ela será predominantemente positiva ou negativa para a conjuntura global. Com a finalidade de abarcar a diversidade de pontos de vista acerca da globalização, alguns autores sugerem que a discussão estaria polarizada entre dois grupos (HELD; MCGREW, 2001).

O primeiro deles é denominado como céticos, consistindo naqueles que enfatizam uma visão de que o fenômeno é, em sua essência, negativo e bem mais limitado do que muitos acreditam. Já o outro grupo, os globalistas, possui uma perspectiva mais favorável ao processo de globalização, bem como acreditam que será algo amplo e abrangente.

De acordo com Held e McGrew (2001), as diferenças mais notáveis entre céticos e globalistas, nos principais âmbitos dentro do grande debate proposto pela globalização, pode ser resumido da seguinte forma:

a) Conceitos: para os céticos, o processo é visto como uma mera internacionalização, enquanto que para os globalistas, predomina a visão de que está sendo criado um só mundo, moldado por fluxos, movimentos e redes extensos intensivos e rápidos através do mundo;

b) Poder: o primeiro grupo ressalta o predomínio do Estado, enquanto que o segundo destaca o declínio estatal, o desgaste da soberania e o aumento do multilateralismo;

c) Cultura: enquanto os céticos vêem no processo, o ressurgimento do nacionalismo e das identidades nacionais, os globalistas enfatizam o surgimento de uma cultura popular global e da hibridização;

d) Economia: o desenvolvimento de blocos regionais e um novo imperialismo são vistos como inerentes à globalização pelo primeiro grupo, enquanto que o segundo destaca o surgimento do capitalismo global informacional e de uma nova divisão do trabalho;

e) Desigualdade: os céticos observam na globalização, o crescimento das lacunas entre norte e sul, gerando conflitos de interesses irreconciliáveis. Já os globalistas, embora concordem que haverá o crescimento da desigualdade, enfatizam o desgaste das antigas hierarquias;

f) Ordem: uma sociedade internacional de Estados é a visão predominante no primeiro grupo, bem como os conflitos a eles inerentes, enquanto que para o segundo, a perspectiva concentra-se em uma sociedade civil e organização políticas globais, além do cosmopolitismo.

Estas posições/oposições assumidas entre céticos e globalistas possuem uma conotação didática, ainda que possam gerar o falso entendimento de que são dois grupos detentores de posições estanques, essencialmente antagônicas e que configurariam duas alas: uma “conservadora” e outra “crítica”. Contudo, o fato é que muitas dessas posições são complexas e, algumas vezes, compartilhadas por ambos os grupos – em especial por setores intermediários a estes. De todo modo, a apreensão do verdadeiro significado e impacto da globalização ainda pode estar além destes grupos, e de sua visão eventualmente reducionista, como bem assevera Giddens (2000, p. 20-1):

Não acredito, porém, que nem os céticos nem os radicais [globalistas] tenham compreendido corretamente nem o que ela é, nem suas implicações para nós. Ambos os grupos vêem o fenômeno quase exclusivamente em termos econômicos. Isso é um erro.

No que tange à globalização e a integração pode se dizer que os processos de transformação do sistema mundial reorganizaram o cenário internacional, desenhando uma nova concepção acerca do espaço-mundo. Em termos dos espaços geográficos nacionais e regionais, estes se rearticularam modificando sobremaneira a organização das áreas de fronteira, dos territórios e da sociedade. É

nesse entender que se torna necessário analisar essas mudanças, para que os fatos passíveis de observação, em torno do processo integracionista, sejam compreendidos à luz dos movimentos locais, regionais e nacionais.